Vale à pena ler a entrevista da professora Alice Amsden. Além de identificar a principal mudança que ocorreu no país, ela desmistifica alguns pontos que ainda hoje muita gente tem dificuldade de entender.
Alice Amsden era uma das mais importantes economistas heterodoxas de hoje. Mergulhou no processo de industrialização asiático e destrinchou o papel do Estado como indutor do desenvolvimento.
Professora de economia política no Massachusetts Institute of Technology (MIT), ela morreu no dia 15, em Cambridge (EUA), aos 68 anos.
Um mês antes, deu esta entrevista à Folha. Nela, fez elogios ao desenvolvimento brasileiro, afirmando que o país realizou uma “revolução racional” e enfatizando a importância da Petrobras.
Sua avaliação era que o país, que tem “empresários de primeira linha”, precisa ter um setor nacional forte -público e privado.
Seu livro mais importante é “A Ascensão do ‘Resto’, os Desafios ao Ocidente de Economias com Industrialização Tardia” (Unesp, 2009).
Folha – Como analisar o desenvolvimento brasileiro hoje?
Alice Amsden – Finalmente as coisas estão indo bem no Brasil, depois de 500 anos?
O que está indo certo até o ponto em que o modelo brasileiro está começando a ser copiado pelo México e pela África lusófona?
Os novos países produtores de petróleo da África estão copiando o “nacionalismo de recursos” da Petrobras, em que uma companhia de propriedade nacional, em vez de uma empresa internacional, é o centro de um negócio gigante de petróleo.
Quais foram as mudanças de longo prazo?
O Brasil parou de olhar na direção da teoria do mercado para buscar inspiração para as suas políticas.
Em vez de se dirigir para o beco sem saída das políticas universais -como o livre-comércio e as vantagens comparativas- e que eram supostamente boas para todos, começou a pensar com linhas dedutivas. Seu guia passou a ser as “experiências” de muitos países, não as teorias.
Como é esse novo modelo?
O Brasil incentiva indústrias não com base nas vantagens comparativas, mas com base no “conhecimento do negócio”.
Se o conhecimento existe no Brasil, o governo pode avançar e apoiar uma nova indústria.
Por exemplo?
A construção naval. Parabéns ao Brasil por fazer uma revolução racional.
E a questão da inovação?
Está conectada com essa revolução. O Brasil começou inovando na fronteira mundial guiado pelo modelo de suas necessidades específicas (álcool, perfuração em águas profundas), não por um modelo, como no passado, que era baseado no que a ciência determinava como necessário a ser feito em pesquisa e desenvolvimento.
Como a sra. avalia o processo de privatização e as relações entre Estado e empresários?
O Brasil melhorou as relações entre o setor de negócios privado e os servidores públicos de alto nível. Agora, por causa da “privatização de veludo”, os dois se complementam, em vez de cortar as gargantas uns dos outros.
O Brasil não fez uma privatização louca das joias da coroa, abrindo mão das melhores empresas públicas para executivos e engenheiros medíocres do exterior.
Qual o papel do setor privado no desenvolvimento?
Para ampliar o conteúdo nacional, a gestão pública pode assumir a liderança. Agora, por exemplo, a Petrobras está começando a usar navios de fornecedores nacionais e a Vale está se movendo na direção da produção de aço.
Como a sra. define o Brasil?
O Brasil é pró-capitalista, nacionalista e anti-imperialista. Com manobras inteligentes na OMC, mostrou uma forma brilhante de luta contra as tendências imperialistas do mundo desenvolvido.
Ficando mais rico, o Brasil não pode esquecer que é ainda um país muito pobre. Não pode imitar as políticas de livre mercado dos mais ricos e esperar se desenvolver.
Fonte: Folha