Na Câmara, CSB critica falta de debate e transparência sobre a Reforma Administrativa

Nesta quarta-feira (3), a sessão plenária da Câmara dos Deputados foi transformada em Comissão Geral para debater a reforma administrativa. Além de parlamentares, participaram do debate representantes de entidades do serviço público, que manifestaram preocupações comuns sobre o projeto, especialmente em relação ao fato de que o texto ainda não foi oficialmente apresentado apesar de o Grupo de Trabalho sobre a Reforma Administrativa – que durou 45 dias – já ter sido encerrado.

A Central dos Sindicatos Brasileiros foi representada pelo vice-presidente Flávio Werneck, que também é presidente da CSB-DF e diretor da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef). O primeiro ponto levantado por ele foi justamente a falta de um texto que possa ser analisado e efetivamente debatido.

“O primeiro ponto que eu queria deixar consignado aqui é que nós não temos o projeto. Como não temos o projeto, nós não temos como debater consistentemente os pontos necessários. Então, eu espero que nós possamos ter uma Comissão Especial com o texto e com as vírgulas, para que todos os servidores públicos possam se ater aos detalhes e também contribuir com o projeto apresentado”, afirmou. O segundo ponto é que nenhum servidor público está querendo o arquivamento de um projeto que não se sabe qual é. Temos que ter acesso a ele e o lermos”, acrescentou.

Werneck destacou que o argumento de combater os ‘supersalários’ do funcionalismo – que são uma minoria ínfima no setor – não pode ser utilizado como ‘bode expiatório’ para prejudicar toda uma categoria, que em momento nenhum se negou a debater esse tipo de privilégio. “Ninguém aqui é contra discutir supersalários. Os supersalários representam menos de 0,5% do que existe no serviço público brasileiro. Ninguém é contra discutir isso, mas isso não pode ser bode expiatório para se colocar para o serviço público situações que não vão melhorar a situação do povo brasileiro”, pontuou.

Ele mencionou um ponto levantado por diversos parlamentares – incluindo o presidente da Casa, Hugo Motta, e o deputado federal Pedro Paulo, que comandou o GT da Reforma Administrativa – de que o projeto responde a um ‘anseio’ na população brasileira. No entanto, Werneck lembrou de uma pesquisa recente que listou como prioridades dos brasileiros o combate à corrupção (54,9%), à criminalidade (41,8%) e a melhora da economia (21%), além de outros dados que demonstram que, qualquer projeto que vise atender à população, deve também garantir serviço público de qualidade, com respeito aos servidores:

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“71,5% dos brasileiros necessitam do SUS; 85,7% usam a educação pública e gratuita do nosso País – isso não pode ser prejudicado. 24,3% da população brasileira não têm acesso a saneamento básico – é isso que nós temos que buscar numa reforma, oferecer esse serviço à população brasileira; no Brasil, de cada três homicídios, só um homicida é punido – isso tem que ser melhorado e tem que ser entregue à população brasileira, a eficiência no serviço público”, defendeu.

O dirigente sindical encerrou dando destaque às recentes operações da Polícia Federal e outros entes públicos que resultaram na prisão de um deputado estadual do Rio de Janeiro e que demonstraram como o crime organizado está infiltrado em diversos setores e nas esferas públicas.

“Não posso deixar de falar da nossa recente operação que demonstrou que as organizações criminosas estão na Faria Lima, usando as fintechs, e também que há gente envolvida de todas as casas legislativas. A isso, sim, a população brasileira quer combate. A população brasileira está impressionada e não quer o que aconteceu ontem no Senado Federal com o enfraquecimento da Lei da Ficha Limpa. Isso, sim, coloca a possibilidade de pessoas envolvidas com o crime estarem dentro da política nacional. Bandido hoje está lavando dinheiro em postos de gasolina, está dentro das assembleias e está dentro da Faria Lima”, finalizou

Pilar da democracia

Alison Aparecido Martins de Souza, presidente do Sindilegis e do Instituto Servir Brasil, elogiou a iniciativa da Comissão Geral, mas fez coro ao pedido de que o texto seja apresentado para um debate democrático mais qualificado.”O serviço público forte, valorizado é essencial para o funcionamento da nossa democracia”, disse. Ele alertou que o resultado dos trabalhos “pode fortalecer ou enfraquecer a nossa democracia” e que o serviço público deve ser entendido como cidadania, e não como um negócio.

Flávio Werneck, André Figueiredo, Alison de Souza e Ernesto Pereira (assessor CSB)

Seu principal apelo foi direcionado ao presidente da Câmara: “Quero pedir a V.Exa. que nos dê a oportunidade de, a partir da apresentação do texto, nós então podermos instaurar uma Comissão Especial em que nós possamos fazer o debate das ideias. Sabemos que, no texto legislativo, as vírgulas têm seu valor e sua força”.

Contratos temporários

O deputado federal André Figueiredo, presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público, expressou preocupação com possíveis retrocessos, lembrando a rejeição da PEC 32/2020. Ele defendeu propostas de modernização do Estado, mas fez uma crítica específica a uma das ideias em discussão no grupo de trabalho.

“Uma questão que preocupa todos, de forma uníssona, [é] a questão de termos servidores estatutários temporários por 10 anos. Essa estabilidade de 10 anos preocupa todos. Há unanimidade contra”, afirmou Figueiredo, pedindo que o ponto seja retirado da pauta.

Por outro lado, ele elogiou a receptividade em relação à concessão de licença para dirigentes sindicais sem perda de vencimentos, classificando-a como uma “grande vitória” para fortalecer a negociação coletiva.

Motta e Pedro Paulo defendem reforma

Ao abrir a sessão, o presidente Hugo Motta classificou a reforma como uma resposta a demandas sociais por um Estado mais eficiente. Em seu discurso, afirmou que “a cada dia a vida real cobra mais do que a máquina pública consegue entregar. Essa é uma verdade inescapável, e temos de ter coragem para enfrentá-la”. 

Motta citou pesquisa de opinião do Datafolha que diz 72% dos brasileiros acreditam que a profissionalização do serviço público contribui diretamente para o combate à corrupção e 83% rejeitam privilégios salariais. “Esses números demonstram que a sociedade valoriza o servidor público […] mas exige um Estado capaz de adotar critérios claros de mérito, de eficiência e de responsabilidade”, afirmou.

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Já Pedro Paulo rejeitou qualquer comparação do texto a ser apresentado por ele com a PEC 32/2020 – reforma administrativa apresentada pelo governo Bolsonaro. Segundo ele, a nova proposta tem quatro premissas:

  1. Respeito ao servidor e direitos adquiridos “O servidor público não é o vilão da reforma administrativa. Ele é o agente da transformação”. Deixou claro que a proposta “não vai tocar em um direito do servidor público”, mantendo a estabilidade, que definiu como “uma garantia do Estado brasileiro e uma proteção […] de todo cidadão”.
  2. Não é uma reforma de ajuste fiscal: Afirmou categoricamente que a “reforma administrativa não vai estabelecer uma meta de ajuste fiscal”, defendendo que essa agenda deve ser tratada em outro fórum.
  3. Foco na eficiência, não no tamanho do Estado: “A reforma administrativa não vai tratar do tamanho do Estado […] O Estado tem que ser melhor e mais eficiente”. A proposta, segundo ele, deve criar um marco regulatório que permita ao Estado entregar mais serviços, independentemente de uma eventual ampliação ou redução de suas funções conforme a escolha popular.
  4. Abrangência universal: A reforma deve incluir todos os Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e todos os entes da Federação (União, Estados e Municípios).

Ele falou ainda sobre quatro eixos da proposta:

  1. Estratégia, gestão e governança: Focado na “meritocracia no serviço público” e avaliação de desempenho. “Nós vamos enfrentar a questão da meritocracia porque ela está no centro, no coração do incentivo à produtividade”, explicou.
  2. Transformação digital: Visa modernizar a administração pública para incorporar novas tecnologias, como inteligência artificial.
  3. Gestão de pessoas (RH): Dedica-se a tratar dos vínculos estatutários e de outros tipos, considerando todos os trabalhadores públicos.
  4. Combate a privilégios: Reconhecido como “talvez seja o mais difícil”, este eixo propõe corrigir distorções remuneratórias em todos os Poderes. “Existe privilégio no Poder Legislativo. Existe privilégio no Poder Executivo. E existem, sim, correções que precisam ser feitas no Poder Judiciário”, afirmou.

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