Defendemos o direito de greve no serviço público. Em um país sem leis trabalhistas, a “mão invisível” conseguiria conter a inexorável revolta das massas?
Paulo Schmidt
Está no preâmbulo da Constituição da OIT (Organização Internacional do Trabalho) que “a paz, para ser universal e duradoura, deve assentar-se sobre a justiça social” (1919). Nos anais da ciência política, poucas assertivas são tão infalíveis quanto essa.
A despeito do caráter “difuso” das manifestações atuais, as bandeiras que se veem eriçadas bem demonstram o seu pendor para os direitos sociais, previstos na Constituição Federal: direito ao transporte público acessível, à educação e à saúde pública, democratização dos meios de comunicação, entre outros.
A rigor, o que os movimentos sociais reclamam, com inegável razão e oportunidade, é que os direitos constitucionais deixem de ser direitos de papel e sejam efetivamente incorporados ao patrimônio jurídico dos cidadãos. Isso obviamente não justifica excessos. Mas explica o clamor popular, aliás tardio.
Nesse plexo de valores, a magistratura do Trabalho solidariza-se com os movimentos sociais. Mais que isso, apresenta-lhes outras bandeiras do associativismo trabalhista, há décadas já tremuladas no Parlamento e nos ministérios.
Conclamamos o Congresso à definitiva aprovação da proposta legislativa que prevê a desapropriação de terras onde houver exploração do trabalho escravo. Defendemos o fim do fator previdenciário e da contribuição injusta dos aposentados e repudiamos as políticas públicas de sucateamento da previdência pública.
Repudiamos, ainda, as iniciativas legislativas tendentes a precarizar o trabalho e a esmaecer os direitos sociais constitucionais (mirando agora o projeto de lei nº 4.330/2004, que pretende “regulamentar” a terceirização). Do mesmo modo, rechaçamos o Simples Trabalhista, danoso aos trabalhadores.
Pugnamos, enfim, pela definitiva regulamentação dos tantos direitos sociais que a Constituição de 1988 consagrou e que há 25 anos estão relegados ao esquecimento institucional: o direito à proteção contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa, as garantias sociais no trabalho penoso, a proteção contra a automação, o direito de greve no serviço público e a participação do trabalhador na gestão da empresa, entre tantos outros.
Do mesmo modo, apostamos e apoiamos os projetos que tramitam no Congresso que objetivam trazer maior celeridade para a Justiça do Trabalho por meio da racionalização do sistema recursal e da execução das sentenças.
Decerto estas linhas escandalizarão juristas e economistas formados na cartilha thatcherista. Dirão que o Estado não tem condições de suportar mais despesas, evocarão a reserva do possível e acenarão com o catastrofismo intergeracional.
A todos eles, propomos um desafio: imaginem um país sem direitos sociais, um mercado de trabalho sem legislação trabalhista. Terão chegado ao paraíso neoliberal. Restará saber se, no pico da ebulição social, a “mão invisível” conseguirá conter a inexorável revolta das massas.
É necessário responder aos desafios de forma efetiva e socialmente aceitável, recobrando-se a memória de que o poder é sempre exercido em nome do povo. Que os ouvidos dispersos estejam atentos a esse comando constitucional.
PAULO SCHMIDT, 56, é presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho)
Fonte: Folha de S.Paulo