Bandeira de Getúlio Vargas presente nas manifestações do dia 3 representa a retomada da luta por um projeto de país soberano
Antonio Neto, Presidente da CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros)
Amanda Salgado, Presidente da Juventude Socialista do PDT de São Paulo, capital
No último sábado (3), brasileiras e brasileiros ocuparam as ruas de todo o Brasil para exigir o impeachment de Bolsonaro. Muito além da criminosa e desastrosa condução da pandemia pelo governo, o conjunto da população foi às ruas para dar um fim à falta de perspectivas: à miséria, ao desemprego, à fome, às privatizações e a todas as mazelas que prosperam pela crise da pandemia, intensificada pelo governo Bolsonaro.
É diante da falta de perspectiva para o conjunto da população que a Juventude Socialista do Partido Democrático Trabalhista de São Paulo capital e a CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros) desfraldaram nas ruas as bandeiras daqueles que construíram um Estado brasileiro altivo. A bandeira de Vargas nas ruas simbolizou a retomada de seu legado para a reconstrução de um Brasil que em nada se assemelha ao Estado pequeno e ao governo neoliberal de Bolsonaro.
O espectro de Vargas nas ruas de São Paulo, em plena Avenida Paulista, chama atenção e é comentado por todo canto, pelas redes sociais e pela imprensa nacional, porque ainda há quem louve as conquistas e a potência que foi a Era Vargas (1930-1964). Mas também ainda há quem tenha medo do trabalhismo. Ainda há quem tenha medo do Estado social que Vargas construiu, com sua habilidade política conciliatória e articuladora de setores sociais contraditórios, a partir da árdua transição de um Brasil agrário para um Brasil industrial.
Há quem ainda relute em admitir que foi a Revolução de 3 de outubro de 1930 e a atuação de Getulio Vargas na Presidência da República que iniciaram o processo de construção de um Estado soberano, acompanhado da independência econômica e da garantia dos direitos sociais no Brasil. E há quem se assuste com a ousadia de uma juventude que recupera nas ruas o fio da história para, a partir dela, trilhar um novo projeto de país.
É na Revolução de 1930 em que há uma ruptura na política econômica brasileira, em verdadeira internalização dos centros de decisão, facilitadora do processo de expansão econômica a partir do mercado interno e da industrialização. O governo Vargas inaugura um nacionalismo econômico, cuja finalidade era a independência econômica a partir de um Estado coordenador e detentor do controle de nossos recursos naturais e de determinados setores produtivos. O objetivo era não só beneficiar a economia brasileira, como também garantir o crescimento econômico, em um país condicionado ao subdesenvolvimento na periferia do capitalismo.
Com um projeto de país, é no governo Vargas que o Estado brasileiro é reestruturado e orientado para promover, em suas mais diversas pastas e setores, as transformações estruturais necessárias para superar os atrasos e conduzir o país ao desenvolvimento.
No âmbito econômico, ao meio de condicionantes históricas e da economia política internacional, em 1941 o Estado Novo, mediante precedentes negociações, implementa a siderurgia pesada no Brasil a partir da criação exclusivamente estatal da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), marco da política industrial e categórica emancipação econômica do país. A construção do Estado industrial brasileiro passa a exigir a vinculação da exploração dos recursos minerais à política nacional de industrialização. Como necessidade de implementação de uma base nacional sólida e uma infraestrutura para a nascente indústria pesada e seu financiamento, e mediante intensos debates políticos, são criadas outras tantas estatais nos setores, como a Companhia Vale do Rio Doce e a Fábrica Nacional de Motores, em 1942; a Chesf (Companhia Hidrelétrica do São Francisco), em 1945; o BNDE (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico), em 1952; a Petrobras, em 1953, sob massiva e popular campanha; e a Eletrobras, em 1961.
A criação de estatais estratégicas para o desenvolvimento acompanhou ainda a instituição, por Vargas, do controle cambial e da lei da remessa de lucros. Sem a criação dessas estatais e da condução e atuação direta do Estado, jamais teria sido possível a estruturação de uma economia nacional, que culminou na efetivação do processo de industrialização com elevado crescimento econômico (mesmo diante da crise de 1929 e da Segunda Guerra Mundial) e na urbanização.
Tais conquistas econômicas só foram concretizadas porque o projeto nacional de desenvolvimento de Vargas, caracterizado pela transformação estrutural da economia brasileira, passava pela dimensão social e cultural, a partir da concretização de direitos sociais e estruturação do Estado brasileiro nesses segmentos. O Estado social e desenvolvimentista da Era Vargas ressoava no imaginário popular porque seu governo sempre esteve ao lado dos trabalhadores e dos mais pobres. Isso ressoa na promulgação do Código Eleitoral ainda durante o governo provisório, em 1932, com a instituição do voto secreto e do voto feminino. A Constituição de 1934 implementa ainda a Previdência pública, ao instituir os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs).
