Xadrez da privatização do Serpro e Dataprev

Se a falta de controle sobre os dados pessoais, nas redes sociais, colocou sob risco a democracia americana, quais os riscos de se ter o controle das principais bases de dados públicas em mãos de grupos privados?


Vamos, primeiro, entender o modelo de negócios das bigdatas.

Peça 1 – o modelo de negócio

Uma base de dados trabalhada, tem as seguintes aplicações comerciais:

Marketing – juntando várias bases de dados, é possível identificar hábitos de consumo. De interesse do varejo.

Proteção ao crédito – montagem de cadastro positivo ou negativo, de amplo interesse de empresas em geral.

Estratégias políticas – identificar tendências de grupos homogêneos e testar hipóteses de teses políticas.

Segurança nacional – se a falta de controle sobre os dados pessoais, nas redes sociais, colocou sob risco a democracia americana, quais os riscos de se ter o controle das principais bases de dados públicas em mãos de grupos privados?

Peça 2 – os negócios nebulosos

Há pouca informação e transparência sobre o valor das bases de dados, em um cenário de bigdatas. Essa falta de transparência tem permitido dois tipos de jogadas.

Uma delas, a doação de bancos de dados públicos para empresas privadas, como ocorreu com o Cadin (Cadastro de Inadimplentes) do estado de São Paulo, doado pelo então governador José Serra à Serasa-Experian. Pouco tempo depois a Experian adquiriu de Verônica Serra um site de email marketing por R$ 120 milhões, contra preço de mercado de, no máximo, R$ 30 milhões.

Outra forma, é a inversão da doação. A empresa – no caso a Neoway – recebe a base de dados de todos os funcionários da Prefeitura de São Paulo. Irá trabalhar a base, que será monetizada para outros clientes. Mas, no contrato, esse trabalho na base de dados é caracterizado como doação da empresa à Prefeitura.

Peça 3 – as implicações jurídicas e políticas

O fator Cambridge Analytics já revelou o caráter corrosivo do uso maciço de bases de dados. E mencionava especificamente bases de dados privadas, como Facebook e Twitter.

Politicamente, o uso privado de bases de dados públicas traz riscos ainda maiores. De um lado, pode ajudar nos trabalhos de identificar fraudes contra o setor público. Mas também poderá ser utilizado como filtro político-ideológico para monitorar funcionários públicos. Ou o uso de dados fiscais em guerras comerciais.

O caso Dolly-Coca Cola é ilustrativo. A Dolly não é flor que se cheire. E o cerco a que foi submetido pela Secretaria da Fazenda de São Paulo, com sistemas da Neoway, pode ser considerado um feito fiscal. Mas a empresa acusou expressamente a Neoway de estar a serviço da arqui-inimiga Coca-Cola atuando como a Kroll – a superempresa americana de espionagem empresarial.

Pode ter sido denúncia vazia, mas em uma empresa com acesso a todos os dados fiscais de um governo, e trabalhando para clientes privados, há um claro conflito de interesses. E se essa empresa passasse a trabalhar para governos estrangeiros? Por aí se entende como o fator segurança nacional fica exposto, especialmente quando se fala em privatizar os dois maiores bancos de dados públicos: do Serpro e da Dataprev.

Peça 4 – as bases de dados privatizáveis

A Dataprev tem como principal cliente o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). São mais de 34,5 milhões de aposentados e pensionistas. Hoje em dia, já existe um amplo mercado informal, com o uso de dados pessoais por instituições que trabalham com crédito consignado. Além disso, é responsável pelos programas da rede de atendimento do INSS e do Sistema Nacional do Emprego, por todos os registros de nascimento e óbito.

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Já o Serpro, além do sistema de interoperabilidade das diferentes redes públicas, processa dados do Imposto de Renda de Pessoas Físicas e Jurídicas, sobre CPF, Carteira de Motorista, importação e exportação, controle portuário, passaportes e repasses federais, registro de veículos roubados em todo o país, dados da Agência Brasileira de Inteligência, entre outros.

 

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