Getúlio Dornelles Vargas foi mais que um presidente; foi um estadista de visão e um idealista comprometido com o povo brasileiro. Sua trajetória como líder nacional, em dois períodos no poder, deixou marcas profundas e positivas. Conhecido como “pai dos pobres”, Vargas modernizou o país e colocou os trabalhadores no centro do projeto de Nação. Não à toa, sua memória deve ser reverenciada como a de um governante que mudou o Brasil com ousadia e senso de justiça social.
Vargas assumiu o governo em 1930 determinado a romper com a velha ordem oligárquica e implementar um projeto de desenvolvimento nacional que incorporasse as demandas sociais. Em pouco tempo, realizou avanços sem precedentes nas leis trabalhistas e nas relações de trabalho. Criou o Ministério do Trabalho (1930) e regulamentou a organização sindical de trabalhadores e empregadores, garantindo voz aos operários na estrutura institucional.
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Ainda nos anos 30, adotou medidas pioneiras de proteção ao trabalhador nacional – como a Lei dos Dois Terços, exigindo que pelo menos 2/3 dos empregados de cada empresa fossem brasileiros. Essa política afirmativa reduziu o desemprego entre nacionais e fomentou a formação de uma classe trabalhadora brasileira.
A elite odiava Getúlio. Odiava sua opção por priorizar os brasileiros, por colocar o Estado a serviço do povo. Odiava a ideia de que os negros, os caboclos, os filhos da terra miscigenada pudessem ocupar os postos de trabalho com direitos. Ao garantir que ao menos dois terços dos empregados das empresas fossem brasileiros deu uma resposta a essa elite que negava emprego ao povo negro enquanto importava mão de obra por vingança de nunca ter superado o fim da escravidão.
Durante seu governo, Vargas instituiu direitos trabalhistas fundamentais que perduram até hoje. Entre 1930-1945 e novamente entre 1951-1954, consolidou a Carteira de Trabalho, a jornada de trabalho de oito horas diárias, o descanso semanal remunerado, as férias anuais remuneradas, a licença-maternidade e o salário mínimo, entre muitos outros direitos. A coroação desse arcabouço foi a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), promulgada em 1º de Maio de 1943, unificando a legislação trabalhista e assegurando proteção legal aos trabalhadores urbanos. Todas essas conquistas – da carteira assinada à justiça do trabalho – fizeram surgir um novo patamar de dignidade e segurança para a classe trabalhadora brasileira. Cada trabalhador com registro em carteira, jornada regulada e direitos garantidos é herdeiro direto do legado de Vargas.
Paralelamente, Vargas vislumbrou que a independência econômica do Brasil passava pela industrialização e pela soberania sobre recursos estratégicos. Em sua gestão, o Estado brasileiro criou e fortaleceu empresas nacionais que se tornaram pilares do nosso desenvolvimento: a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a Companhia Vale do Rio Doce (hoje Vale) e, em seu segundo governo, a Petrobras, além do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (atual BNDES).
Sob sua liderança, o Brasil deixou de ser um país agrário-exportador e começou a se transformar numa sociedade urbano-industrial. A implantação dessas indústrias de base – aço, mineração, petróleo – estimulou a mobilidade social e reduziu nossa dependência externa, concretizando a visão varguista de independência econômica com justiça social. Como ele próprio salientou em sua Carta-Testamento, Vargas quis “criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobras” mesmo enfrentando fortes pressões contrárias. Essa estratégia desenvolvimentista assentou os fundamentos de um Brasil soberano, capaz de decidir seu destino.
Comprometido com a justiça social, Vargas entendia que o progresso real só seria atingido com a inclusão dos mais humildes na cidadania. Ele propagou a ideia de que o Estado deve proteger os trabalhadores e assegurar-lhes direitos, ao mesmo tempo em que promove o crescimento econômico. Essa postura rendeu-lhe o amor das massas populares – que finalmente se viam amparadas – e o ódio de setores da elite tradicional.