Vargas promulga os direitos trabalhistas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943, rompendo a completa ausência de sistematização desses direitos no Brasil. E é aqui que determinados grupos insistem em acusar que o corporativismo estatal teria criado um sistema trabalhista repressivo e inspirado pelo fascismo italiano. A qualificação de que a legislação e Vargas eram “fascistas” ignora a complexidade que marcou a instituição dessa legislação e seu impacto nas relações econômicas, políticas e sociais da classe trabalhadora brasileira. Ignora ainda que a CLT teve influências ideológicas do positivismo de Auguste Comte, adaptado no Rio Grande do Sul pelo líder republicano Júlio de Castilhos.
O positivismo castilhista colocava o Estado na posição de intermediador do conflito de classe para enfim integrar os trabalhadores à sociedade moderna. O autoritarismo que marcou o Estado brasileiro no período não pode ser confundido com um totalitarismo ou com um Estado fascista. Do mesmo modo que os direitos trabalhistas foram uma conquista que, com a intervenção do Estado, constituíram-se como meios garantidores da cidadania aos trabalhadores e trabalhadoras no Brasil, alcançada não pelos direitos políticos, mas sim pelos direitos sociais garantidos por lei.
As leis trabalhistas e abertura do espaço político não eram fatos isolados. Estavam inseridas em um contexto histórico e político de um Estado nacional ainda enfraquecido, que se construía mediante conflitos entre setores sociais distintos e setores dominantes, buscando uma base social para consolidar-se no poder e efetivar a construção do Estado nacional, a partir de fins específicos e de nossas necessidades. Ao contrário do que muitos querem fazer crer, as leis trabalhistas foram elaboradas, com certo controle do Estado, para a promoção, organização e estruturação da classe trabalhadora nos centros urbanos. Evidente que podia atender aos interesses da burguesia industrial, e daí justamente reside a necessidade de mobilização e de lutas populares, para fazer do Estado uma arena de organização dos trabalhadores, no qual era exigido o cumprimento da lei e de direitos que reconheciam a dignidade dos trabalhadores.
Os direitos sociais garantidos na Era Vargas se deram também mediante políticas de educação e políticas culturais. Em seu primeiro governo, Vargas criou o Ministério da Educação e Saúde (1930), constituindo um sistema nacional público de ensino, caracterizado pelas reformas educacionais que perduram por muitas décadas, como a Reforma do Ensino Secundário em 1942, a Reforma Universitária, mediante a criação e padronização do sistema universitário público federal, e a criação da Universidade do Brasil em 1937 e do Senai (Serviço Nacional da Indústria) em 1942, dentre tantas outras.
A estruturação de um Estado condutor das políticas de educação e cultura ficaram marcadas pela condução de Gustavo Capanema no então Ministério da Educação e Cultura, criado em 1930, pelo longo período de 11 anos. Dentre as secretarias do ministério, foi criada a Secretaria de Educação Musical, ocupada por ninguém menos que o maestro Villa-Lobos durante oito anos, sendo o responsável, com o apoio de Getulio, pela organização de diversos concertos em estádios de futebol, além da organização dos métodos de ensino musicais em escolas públicas do país. A pasta da cultura ficou marcada pela valorização do samba, do futebol e do cinema nacional, que contou com a primeira política deliberada de incentivo ao acesso à cultura, o INCE (Instituto Nacional de Cinema Educativo), criado por Getulio Vargas em 1937.
Faltam neste texto outros tantos feitos de Vargas que compõem a maestria de seu legado. Mas ainda assim, os udenistas de ontem, em 1945, 1954 e 1964, insistiram até derrubar a herança política de Vargas e interromper o projeto nacional-desenvolvimentista em curso. Os neoliberais de ontem, a partir do 1994 no governo Fernando Henrique Cardoso, e os de hoje, tentam apagar sua história. Não vamos permitir que corroam o Estado desenvolvimentista brasileiro e insistentemente tentem dar um fim à Era Vargas.
Vamos lutar diariamente por um novo Brasil: um Brasil que retoma a Era Vargas a partir de um Projeto Nacional de Desenvolvimento. Esse Brasil que nunca partiu, que está mais vivo do que nunca. Que vive no imaginário e na memória daqueles que ousam sonhar com um projeto de futuro, efetivado por um Estado que garanta a melhoria da vida do povo brasileiro. Daqueles que não aceitam mais adiar o tardio processo de superação do subdesenvolvimento brasileiro.
Getulio e o legado da Era Vargas estão, mais do que nunca, vivos e nas ruas: queremos Getulio de volta para retomarmos a soberania do Estado brasileiro, este que irá recuperar a garantia dos direitos sociais, dos direitos trabalhistas, e irá retomar o processo de industrialização brasileiro. Que fará valer a soberania política, a independência econômica e a justiça social. Getulio estará nas ruas e seremos cada vez maiores.