Patroa ameaçaria empregada, dizendo que seria barato pagar alguém para lhe agredir ou matar
Uma empresária foi denunciada pelo Ministério Público Federal por ter submetido sua empregada doméstica a condições análogas à escravidão no Rio.
De acordo com o MPF, que não revelou o nome das partes, por três meses — entre dezembro de 2010 e fevereiro de 2011—, a patroa submeteu a funcionária “a jornada exaustiva” de trabalho, reduziu sua “liberdade de locomoção”, impediu seu desligamento do serviço por conta de uma dívida contraída e chegou a obrigar a doméstica a passar sete dias sem se alimentar.
A Folha ainda não conseguiu contato com a doméstica e nem a patroa. O caso foi revelado na última segunda-feira (14) pelo jornal O Globo. A reportagem teve acesso à denúncia, em que o MPF detalha o caso.
De acordo com o documento, em 20 de dezembro de 2010, patroa e empregada viajaram de Brasília para o Rio, onde a funcionária prestaria serviço e moraria na nova residência da empresária, em Copacabana, zona sul da capital fluminense. O trabalho em Brasília havia se dado por cerca de três meses antes da viagem.
A doméstica alegou em depoimento na polícia que em 28 de dezembro daquele ano teve um problema de saúde não pode trabalhar por alguns dias por conta de uma febre e mal-estar.
A patroa teria, então, ficado insatisfeita com a questão e aplicou uma suspensão de cinco dias à doméstica.
A despeito da suspensão, e o consequente não pagamento dos dias parados, a patroa teria, segundo o MPF, privado a doméstica de alimentação por sete dias — de 28 de dezembro a 2 de janeiro do ano seguinte.
A patroa trancou a funcionária na área de serviço, período no qual ela só bebeu água. Segundo a doméstica relatou em depoimento à polícia, a patroa teria dito que “se não podia trabalhar, também não poderia comer”, além de afirmar que não receberia pelos dias não trabalhados.
Ainda de acordo com a procuradoria, a patroa ameaçava a empregada, alegando que no Rio seria barato pagar alguém para lhe agredir ou até matar.
A empregada relatou que a patroa afirmou que “aqui no Rio de Janeiro qualquer bandido ‘batia por R$ 50’ e que por R$ 100, matava”.
O relato da empregada foi confirmado em depoimento por uma segunda funcionária da casa, que disse que chegou até a tentar ajudar a colega, dando-lhe, escondida, pães velhos.
Segundo o relato de um porteiro, também em depoimento, a patroa teria acusado a empregada de furtar alimentos, ao que a funcionária se justificou dizendo que havia sido privada de comida. A patroa então teria respondido: “que nada! Você come que nem um boi”.
A vítima relatou ainda às autoridades que foi submetida a jornadas exaustivas de trabalho, que seu serviço começava às 7h e terminava à meia-noite, sem direito à intervalo ou folga semanais.
A patroa teria, por mais de uma vez, xingado a funcionária, quando algo do serviço não agradava. Ela proibia os funcionários de sentarem nos móveis da casa, alegando que teria que passar álcool depois, e frequentemente chamava a doméstica de “pobre”.
Ainda segundo a denúncia, a patroa não pagaria salários corretamente, descontando valores referentes a um vidro quebrado e uma blusa manchada.
Segundo o MPF, a patroa submeteu à empregada a chamada servidão por dívida, que é quando a dívida entre empregado e patrão fica impossível de ser paga e o trabalhador fica vinculado ao emprego pelo tempo que o patrão decidir.
Quando da mudança de Brasília para o Rio, a empregada teria comprado alguns móveis da patroa, que descontava os valores diretamente no salário.
A doméstica relatou receber R$ 100 de pagamento pelo serviço, já descontada a dívida.
Sempre que a funcionária tentava se desfazer do vínculo de trabalho ou reclamar salário, a patroa a acusava de quebrar algum móvel e a acusava de ter uma dívida com a empregadora.
Uma terceira empregada que trabalhava na residência confirmou o teor dos depoimentos da vítima.
O MPF ofereceu denúncia contra a empresária na última sexta-feira (11) e pediu condenação ao juiz da 3ª Vara Federal Criminal por crime de trabalho análogo a escravidão, tortura e ainda pediu reparação por danos morais à funcionária. O trabalho análogo a escravidão prevê penas de dois a oito anos de prisão, mesma pena do crime de tortura.
A Folha não conseguiu contato com a denunciada e nem com a vítima.
Fonte: Folha de S. Paulo