Trabalhadores estão entrando com ações na Justiça para tentar a liberação de parte do saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) em meio à pandemia do novo coronavírus (Sars-Cov-2). Os pedidos se baseiam em um decreto de 2004 que prevê saques de até R$ 6.220 em situações de calamidade pública, provocadas por desastre natural.
Com o país em estado calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, alguns juízes estão concedendo a autorização imediata de saque do FGTS , sob a alegação de necessidade de uma “interpretação extensiva” do decreto, “com base no princípio da razoabilidade”.
“O decreto cita textualmente vendavais, tempestades, furacões, granizos, enchentes e alagamentos como desastres naturais, e não doenças. A regra foi criada para socorrer pessoas em situações como a do desastre de Brumadinho, que gerou um estado de calamidade e, com isso, o governo autoriza o saque do Fundo de Garantia. Mas alguns juizes estão concedendo pelo fato notório causado pela pandemia “, explicou Flavio Aldred Ramacciotti, especialista em Direito do Trabalho e sócio do Chediak Advogados.
Muitos processos estão sendo direcionados à Justiça do Trabalho , embora grande parte dos juristas entenda que a questão deve ser analisada pela Justiça Federal, já que trata-se de um pedido de liberação de recursos depositados em contas vinculadas de trabalhadores e administradas pela Caixa Econômica Federal.
Nas ações em que o juiz reconhece o direito do trabalhador de sacar o dinheiro, a Caixa tem recorrido e tentado reformar a decisão.
Saque de R$ 1.045 a partir de 15 de junho
Leonardo Carvalho, sócio das áreas trabalhista e previdenciária do BVA Advogados, lembra que o governo já autorizou o saque de até R$ 1.045, a partir de 15 de junho , por meio da Medida Provisória (MP) 946. A medida faz parte do pacote econômico emergencial por causa do avanço da pandemia do novo coronavírus . Serão aproximadamente R$ 34 bilhões pagos.
Carvalho afirma ainda que, em algumas decisões, os juizes citam que o governo fez um estudo econômico e calculou o valor de saque que poderia ser liberado, sem comprometer a viabilidade do FGTS.
“Há processos em que o juiz de primeira instância permitiu o saque de R$ 6.220, mas, no recurso da Caixa, prevaleceu o entendimento de que o trabalhador deveria ter acesso ao valor correspondente a um salário mínimo, como já prevê a MP do governo”, observou o advogado.
Casos excepcionais
Para Maria Lúcia Benhame, sócia do escritório Benhame Sociedade de Advogados, juízes estão interpretando que a calamidade pública provocada pela pandemia do novo coronavírus é semelhante a catástrofes naturais que estão descritas no decreto que autoriza a liberação do FGTS em casos excepcionais:
“A pandemia não é desastre natural, mas está havendo uma interpretação extensiva. Alguns juizes podem dar uma interpretação analógica extensiva sobre a questão da calamidade, considerando o avanço da doença. Mas esta interpretação pode gerar consequências coletivas que vão ser muito maiores se houver descapitalização do fundo”, ressaltou.
O que diz o governo
Nas contas do governo federal, se todos os trabalhadores pudessem sacar até esse limite (R$ 6.220), as retiradas do FGTS poderiam chegar a R$ 142,9 bilhões, o que superaria a disponibilidade imediata de recursos do fundo (cerca de R$ 18 bilhões) e também sua carteira de títulos públicos (cerca de R$ 80 bilhões) — que, neste caso, precisaria ser vendida.
Os recursos do FGTS são usados para o financiamento de habitação, infraestrutura e outros investimentos.
“As pessoas estão em situação de vulnerabilidade e pedem assistência. Mas estamos em uma situação em que todos estão em situação de vulnerabilidade. O desastre natural não é situação de emergência coletiva nesse nível. Na aplicação de um sentido difuso, ou seja, estender o que a norma para alcançar a pandemia, os juizes também estão olhando e pesando interesses públicos”, explicou Caroline Marchi, sócia da área trabalhista do Machado Meyer.
Caso haja um grande número de decisões favoráveis às ações dos trabalhadores, o governo precisará avaliar uma eventual necessidade de aporte de recursos por parte do Tesouro Nacional no fundo.
Questionado, o Ministério da Economia não se pronunciou sobre a questão.
Via: IG