Desde o início, as oligarquias dominantes, de mentalidade retrógrada e “perfil escravocrata”, reagiram com hostilidade às mudanças introduzidas por Vargas. Essa elite nunca perdoou o presidente por ele ter erguido o trabalhador comum à condição de cidadão com direitos, nem por ter desafiado interesses privilegiados em nome de um Brasil profundo e popular. Getúlio Vargas jamais foi perdoado pelas elites por tentar reduzir a desigualdade social e transformar o Brasil em um país melhor.
A resistência das forças conservadoras atingiu seu clímax em 1954. Acuado por uma campanha implacável daqueles que não aceitavam suas políticas nacionalistas e trabalhistas, Vargas manteve-se firme até o fim. Em 24 de agosto de 1954, cercado por pressões golpistas, ele optou pelo sacrifício supremo em vez de trair o povo: tirou a própria vida, deixando ao Brasil sua emotiva Carta-Testamento. Nesse documento histórico, Vargas denunciou a campanha subterrânea dos grupos internacionais aliada à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho – ou seja, a conspiração de interesses estrangeiros e das elites locais contra as leis trabalhistas e a soberania nacional. E legou ao povo uma mensagem poderosa de esperança e luta. Em suas palavras finais, proclamou: “Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém”.
Vargas assegurou que seu sangue seria o resgate da liberdade do povo, e que seu espírito continuaria presente sempre que os brasileiros fossem oprimidos. Ao declarar que “sai da vida para entrar na História” Getúlio Vargas consolidou-se como mártir do Brasil trabalhador e lançou as bases de um legado imortal. A comoção popular diante de sua morte – com multidões nas ruas entoando o hino nacional e bradando “Mataram Getúlio!” – evidenciou o laço profundo entre o líder e as massas.
Setenta anos após sua morte, o legado de Vargas permanece vivo e atual. As mudanças estruturais que ele protagonizou foram tão sólidas que resistiram, em grande medida, às investidas daqueles que vieram depois para desmantelá-las. Governos e políticas neoliberais trataram de atacar a legislação trabalhista, privatizar patrimônio nacional e enfraquecer a soberania econômica conquistada. Nas últimas décadas, assistimos à supressão ou redução de direitos históricos da CLT em nome de uma pretensa “modernização” – evidência de que a elite econômica ainda busca revogar conquistas do povo. No entanto, apesar desses retrocessos, o conjunto de leis e instituições erguidas por Vargas segue de pé como porto seguro dos trabalhadores brasileiros.
Prova disso é que a Consolidação das Leis do Trabalho ainda estrutura as relações de trabalho formais no país, servindo de referência contra abusos e desigualdades. Seu legado, portanto, não é apenas memória – é uma ferramenta viva de proteção social e um horizonte de possibilidades para o Brasil.
Por outro lado, nunca foi tão evidente a ausência, nos dias de hoje, de um projeto de Nação com a mesma ousadia e visão de longo prazo que Vargas teve. Após períodos de desmonte do Estado e de políticas voltadas para interesses imediatistas, falta ao Brasil contemporâneo um programa nacional-desenvolvimentista robusto, capaz de articular crescimento econômico com inclusão social e soberania. Em um mundo cheio de desafios, resgatar a coragem política de Vargas – sua capacidade de pensar grande, de ser simultaneamente popular e responsável – é essencial. É preciso recolocar o povo no centro das decisões estratégicas do país, retomando o fio interrompido do trabalhismo como alternativa nacional, popular e responsável para o nosso desenvolvimento.
Mesmo diante dos avanços importantes de governos progressistas nas últimas décadas, falta à política brasileira a compreensão de que sem independência econômica não há justiça social. Falta a coragem de romper com as amarras que ainda prendem o Brasil ao atraso, à financeirização da vida, à submissão ao capital internacional.
