Especialistas do setor acreditam que a escassez de mão de obra decorrente da pandemia acelerou a aceitação dos robôs nos locais de trabalho
Quando a Flórida, nos Estados Unidos, deu sinal verde aos restaurantes para reabrirem no início deste ano, donos de estabelecimentos como Carlos Gazitua ficaram eufóricos. Eles esperavam que isso ressuscitasse seus negócios, muitos dos quais estavam em péssimas condições após o lockdown. Porém, rapidamente descobriram que não seria nada fácil convencer os funcionários a retornarem ao trabalho.
“Isso foi uma crise”, disse Gazitua, proprietário e presidente-executivo da rede de restaurantes Sergio’s na Flórida. “Não conseguimos encontrar ninguém.” Até mesmo uma grande feira de empregos, atraindo dezenas de proprietários de restaurantes e hotéis oferecendo mais de 1 mil empregos em maio, foi um fracasso.
“Éramos 40 empregadores e apenas quatro pessoas compareceram!” ele disse. “Foi bizarro – todos pensamos que estávamos em alguma pegadinha da televisão”.
Então, Gazitua recorreu à robótica, trazendo em julho o robô Servi para um de seus restaurantes. Servi usa câmeras e sensores a laser para transportar pratos de comida da cozinha para as mesas da sala de jantar, onde o garçom então transfere os pratos para a mesa do cliente. O robô custa US$ 1 mil por mês, incluindo instalação e suporte técnico.
O Servi evitou que garçons e atendentes tivessem de correr de um lado para o outro até a cozinha e deu a esses sobrecarregados funcionários mais tempo para conversar com os clientes e servir mais mesas, o que levou a gorjetas maiores.
“Nas primeiras duas horas, a equipe ficou maravilhada!” disse ele, acrescentando que agora os Servis já estão operando em cinco outras unidades com serviço completo de restaurante.
Gazitua está entre um crescente número de proprietários de restaurantes e hotéis que estão se voltando para a robótica durante a escassez de mão de obra nos Estados Unidos. De fato, muitas empresas de robótica, como Miso Robotics, Bear Robotics, Peanut Robotics, Knightscope, SoftBank Robotics e Makr Shakr, dizem estar sendo muito procuradas por pessoas querendo saber mais sobre seus robôs desde o início da pandemia.
A Miso está recebendo 150 consultas por semana com relação a seu robô Flippy, disse Mike Bell, presidente-executivo da companhia. Flippy usa inteligência artificial, sensores, visão computacional e braços robóticos para fritar comidas de fast food, como batatas fritas e asas de frango. O robô, que custa cerca de US$ 3 mil por mês, incluindo manutenção, identifica a comida, sente a temperatura do óleo e monitora o tempo de cozimento.
Trabalho
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) estima que 48 milhões de pessoas adoecem, 128 mil são hospitalizadas e 3 mil morrem a cada ano de doenças transmitidas por alimentos. O uso de robôs como o Flippy melhora a precisão em uma cozinha, reduzindo o erro humano que pode levar a problemas de contaminação de alimentos, disse Bell.
A rede de fast food White Castle começou a testar o Flippy em seu restaurante na cidade de Merrillville, estado de Indiana, no final de 2020.
“Esse é o mercado de trabalho mais difícil que encontramos desde a Segunda Guerra Mundial”, disse Jamie Richardson, vice-presidente de marketing da White Castle, fundada em 1921. O teste foi tão bom que a rede planeja incorporar o Flippy a mais 10 locais. Michael J. Hicks, professor de economia e diretor do Centro para Negócios e Pesquisa Econômica da Ball State University em Muncie, Indiana, concorda com a visão de Richardson sobre a situação do trabalho.
“O segmento de lazer e hospitalidade registrou uma queda de 50% no emprego em 2020, que representa 8,3 milhões de trabalhadores”, disse ele. “Esse é de longe o pior choque para o setor já registrado, desde a Grande Depressão”.
A Bear Robotics, que fabrica o robô Servi, viu a demanda disparar, disse Juan Higueros, cofundador e diretor de operações. Além dos restaurantes Sergio’s, ele tem recebido pedidos de cassinos, redes de restaurantes, arenas esportivas e de eventos e até mesmo residenciais para idosos, desesperados para auxiliar seus sobrecarregados funcionários.
“A síndrome de burnout está se tornando um grande problema para pessoas que trabalham em restaurantes”, disse ele.
A Peanut Robotics, uma startup, faz um robô que limpa e desinfeta banheiros, e o conglomerado japonês SoftBank faz o Whizz, que aspira o chão. Embora a Peanut ainda esteja na fase de protótipo, isso não impediu que cadeias de hotéis, escritórios e restaurantes solicitassem o robô.
“Não estamos fazendo marketing ativo, mas as pessoas continuam nos procurando”, disse Joe Augenbraun, presidente-executivo da empresa. Neste momento, já tenho pedidos para centenas deles”.
A Knightscope fabrica um robôs que usa inteligência artificial, vídeo e áudio bidirecional para patrulhar áreas internas ou externas. A máquina usa imagens térmicas, reconhecimento de placas de veículos e outros softwares. Há também um botão de alerta no robô que permite a quem chama falar diretamente com alguém. A demanda tem sido particularmente alta ultimamente em cassinos e prédios de escritórios, disse Stacy Stephens, cofundadora e diretora de atendimento ao cliente da Knightscope.
A Makr Shakr, com sede na Itália, faz bartenders robóticos, cujos braços podem medir, misturar, agitar, servir e até enfeitar coquetéis. “Nos últimos três meses, as consultas subiram 50 por cento em relação aos níveis pré-pandêmicos”, disse Carlo Ratti, sócio fundador e professor do MIT.
Falhas
Os robôs apresentaram alguns erros amplamente divulgados. Em 2019, um robô Knightscope 5 ganhou as manchetes quando uma briga começou no Huntington Park, Califórnia, área onde o robô estava patrulhando. Quando uma mulher correu para o robô para obter ajuda e apertou o botão de alerta de emergência, o robô gritou repetidamente “Saia da frente” e passou a rolar por cima ela e das pessoas que estavam brigando – enquanto tocava música. Um espectador acabou ligando para o serviço de emergência.
Stephens atribuiu o acidente a um robô que foi enviado ao cliente antes que seu software tivesse sido completamente instalado e antes que sua linha direta com o serviço de emergência tivesse sido conectada. Desde então, disse ele, a cidade credita ao robô a redução da criminalidade e estendeu seu contrato por mais dois anos.
O Pepper da SoftBank Robotics, que é apresentado como um robô que pode ler as emoções das pessoas, lembrar rostos e interagir com as pessoas, provavelmente foi aquele que recebeu a publicidade mais negativa.
Sua maior falha veio à tona quando um relatório de pesquisa de uma universidade sueca de 2018 disse que a tecnologia do Pepper tinha sérias falhas de segurança. Esse relatório informou que uma violação permitiria a um hacker espionar as pessoas através das câmeras e microfones do Pepper e até mesmo assumir o controle dos braços de Pepper. O SoftBank disse que a falha de segurança já foi corrigida.
“A maioria dos Peppers já foi dispensada”, disse Dina Marie Zemke, professora associada da Ball State University e autora de um relatório sobre robótica de 2020. “Ou você os amava ou ficava completamente assustado com eles”.
O Pepper não era barato, sendo vendido por US$ 20 mil a US$ 25 mil.
O SoftBank recentemente interrompeu a produção do Pepper, vendeu sua participação majoritária na Boston Dynamics e demitiu cerca de metade de sua equipe de 330 pessoas na França. Mas Kass Dawson, vice-presidente de estratégia de marca da divisão SoftBank Robotics, insiste que a produção do Pepper foi interrompida apenas temporariamente e que sua divisão de robótica continua sendo uma das prioridades da empresa.
Os especialistas do setor acreditam que a escassez de mão de obra decorrente da pandemia acelerou a aceitação dos robôs nos locais de trabalho.
“Todos nós já estamos mais confortáveis ao lidar com robôs – esse é um dos legados da pandemia”, disse Craig Le Clair, vice-presidente e analista principal da Forrester. “Somos capazes de compensar o assustador aspecto dos robôs com suas aprimoradas características de ajuda.”
Fonte: Estadão