O último programa de parcelamento de dívidas tributárias pode ter gerado um gasto adicional com juros da União superior a R$ 3 bilhões em um ano, segundo cálculos feitos pela Receita Federal. De acordo com o coordenador de cobrança da Receita, Marcos Flores, muitas empresas e famílias têm aproveitado os sucessivos programas de parcelamento especial, como o Programa Especial de Regularização Tributária (Pert), para se financiar ou fazer estratégias de investimentos a partir de recursos que deveriam ser usados pagar tributos, ganhando ou economizando às custas da União.
A consequência é que a União acaba tendo menos recursos disponíveis para pagar sua dívida e precisa se financiar mais no mercado. “Entre janeiro de 2017 e janeiro de 2018, União gastou mais R$ 3,4 bilhões para financiar os contribuintes que optaram pelo Pert. É quanto a União pagou a mais pegando dinheiro por meio de títulos públicos para financiar estes contribuintes”, disse Flores ao Valor.
A conta tem caráter ilustrativo e é uma extrapolação de um exemplo individual aplicado sobre o estoque de R$ 161 bilhões de crédito tributário que ingresso no programa e parte da hipótese de pagamento à vista em janeiro de 2018, com desconto de 70% da multa e 90% dos juros.
Outra ponderação é que cada contribuinte tem uma situação específica e há também grande parte de débitos mais antigos do que janeiro de 2017, o que aumentaria esse valor perdido pelo governo.
O exemplo individual elaborado pela Receita considera uma empresa que optou por deixar de pagar R$ 100 milhões ao Fisco em janeiro do ano passado, colocou o dinheiro em uma aplicação livre de risco (Selic) e teve um ganho líquido de R$ 1 milhão, considerando sua adesão ao parcelamento especial e o pagamento à vista com descontos em janeiro de 2018. Se o dinheiro tivesse sido aplicado em um fundo de ações small caps, a Receita calcula que o ganho líquido nesse caso seria de R$ 25,4 milhões.
Flores destaca que o prejuízo do governo ocorre mesmo nos casos de menor desconto de multa e juros previstos no último programa de parcelamento. Isso porque, destaca, enquanto os juros aplicados sobre a dívida renegociada com o Fisco corre indexada a juros simples, a União paga juros compostos nos títulos emitidos.
Outro aspecto apontado é que algumas dívidas renegociadas e de valores relevantes teriam como ser, cedo ou tarde, recuperadas pela União, o que tornaria mais evidente ainda a situação de que o governo se endivida para financiar. O índice de adesão ao programa de regularização entre os contribuintes com maiores volumes de garantia arroladas (que ficam vinculadas a um débito) pela Receita Federal foi bem maior do que entre aqueles com poucas ou nenhuma garantia.
No primeiro grupo, 35% dos contribuintes com 100% de dívida com garantias aderiram ao parcelamento. Já entre os que não têm garantia, ou no máximo 5% do valor devido coberto por garantias, o nível de adesão é de 10%. “Isso demonstra que quem mais usa os parcelamentos especiais não é quem está com dificuldade financeira, mas aquele que não tem mais escapatória e paga de qualquer jeito”, afirmou Flores.
A Receita tem se posicionado contra os parcelamentos especiais, não só pelo prejuízo que causa à União em termos financeiros e de deterioração de base arrecadatória, mas também porque beneficia aqueles que não pagam suas dívidas.
Para Marcio Gonçalves, chefe da divisão de classificação e análise de arrecadação da Receita Federal, para os casos de dificuldade momentânea das empresas, o Fisco tem opção de parcelamento ordinário, que é corrigido pela taxa Selic e em 60 parcelas, que já seria muito mais vantajoso do que tomar crédito no mercado e não ocorre em outros lugares do mundo.
“É importante lembrar que aquele que pagou o tributo corretamente está sofrendo concorrência desleal daqueles que não estão pagando tributos e se financiando dessa forma”, disse Gonçalves.
Fonte: Valor Econômico