Estamos às vésperas de mais um 1º de Maio – Dia do Trabalhador, data de imenso significado histórico. Foi em um 1º de Maio que Vargas brindou os trabalhadores com a CLT, transformando a celebração em um marco concreto de conquistas sociais. Durante seu governo, o Dia do Trabalho deixou de ser apenas uma data simbólica e passou a ser ocasião de anúncios de novos direitos e melhorias – uma tradição de diálogo e respeito que reforçou os laços entre Estado e trabalhadores.
Honrar Getúlio Vargas às vésperas do 1º de Maio é, portanto, reviver essa tradição de conquistas e reconhecer que somente com um projeto de Nação inclusivo podemos voltar a ter avanços significativos.
Hoje, os sindicatos e centrais sindicais se inspiram nesse legado para pautar novamente o desenvolvimento com justiça social. Neste 1º de Maio, o movimento sindical brasileiro levanta bandeiras que dialogam diretamente com os ideais varguistas de proteção ao trabalhador e redução das desigualdades. Entre as principais reivindicações atuais, destacam-se:
- Redução da jornada de trabalho sem redução salarial, rumo a uma semana de trabalho mais justa e equilibrada – retomando a luta histórica pelas 40 horas semanais, tal como os mártires de Chicago em 1886 e em sintonia com a produtividade moderna;
- Isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais, aliviando o peso tributário sobre os assalariados de baixa renda e aumentando seu poder de compra;
- Recuperação de direitos trabalhistas suprimidos por reformas recentes, reconstruindo a proteção ao emprego decente e à negociação coletiva, de modo a restabelecer pontos centrais da CLT desfigurados nos últimos anos.
Essas pautas retomam o espírito do trabalhismo: valorização do trabalho, distribuição de renda e fortalecimento do mercado interno.
São propostas responsáveis e exequíveis, que visam não apenas beneficiar os trabalhadores diretamente, mas também impulsionar a economia nacional através do aumento da demanda e da produtividade. Vale lembrar que a redução da jornada, por exemplo, pode criar novos postos de trabalho e melhorar a qualidade de vida sem prejudicar a produção – um equilíbrio que países desenvolvidos já buscam e que o Brasil pode alcançar.
Da mesma forma, a justiça tributária almejada ao isentar salários mais baixos corrige uma distorção histórica e dá concretude ao princípio da capacidade contributiva, tornando nosso sistema mais progressivo e justo. E ao recuperar direitos trabalhistas, não se trata de “andar para trás”, e sim de reafirmar que o desenvolvimento econômico não pode se dar à custa de precarização e insegurança para a maioria. Desenvolvimento de verdade caminha lado a lado com justiça social – exatamente como pregava Vargas.
Getúlio Vargas nos ensinou que o Brasil só será uma grande Nação quando equilibrar crescimento econômico, justiça social e soberania nacional. Seu legado de leis sociais, empresas estratégicas e inclusão do povo no projeto nacional permanece como farol para todos que acreditam num país mais justo e desenvolvido. No aniversário de seu nascimento, celebramos não apenas a memória do líder histórico, mas a permanência de seus ideais nas lutas do presente.
Que essa homenagem sirva também de chamado à ação. O Brasil de hoje carece de uma nova síntese trabalhista, de um novo salto de desenvolvimento com distribuição de renda e valorização do trabalho. Ao evocarmos Vargas – seu exemplo de estadista realizador – renovamos nosso compromisso de lutar por um país onde o povo não seja escravo de nenhuma forma de opressão ou exploração. A melhor forma de homenagear Getúlio é retomar o caminho do trabalhismo, construindo um projeto de Nação à altura de seu legado: nacional, popular, inclusivo e comprometido com os brasileiros de hoje e de amanhã. Seu exemplo vive em cada conquista trabalhista e em cada batalha por um Brasil soberano e socialmente justo – um Brasil que ainda haveremos de ver realizado.
Antonio Neto, presidente da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB)