80 anos da CLT: direitos e cidadania – A Consolidação das Leis do Trabalho, que desde 1º de maio de 1943 rege as relações entre capital e trabalho no Brasil, completa 80 anos de existência. A data reveste-se de simbolismo, tendo sido proclamada Dia Internacional das Trabalhadoras e Trabalhadores durante o Congresso Internacional de Paris, realizado em 1889, em memória das vítimas da Revolta de Haymarket, ocorrida em maio de 1886, em Chicago. Naquela ocasião, operários que reivindicavam limitação da jornada em oito horas foram duramente reprimidos pelas forças policiais.
Para muito além da proposta inicial de organizar e harmonizar a legislação trabalhista, que até então se apresentava de forma esparsa, a comissão encarregada da elaboração do anteprojeto da CLT inovou ao criar normas, princípios e institutos específicos do direito do trabalho, afirmando-o como ramo autônomo do direito.
A comissão estabeleceu ainda um extenso capítulo sobre o contrato de trabalho —ao qual, até então, aplicavam-se as normas do Código Civil sobre contrato de locação de serviços. Institutos como grupo econômico, férias remuneradas, acordo coletivo de trabalho e o detalhamento de normas de saúde e segurança, por exemplo, eram bastante inovadores para a época.
Igualmente inovadora foi a decisão de incorporar à CLT institutos previstos nas convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ainda pouco frequentes nas legislações nacionais. Daí resultou um diploma vanguardista no tocante aos direitos individuais. Quanto aos direitos coletivos, todavia, a CLT não revelava o mesmo caráter progressista, consagrando institutos como a unicidade sindical compulsória, a obrigatoriedade do registro dos entes sindicais no Ministério do Trabalho e o imposto sindical.
Em que pese a necessidade de contínuo aperfeiçoamento para se adequar às demandas de uma sociedade em constante transformação (inclusive no que tange à luta por equidade de gênero e raça), o octogenário documento revela-se instrumento vivo e tem incorporado importantes avanços civilizatórios ao longo do tempo, destinados a assegurar a proteção do valor trabalho.
Partindo desse olhar protetivo, é preciso ter em conta que alterações no texto da norma consolidada, tendentes a desregulamentar e flexibilizar direitos, ou mesmo mudanças desacompanhadas de um amplo diálogo social, além de subverterem o seu sentido original dificilmente passariam pelo crivo dos controles de constitucionalidade e de convencionalidade.
Certo é que, em um país marcado por desigualdades sociais, o caminho para a concretização do direito humano ao trabalho decente é longo. A CLT completa seus 80 anos de vigência com o desafio de ter sua interpretação e aplicação adaptadas aos novos formatos de relações de trabalho e de incluir atores sociais historicamente excluídos da proteção da lei trabalhista.
Os altos níveis de informalidade e, consequentemente, de exclusão da proteção social; a discriminação; o trabalho em condições degradantes; e os impactos das inovações tecnológicas e do uso da inteligência artificial no mundo do trabalho constituem desafios importantes a serem vencidos na jornada rumo a relações de trabalho justas e equitativas para todas e todos.
Nesse contexto, avulta a responsabilidade —não só da comunidade jurídica, mas de toda a sociedade— de manter vivo o espírito deste instrumento notável, que carrega histórias de lutas de homens e mulheres que vieram antes de nós. Mais do que isso, impõe-se aperfeiçoar e expandir os direitos sociais, a fim de deixar como legado às gerações futuras uma sociedade mais justa e inclusiva, em que todas e todos possam viver com dignidade.
Vida longa à CLT!
Lelio Bentes Corrêa – Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, é mestre em direito internacional dos direitos humanos pela Universidade de Essex (Inglaterra)
Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo
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