Para economista, debate sobre serviços públicos tem de ir além da redução de pessoal e de custos
A pandemia de covid-19 aumentou drasticamente a demanda da população por serviços essenciais, que chegaram ao limite da falta de estrutura e de pessoal. Para especialistas, a situação deveria servir de estímulo para repensar o papel do Estado e a reestruturação do serviço público no país.
Até agora, a discussão da reforma administrativa – que ainda não tem um formato definitivo – esteve muito focada sobre redução de pessoal e de custos, mas os efeitos da pandemia mostram que o debate deveria ser ampliado, afirmam. Entre outras consequências, a disseminação do coronavírus terá repercussões econômicas e sanitárias que vão bater na oferta e na busca por serviços públicos diante do grande número de pacientes com prováveis sequelas e de trabalhadores que perderão renda por um período prolongado.
“A demanda por saúde, segurança e assistência social será muito afetada. Os governos têm que começar a levar isso em consideração”, afirma o economista Nelson Marconi, coordenador do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Em geral, o governo brasileiro, em todas as esferas, não planeja a mão de obra necessária para o futuro. Ao não fazer isso, contrata mal e o resultado é que geralmente falta gente em alguns setores e sobra em outros. Agora, afirma Marconi, é hora de os governos olharem para frente, porque a tendência é a demanda aumentar num momento de forte restrição fiscal, que tende a diminuir a força de trabalho com menos concursos e a não reposição de servidores que se aposentam. “Ou planejam muito bem, ou não vão entregar o que a sociedade precisa.”
Marconi diz que a questão de fundo que deveria nortear o planejamento da força de trabalho pública é a definição do papel do Estado e o que ele se propõe a oferecer ao cidadão. “Até o mês passado só se defendia Estado mínimo. Mas o que se está vendo agora é que a redução do Estado a qualquer preço tem um custo, o de estar despreparado para uma crise como esta.”
Caio Marini, professor associado da Fundação Dom Cabral e especialista em gestão pública, diz que a pandemia colocou em evidência a fragilidade dos serviços prestados pelo setor público, o que reacendeu a reflexão sobre o papel do Estado aqui e no mundo. Em tempos de crise, discute-se muito o tamanho do funcionalismo, perdendo-se de vista o planejamento estratégico, diz.
“O ajuste fiscal é importante, mas não dá para pensar apenas nesses termos. A racionalização da mão de obra do Estado é necessária não só para cortar despesas, mas também para melhorar a qualidade dos serviços levados à sociedade. Caso contrário, o Estado perde a capacidade de cumprir sua função social.” O Estado, considera Marini, tem um papel fundamental no enfrentamento da crise e também pós-crise, na chamada “nova normalidade” que vai surgir.
“Com um SUS fortalecido poderíamos estar melhor no combate à pandemia”, afirma Alketa Peci, professora da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape), da FGV, para quem a organização do setor público nessa e em outras áreas é crucial para enfrentar crises, sejam econômicas, sejam de saúde.
Ela aponta para a necessidade de um planejamento de longo prazo em que se estime a demanda de diversas áreas, como educação e saúde, para adequar a força de trabalho a isso. “Precisamos construir a discussão da reforma a partir de uma premissa que estava faltando no debate. De que você precisa de um Estado que desempenha bem seu papel”.
Fonte: Valor Econômico