Parlamento e o Conselho Europeu aprovaram, em novembro de 2024, a Diretiva UE 2024/2.831, em vigor desde 2 de dezembro, com regras para a regulação do trabalho mediado por plataformas digitais. Todos os 27 países terão 2 anos, ou seja, até dezembro de 2026, para implementar um padrão normativo básico de proteção do trabalho mediado por aplicativos e plataformas.
Esse regramento está assentado em diretrizes gerais que orientam todas as iniciativas de regulação das condições e relações de trabalho mediadas por plataformas nos países-membros da União Europeia.
Em seus fundamentos, a diretiva considera que há uma persistente classificação incorreta do estatuto profissional em certos tipos de plataformas digitais, o que tem acarretado decisões judiciais que reclassificam os alegados trabalhadores por conta própria como trabalhadores das plataformas.
Para construir a diretiva, a governança da União Europeia realizou uma consulta junto aos parceiros sociais para realizar negociações sobre as questões enunciadas. No entanto, não obteve o sucesso esperado. Também realizou intercâmbio com as partes interessadas, com peritos da academia, dos Estados-membros, das organizações internacionais e representantes da sociedade civil.
A diretiva define que o trabalho em plataformas digitais (ou aplicativos) é efetuado por pessoas por meio da infraestrutura digital das plataformas de trabalho digitais, que prestam serviços aos seus clientes. Há uma enorme variedade de domínios nos quais se realizam os trabalhos digitais, uma grande heterogeneidade de tipos de plataformas de trabalho, de setores abrangidos e de atividades realizadas. Estima-se que há 28 milhões. de trabalhadores em cerca de 500 plataformas no continente europeu.
Por meio dos algoritmos, as plataformas monitoram, organizam e tomam decisões com base em sua estratégia de negócio, cumprindo, por meio das máquinas e equipamentos, funções de gestão humana, como a atribuição e a execução do trabalho, mensuração e fixação da remuneração de cada tarefa, determinação do horário de trabalho, comunicação de instruções, avaliação do trabalho realizado, concessão de incentivos ou aplicação de penalidades. Os trabalhadores, seus representantes sindicais, os serviços de inspeção do trabalho e outras autoridades competentes dificilmente têm acesso a essas informações.
A nova regra considera que uma plataforma de trabalho digital ou aplicativo está materializada em uma pessoa física, pessoa jurídica ou entidades comerciais internacionais presentes em muitos países. O serviço é realizado por uma pessoa com base em uma relação de trabalho contratual com a plataforma de trabalho digital, sendo que esta pode, inclusive, utilizar ou apoiar-se em um intermediário, sob a responsabilidade da empresa plataforma, independentemente de poder existir relação contratual entre a pessoa que trabalha mediada pela plataforma e o destinatário do serviço.
O trabalho mediado por plataformas digitais está em rápida evolução, criando ou alterando modelos de negócio e formas de emprego, dimensões que muitas vezes não estão abrangidas pelos sistemas de regulação e proteção.
As plataformas digitais, segundo a diretiva, por facilitarem o acesso ao mercado de trabalho, além de oferecerem ocupação em tempo integral, também permitem rendimentos adicionais por meio de uma atividade secundária, favorecendo algum tipo de flexibilidade na organização da jornada de trabalho. Por outro lado, também remuneram mal, apresentam hiperflexibilidade, excesso de jornada de trabalho e carência de proteções básicas, entre outros problemas. Esses elementos dificultam a caracterização da relação de trabalho, seja como assalariamento clássico ou trabalho autônomo, e as atribuições de responsabilidades.
Por isso, um elemento essencial é a classificação correta do estatuto profissional -vínculo assalariado ou trabalhador autônomo-, favorecendo direitos e proteções equivalentes a todas as formas de relação de trabalho, coibindo concorrências desleais entre as empresas e garantindo equivalência nas bases tributárias e nas responsabilidades acessórias.
A Diretiva 2024/2831 reconhece que os atos jurídicos existentes na União Europeia não são suficientes para responder aos desafios suscitados pelo trabalho em plataformas digitais, exigindo medidas adicionais e específicas, entre as quais se destacam:
- provar a condição de trabalho autônomo – presunção de que os trabalhadores da plataforma são empregados se as condições indicarem subordinação, exclusividade, direção e controle como jornada de trabalho ou remuneração, entre outros aspectos. Cabe, portanto, à plataforma o ônus da prova para demonstrar a condição de trabalho autônomo/independente de um trabalhador.
- garantia de supervisão humana – válida para as decisões algorítmicas, particularmente aquelas que envolvem atribuições de tarefas ou avaliações de desempenho. Decisões críticas que afetam os trabalhadores, como suspensões ou rescisões de contratos, devem ser tomadas por humanos, justificadas por escrito e abertas à revisão, garantindo a responsabilidade em processos automatizados de tomada de decisão.
- publicidade sobre o funcionamento de algoritmos – obrigatoriedade de informar os trabalhadores e seus representantes sobre como funcionam os algoritmos no monitoramento e avaliação, garantindo e fornecendo canais acessíveis para comunicação entre os trabalhadores, e entre os trabalhadores e seus representantes.
- união entre os países-membro da UE – cooperação entre as autoridades nacionais para fazer cumprir os direitos dos trabalhadores em todos os países, criando uma abordagem unificada dos direitos trabalhistas dentro da União Europeia.
- portabilidade dos dados – tanto de desempenho como de avaliação, entre outras informações, garantindo a mobilidade e a transparência para o trabalhador.
- penalização para violações – por meio de multas ou outras sanções.
Os Estados-membro da UE deverão adaptar-se às normas trabalhistas existentes, atualizá-las sempre que necessário, ou criá-las para responder às características dos processos produtivos da economia digital.
Por Clemente Ganz Lúcio, sociólogo, professor universitário e coordenador do Fórum das Centrais Sindicais. Foi diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) e integrante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.
*Texto publicado originalmente em Poder360