Relatório do painel do clima não é alarmista, é estúpido

Climatologista do MIT questiona conclusão de cientistas das Nações Unidas e diz estar sofrendo uma perseguição acadêmica

O climatologista Richard Lindzen não acredita que as emissões de combustíveis fósseis sejam a principal causa do aquecimento global. Conseguiu, porém, algo raro para alguém de sua opinião: teve seus estudos analisados pelo IPCC, o painel da ONU que avalia as evidências da mudança climática.

As menções a Lindzen no quinto relatório de avaliação do IPCC, porém, não são elogiosas. Seus estudos sobre mecanismos de feedback –que cancelam ou amplificam o efeito estufa– foram citados e, logo em seguida, contestados. Falharam tentativas de reproduzir seu trabalho sobre “sensibilidade” do clima (medir quanto a Terra aquece se o nível de CO2 dobrar).

A teoria mais conhecida de Lindzen, o efeito íris, afirma que a mudança climática faria as nuvens aprisionarem menos radiação infravermelha, um feedback que cancelaria o aquecimento global.

Mas a análise de outros estudos fez o IPCC concluir que o efeito-íris não tem esse poder. Um trabalho de Lindzen sobre o assunto foi considerado “não confiável”, por ter “amostragem limitada”.

Em entrevista à Folha, Lindzen admite o erro, mas explica por que ainda contraria o IPCC. Alegando ser vítima de perseguição acadêmica, reconhece já ter recebido verba da indústria do petróleo, mas nega ter vínculo fixo com o setor. “Isso é tática diversionista”, diz.

O sr. acredita que o último relatório do IPCC seja particularmente alarmista?

Na verdade, não. Ele é apenas estúpido. Qual o significado de um cientista esperar para ouvir o que os políticos acham que ele deve dizer?

Agora há uma demanda dos políticos para que, em cada relatório que é feito, os cientistas soem como se tivessem cada vez mais certeza. Isso foi predeterminado.

O que nós temos é uma situação na qual os modelos climáticos [ferramentas matemáticas para projetar o clima futuro] discordam das observações cada vez mais, mas o IPCC tem de concluir que eles são confiáveis, o que é simplesmente insano.

Isso tem relação com a desaceleração do aquecimento global nos últimos 15 anos. Mas o relatório afirma que essa escala de tempo não é relevante para os modelos, e que a tendência no longo prazo continua mostrando subida.

Não existe uma escala de tempo mais relevante. O que existe é que, a cada ano, a previsão se sai mal. Quando os ouvimos dizer que essa é a escala de tempo errada, estão errando o alvo, porque o fenômeno é contínuo.

Não é preocupante que as três últimas décadas tenham sido as mais quentes de todo o registro histórico?

Não. Estamos falando sobre números, certo? E eles estão tentando fazer você pensar que o planeta está esquentando. Dizem a você para não pensar em números porque números indicam que estamos falando de uma mudança pequena. Se pergunto qual tem de ser a sensibilidade do sistema para ser consistente com isso, a resposta seria, mais ou menos 1°C, para o dobro do nível de CO2.

Mas obviamente ninguém acredita que todo o aquecimento dos últimos 150 anos se deva só ao homem, então o número seria um pouco menor. Quase todo economista estudando isso chega à conclusão de que um aquecimento de 1°C ou 2°C, que significaria quadruplicar o CO2, provavelmente traria benefícios líquidos.

Se o novo relatório diz que a estimativa mínima para sensibilidade climática é menor do que costumava ser no anterior, de 2°C, ele não estaria sendo menos alarmista.

Não importa se você começa com o modelo de 1,5°C ou um modelo de 5°C, todos estão exagerando.

Por que o sr. acha que no IPCC, um painel com tantos cientistas independentes uns dos outros, todos estão errando?

Quantas pessoas estão errando? O IPCC diz a você que abriga milhares dos melhores cientistas do mundo. De onde vêm esses milhares? Só existe um punhado de pessoas estudando sensibilidade. O trabalho de tentar convencer o público de que “milhares de cientistas estão de acordo, como diabos alguém pode discordar?” é uma pista de que algo está errado.

