A decisão não deve ser aplicada às eleições de 2014, já que o ministro Gilmar Mendes interrompeu o julgamento
O Supremo Tribunal Federal (STF) formou ontem maioria de seis votos para acabar com as doações de empresas a campanhas políticas, ao julgar uma ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pedindo o fim desse tipo de contribuição. Até agora, só há um voto divergente. Mas a decisão ainda não é oficial, pois o julgamento foi interrompido por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, que não tem previsão de quando trará seu posicionamento.
Assim, é difícil que a mudança se aplique às eleições de 2014. Como a arrecadação de recursos para a campanha começa em julho, qualquer alteração teria que ser feita antes disso para ter alguma chance de valer este ano.
Mesmo se o julgamento terminar este semestre, os ministros ainda terão que discutir a partir de que eleições as regras passam a valer. Enquanto alguns defendem a aplicação imediata, outros entendem que esse tipo de mudança no processo eleitoral tem que ser feita com no mínimo um ano de antecedência para entrar em vigor.
O julgamento, que começou no dia 12 de dezembro, foi retomado ontem com o voto-vista do ministro Teori Zavascki. Até então, quatro ministros haviam se manifestado a favor da ação da OAB, ou seja, pelo fim do financiamento empresarial: o relator, Luiz Fux, os ministros Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli, e o presidente da Corte, Joaquim Barbosa. Eles concordaram com o argumento da Ordem de que o financiamento privado cria desigualdades políticas, ao privilegiar o poder econômico.
Ontem, Teori abriu divergência e negou o pedido da OAB, entendendo que o fato de empresas financiarem candidatos e partidos, dentro dos limites legais, não seria inconstitucional. Pela regra atual, empresas podem doar até 2% do faturamento bruto obtido no ano anterior ao da eleição.
Para Teori, o problema da corrupção e dos gastos excessivos nas campanhas políticas não está na lei, mas no descumprimento dos limites de doação e na impunidade dos responsáveis: “O problema da abusiva interferência do poder econômico nas campanhas políticas não está no marco normativo, mas no seu sistemático descumprimento.”
Ele argumentou que, apesar do potencial nocivo, os recursos financeiros são necessários para a existência de partidos fortes. Também mencionou que as contribuições empresariais nas campanhas já foram proibidas no Brasil, por uma lei de 1971 – que, segundo ele, não evitou abusos.
“A abertura que permitiu doações de pessoas jurídicas em níveis limitados resultou de uma opção legislativa explicitamente concebida como resposta a fraudes e descaminhos verificados quando se encontrava a proibição que aqui busca se reimplantar”, criticou o ministro. Ele defendeu, porém, a adoção de mecanismos melhores de controle e sanção de quem burla a lei.
O ministro Luiz Fux, relator do caso, respondeu dizendo que a regra atual é ruim, mas o modelo anterior era “bem pior”. Luís Roberto Barroso disse que o atual sistema “não atrai ninguém novo e bom para a política”, com a dependência do poder econômico.
Foi então que o ministro Gilmar Mendes pediu vista do processo, declarando que a mudança sugerida “não vai resolver a questão”. Ele aproveitou para criticar os programas de distribuição de renda do governo federal e dizer que o fim das doações empresariais favorece o partido que está no poder. “Os partidos mais organizados, que estão no poder e que já têm recursos, precisam apenas de CPFs para fazer a distribuição”, afirmou.
Embora o pedido de vista indicasse a suspensão do julgamento, os ministros Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski preferiram antecipar suas posições, formando o placar majoritário de seis votos, entre os 11 ministros, pelo fim das contribuições empresariais.
Marco Aurélio, que preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), defendeu essa mudança como “indispensável” e pediu que se aplique já nas eleições de 2014. Segundo ele, é preciso “colocar um fim no monopólio das grandes empresas sobre as eleições e alcançar-se a equidade do processo eleitoral.” Lewandowski concordou: “A vontade das pessoas jurídicas não pode concorrer com a dos eleitores, e muito menos sobrepor-se a essa vontade.”
Na ação, a OAB também pede um teto fixo (em valores) para as contribuições de pessoas físicas. Hoje, o limite é fixado em percentual: 10% do rendimento bruto do ano anterior. A OAB propõe um teto de R$ 700. Os ministros ainda não formaram maioria quanto a esse aspecto.
Cinco concordaram com a criação de um teto fixo: Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski. Marco Aurélio e Teori Zavascki divergiram.
Além de concluir se o financiamento privado é ou não constitucional, os ministros terão que definir a partir de quando eventual mudança se aplicará. Relator do caso, Fux propôs que o Congresso tenha 24 meses para aprovar uma lei sobre doações de pessoas físicas e o uso de recursos próprios pelos candidatos. Se, em 18 meses, uma nova lei não for aprovada, o TSE poderia criar uma norma temporária.
Já Marco Aurélio e Joaquim Barbosa entendem que a mudança deve valer imediatamente a partir da decisão do STF. Outros ministros preferiram discutir esse ponto só na parte final do julgamento. Após a sessão, Marco Aurélio defendeu uma conclusão rápida do STF, sugerindo que Gilmar Mendes traga logo seu voto: “Um pedido de vista não pode ser transformado em perdido de vista”. O presidente da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coelho, disse que a sessão marcou um dia “histórico” para a democracia brasileira.
Fonte: Valor Econômico