Ao ser indagado sobre o fato de o Brasil ter superado as cinco mil mortes por COVID-19 e ter ultrapassado a China (país onde se originou a pandemia com população mais de 6x maior), o presidente Bolsonaro respondeu: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”.
Mais do que desdenhar a dor e fazer piada com o sofrimento de milhares de famílias brasileiras, Bolsonaro, responsável maior pela condução dos interesses nacionais e consequentemente pelos seus resultados, passa a mensagem egoísta de que é normal ser insensível e indiferente. Para quem se diz cristão, ignora por completo o mandamento do amor ao próximo, que compreende o sentimento de condolência, o confortar a quem padece e iniciativas de ajuda.
Essa falta de humanidade e empatia diante da morte e do sofrimento de milhares de brasileiros é especialmente percebida em relação à classe trabalhadora. Bolsonaro não se solidariza com a precariedade dos contratos de trabalho, tampouco com a calamidade social em que se encontra parcela significativa dos trabalhadores.
Quando parlamentar, Bolsonaro votou, entre outros, contra a “PEC das Domésticas”, que tinha por objeto estender a elas os direitos próprios dos demais trabalhadores; votou favoravelmente à “PEC do teto de gastos públicos”, que incluem gastos com saúde e educação, congelando-os por 20 anos; e votou favoravelmente à “Reforma Trabalhista do Temer” (Lei 13.467/2017), a qual, juntamente com a “Lei de Terceirização” (Lei 13.429/2017), contribuiu para o atual cenário de milhões de trabalhadores desempregados, na informalidade ou submissos a contratos precários, como tais os dos trabalhadores “pejotizados”, temporários, intermitentes, terceirizados e “uberizados”.
Em contumaz descaso aos trabalhadores, na condição de presidente, Bolsonaro empurra medidas ainda mais amargas, como a Reforma da Previdência e o denominado Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, por meio da Medida Provisória 905/2019, revogada a contragosto no último dia de sua vigência.
Mais recentemente, em plena pandemia, o governo Bolsonaro dá continuidade ao retrocesso social, aproveitando-se do isolamento e incertezas dos trabalhadores durante a quarentena para editar medidas provisórias flagrantemente inconstitucionais e precarizantes das condições de trabalho.
Apenas para ilustrar, a Medida Provisória 927/2020 flexibiliza as horas extras, suspende exames ocupacionais, suspende exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho e suprime até mesmo as atividades de Auditores Fiscais do Trabalho, os quais, por 180 dias, a contar da publicação da Medida, não poderão autuar empresas infratoras, apenas orientá-las.
Por sua vez, a Medida Provisória 936/2020 possibilita a redução de salário por meio de “negociação” individual entre o trabalhador e o empregador, o que, além de ser causa de prejuízos àquele, reduz evidentemente o protagonismo dos sindicatos representantes dos trabalhadores.
De maneira geral, o governo Bolsonaro, por um lado, tem atuado diretamente para reduzir direitos sociais, com destaque para os direitos trabalhistas e previdenciários, e por outro, para inviabilizar a proteção sindical de tais direitos, em inadmissível banalização da vida humana, convertendo-a em mero fator de administração dos meios produtivos.
Para Bolsonaro: “E daí?”.
E daí? Daí que morrem trabalhadores que estão na linha de frente no enfrentamento da pandemia provocada pelo COVID-19. Daí que morrem trabalhadores ligados a atividades essenciais, cuja lista só cresce. Daí que morrem os trabalhadores submetidos a contratos precários. Daí que não há garantias, direitos e proteção suficientes aos trabalhadores “pejotizados”, intermitentes, temporários, terceirizados ou “uberizados”. Daí que arranjos contratuais são realizados em desacordo com a realidade para afastar a aplicação do direito do trabalho, já tão desidratado. Daí que os trabalhadores estão sob condições de risco à saúde física, à saúde mental e até mesmo à vida, sem a devida proteção trabalhista e previdenciária. Daí que… etc.
Com a atual crise do Covid-19, escancarou-se o número de trabalhadores que estão prestando serviços sob condições inadequadas e muitas vezes criminosas, expostos (e também seus familiares) a grave, ilegal e inconcebível risco, mormente pela ausência de meios seguros de transporte e de Equipamentos de Proteção Individuais.Os trabalhadores, preferencialmente por meio de seus sindicatos, devem reagir e exigir a devida responsabilização dos agentes políticos e empregadores cujas declarações ou ações, por sua gravidade, impliquem desrespeito a seus direitos e garantias.
Neste momento, as questões emergenciais não podem encontrar respostas na retirada de direitos, sob o superficial pretexto de salvar apenas a economia. O discurso da dicotomia entre manutenção de direitos e crescimento econômico é falacioso. Nenhuma economia sustentável pode ter um dos pilares do seu crescimento baseado na morte e no adoecimento de parcela significativa de sua população.
Por fim, qualquer que seja a crise sanitária a ser enfrentada, especialmente a do COVID-19, é imprescindível que os governantes ajam com circunspecção, sem descasos ou ironias do tipo “E daí?”, buscando sempre a proteção integral do trabalhador.