Algumas das menções no relatório a seus estudos não são particularmente favoráveis a seu ponto de vista, sobretudo em relação a seu estudo de 2009.

O estudo de 2009 tinha um erro. É verdade. Mas há um estudo de 2011 no qual ele foi corrigido. E a resposta não se alterou. O erro não era um grande problema. O problema é que se você comete um erro que o põe contra o fluxo, eles fazem parecer que foi algo gravíssimo. Ninguém se importa em verificar se aquilo resulta em alguma diferença.

O IPCC diz que o saldo final causado por nuvens é provavelmente positivo [aquece mais o mundo, em vez de resfriar]. Isso derruba sua teoria sobre o efeito-íris?

Bem, até agora o efeito-íris já foi confirmado por quatro estudos independentes, então não estou propenso a me render e dizer que é uma idéia ruim. Há um estudo de Brian Soden e Ákos Horváth no qual eles confirmam nossa principal conclusão.

Para conseguirem publicá-lo, porém, tiveram de incluir um parágrafo dizendo o estudo parece confirmar o que eu, Ming-Da Chou e Arthur Hou [coautores] encontramos, mas é algo geralmente considerado errado. Além deles há Kevin Trenberth e John Fasullo dizendo que o que descobriram é consistente com nosso estudo, mas é claro que eles dão as referências para aquele que estava errado.

O IPCC menciona o estudo de Trenberth e colegas como não favorável aos seus resultados.

Eles tiveram um estudo que foi uma crítica, mas publicaram outro ao mesmo tempo, confirmando nosso resultado sobre o infravermelho.

Uma reclamação de cientistas como o sr. é de que as publicações científicas estão boicotando-os, mas o sr. tem publicado vários estudos…

Você está brincando? É claro que eles estão dizendo a verdade. O prática padrão com qualquer com críticas é fazer a revisão levar um ano e meio. Quando eu publiquei dois estudos no boletim da Sociedade Meteorológica Americana, ambos foram aceitos após longas revisões, mas o editor foi imediatamente demitido depois.

Isso não é apenas reflexo do consenso? Pesquisas recentes mostram que o papel humano no aquecimento global é reconhecido por algo em torno de 95% dos cientistas da área.

Sim, eu sei. E hahaha: eu estou entre os 95%, porque eles não estão fazendo a pergunta certa nessas pesquisas.

Um estudo perguntou se eles acreditavam que a atividade humana era uma causa significativa do aquecimento global, e só 5% discordaram.

Temos algum impacto, mas não significativo.

Então, nessa pesquisa o sr. estaria no lado dos 5%.

Não! A maioria das pessoas entrevistadas nessas pesquisas dizem apenas que há “alguma” [influência humana].

O sr. se aborreceu quando a Harper’s publicou uma reportagem acusando-o de receber dinheiro do petróleo?

Sim, eu cobrei um cachê de palestra de US$ 5.000 uma vez, e escreveram que eu estava recebendo isso todo dia. Eu havia dito ao autor desse texto, Ross Gelbspan, que eu havia comparecido a um encontro patrocinado por uma associação energética no Canadá, e que o cachê era de US$ 5.000. O ambientalista Stephen Schneider também recebeu a mesma coisa. Havia gente de todos os lados lá.

O petróleo também bancou o Centro de Annapolis para Políticas Públicas Baseadas em Ciência, onde o sr. é membro de um conselho?

Calma lá! Já faz mais de 15 anos que isso não existe. E foi muito pouco. Até onde eu sei, não teve influência nenhuma. Não conheço nenhum cientista em atividade que se oponha ao alarmismo e seja apoiado pela indústria do petróleo ou carvão. Então, isso é uma tática diversionista. O petróleo hoje está financiando mais os alarmistas.

Fonte: Folha de S.Paulo

RAFAEL GARCIA

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