Em um ano, a pandemia do coronavírus empurrou mais 4,3 milhões de brasileiros para faixa de renda do trabalho considerada muito baixa nas regiões metropolitanas. O movimento, que preocupa pesquisadores, foi verificado na quarta edição do boletim Desigualdade nas Metrópoles.
No primeiro trimestre de 2020, período inicial da crise sanitária –o vírus foi identificado no país no fim de fevereiro do ano passado–, as regiões metropolitanas somavam 20,2 milhões de pessoas em domicílios com renda per capita do trabalho inferior a um quarto do salário mínimo. No mesmo intervalo de 2021, o número subiu para 24,5 milhões. O aumento de 4,3 milhões vem dessa comparação.
O boletim chegou ao resultado com base em informações da pesquisa Pnad Contínua, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Entre o primeiro trimestre de 2020 e igual intervalo de 2021, o percentual de pessoas vivendo em domicílios com renda menor do que um quarto do salário mínimo pulou de 24,5% para 29,4% nas metrópoles.
O estudo é produzido em parceria entre PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), Observatório das Metrópoles e RedODSAL (Observatório da Dívida Social na América Latina).
Os números consideram apenas a renda do trabalho. Ou seja, recursos de benefícios sociais, como aposentadoria ou Bolsa Família, não entram no cálculo. O auxílio emergencial também não –e, nos períodos analisados, o benefício não estava sendo pago.
Em 2021, um quarto do salário mínimo equivale a R$ 275. No ano anterior, a R$ 261,25. A renda per capita domiciliar corresponde ao rendimento total do trabalho dividido pela quantidade de pessoas em cada residência.
“É um nível de renda muito baixo, que reflete a dinâmica do mercado de trabalho na pandemia. Os dados mostram a necessidade de benefícios como o auxílio emergencial”, aponta André Salata, professor do programa de pós-graduação em ciências sociais da PUCRS e um dos coordenadores do boletim.
Segundo o estudo, a parcela dos 40% mais pobres sofreu a maior perda de renda nas metrópoles. No intervalo de um ano, entre o primeiro trimestre de 2020 e igual período de 2021, o rendimento dessa camada despencou 33,4% nas regiões metropolitanas.
No primeiro trimestre de 2020, a renda média do trabalho dos 40% mais pobres era estimada em R$ 233,94. Ao encolher 33,4%, atingiu a marca de R$ 155,89 no começo de 2021.
Enquanto isso, os 10% mais ricos tiveram queda bem menor, de 4,8%. A renda média do grupo recuou de R$ 6.921,41 para R$ 6.590,05 no mesmo intervalo. Já os 50% que compõem a faixa intermediária registraram baixa de 7,6% (de R$ 1.313,12 para R$ 1.213,55).
No geral, considerando toda a população, houve queda de 8,5% no rendimento nas regiões metropolitanas. O indicador médio passou de R$ 1.423,93 para R$ 1.302,79. Essa redução fez a renda do trabalho retornar a patamar semelhante ao do início da série, em 2012.
Salata define o cenário como “bastante complicado”. Além da queda na renda do trabalho, analisada pela pesquisa, houve interrupção nos pagamentos do auxílio emergencial no começo do ano.
Segundo o pesquisador, a camada mais desfavorecida exerce atividades nas quais é mais difícil atuar de maneira remota, o que também impacta o rendimento do grupo.
“Os mais pobres tiveram uma queda muito mais acentuada na renda. Na base da pirâmide, existem pessoas que não conseguem fazer home office”, frisa Salata.
O estudo também confirma uma tendência já verificada por outras pesquisas: o aumento da desigualdade durante a pandemia. Essa diferença entre a renda de ricos e pobres é medida pelo Coeficiente de Gini. Na escala do indicador, zero significa igualdade nos ganhos. Quanto mais próximo de um, maior é a desigualdade, o que representa retrocesso nas condições socioeconômicas.
Na média móvel, o Coeficiente de Gini subiu de 0,608 para 0,637 entre o primeiro trimestre de 2020 e igual período de 2021. A nova marca é a maior da série histórica, segundo o boletim. O aumento de 4,8% entre os trimestres também é recorde, acrescenta o estudo.
“Tivemos dois elementos trabalhando juntos: a queda na renda média e a piora na distribuição”, sublinha Salata.
Conforme o levantamento, os 10% mais ricos ganhavam, em média, 29,6 vezes mais do que os 40% mais pobres no primeiro trimestre de 2020. A diferença subiu para 42,3 vezes no início de 2021.
A região metropolitana de João Pessoa (PB) é aquela com o maior Coeficiente de Gini (0,729). Ou seja, a mais desigual.
Em seguida, aparecem Recife (PE) e Rio de Janeiro (RJ), com a mesma marca: 0,687. Segundo a pesquisa, o elevado nível de informalidade nessas metrópoles ajuda a entender a disparidade nos ganhos com o trabalho.
O pesquisador Marcelo Ribeiro, do Observatório das Metrópoles, avalia que o quadro pode melhorar se a vacinação contra a Covid-19 tiver impulso nos próximos meses. A imunização é apontada como necessária para reduzir restrições e permitir a volta segura ao trabalho.
Neste momento, o mercado segue repleto de dificuldades, incluindo a escalada do desemprego, frisa o pesquisador. Ribeiro também coordena o boletim e atua como professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
“A expectativa é que o avanço da vacinação possibilite maior aquecimento do mercado de trabalho. Mas os dados ainda são negativos”, afirma.
Para Salata e Ribeiro, os números do boletim reforçam a necessidade de medidas de proteção a camadas desfavorecidas nos próximos meses. Entre elas, está o auxílio emergencial.
Nesta semana, o governo federal confirmou a prorrogação do benefício, com mais três parcelas. Assim, o auxílio, que acabaria em julho, também deve ser pago em agosto, setembro e outubro.
Fonte: Folha de S. Paulo