Em nota técnica, Dieese defende ressalta a necessidade do auxílio emergencial, tanto para a economia quanto para o bem estar da população
São muito graves os impactos da pandemia da covid-19 sobre a economia brasileira, pois o coronavírus chegou quando o país ainda sofria os efeitos da recessão do biênio 2015/2016 e dos três anos seguintes de baixo crescimento, período em que a informalidade do trabalho e a desigualdade de renda, historicamente altas, voltaram a aumentar. A taxa de desemprego subiu novamente e estacionou em patamares elevados, com ampliação de formas precárias de trabalho, especialmente da informalidade, que atinge 41% do total de ocupados.
No cenário pré-pandemia, as políticas públicas de proteção aos trabalhadores e trabalhadoras já se mostravam insuficientes. Com a pandemia, o tamanho da pobreza e da desproteção social e trabalhista no país ficou ainda mais evidente. Políticas como o seguro desemprego ou de medidas de manutenção do emprego e da renda, que protegem
aqueles e aquelas que estão no mercado formal de trabalho, não deram conta de salvaguardar todos os trabalhadores e trabalhadoras.
Vale destacar que a economia brasileira encolheu -9,7% no segundo trimestre de 2020, na comparação com o trimestre anterior, o pior resultado desde o início da série histórica, iniciada em 1996. Houve redução intensa do consumo das famílias (-12,5%), da formação bruta de capital fixo (-15,4%) e do consumo do governo (-8,8%). Setorialmente, destacaram-se negativamente o segmento de Transporte, armazenagem e correio
(-19,3%), a Indústria de transformação (-17,5%) e o Comércio (-13,0%). Com isso, no
segundo trimestre, a economia brasileira estava em um patamar 15,1% abaixo do nível do
início de 2014.
O número de desocupados era de 12,8 milhões no segundo trimestre de 2020, mas, o número de ocupados diminuiu em 8,9 milhões de pessoas e o contingente de pessoas fora da força de trabalho aumentou 10,5 milhões. A massa de rendimentos do trabalho caiu 5,6% no segundo trimestre, em relação ao trimestre anterior (DIEESE, Boletim de
Conjuntura nº24,set/out 2020).
A IMPORTÂNCIA ECONÔMICA E SOCIAL DO AUXÍLIO EMERGENCIAL
O Auxílio Emergencial foi proposto pelo movimento sindical e pelos movimentos sociais no início da crise e continua fundamental nesse contexto: uma medida para proteger a renda de trabalhadores e trabalhadoras na informalidade, garantindo pelo menos a segurança alimentar das famílias, com impactos positivos na atividade
econômica.
De um total de 151.094.236 de cadastros recebidos, 67.211.931 foram considerados elegíveis, entre abril e agosto, com transferência de renda de R$ 184,6 bilhões (DATRAPREV, 27/08/2020). Vale destacar que as pessoas que tiveram o pedido deferido em abril receberam cinco parcelas até agosto, mas aquelas cujos pedidos foram
processados ao longo dos demais meses, inclusive pelas dificuldades do governo em atender à demanda, receberam um número menor de parcelas. O último lote foi liberado em 27 de agosto para os inscritos entre 3 de julho e 16 de agosto, somando mais 604,6 mil pessoas ao total de beneficiários.
Dos R$ 186,90 bilhões transferidos para a população por meio do Auxílio Emergencial, cerca de R$ 100,74 bilhões retornam aos cofres públicos por meio da arrecadação de impostos, visto que a maior parte desse dinheiro é utilizada no consumo. Além disso, esse tipo de transferência tem efeito multiplicador no Produto Interno Bruto – cada R$ 1,00 para as famílias resulta em crescimento de R$ 1,78 no PIB. Isso dizer que os R$ 186,90 bilhões investidos no Auxílio Emergencial podem impactar positivamente o PIB de 2020 com cerca de R$ 332,68 bilhões (4,6% do PIB de 2019).
O valor atual do Auxílio Emergencial, defendido pelo movimento sindical e pelos movimentos sociais, é referenciado no custo da cesta básica nacional, pesquisada pelo (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), e nos gastos básicos de um orçamento familiar, com taxas de água, luz, acesso à internet. Sem sombra de dúvidas, o Programa do Auxílio Emergencial tem sido o mais importante nesse momento de pandemia, com resultados econômicos e sociais significativos, que repercutem em diversas dimensões.
O país não saiu da crise. Portanto, o Auxílio Emergencial deve ser mantido com o mesmo valor de R$ 600,00, atendendo o mesmo número de beneficiários, a mesma população, sem a redução de valor ou de favorecidos constante nos novos critérios estabelecidos na Medida Provisória 1.000/2020.
A seguir, alguns números sobre o Auxílio Emergencial, sobre a insegurança alimentar e sobre os orçamentos familiares, que demonstram a relevância do Programa para o país atravessar esse momento.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) – Covid (julho de
2020:
- 29,4 milhões de domicílios brasileiros receberam, em junho, o Auxílio Emergencial, o que representa 43% do total de domicílios.
- 49,5% da população (104,5 milhões de pessoas) viviam em domicílios onde pelo menos um morador recebeu Auxílio.
- Os extratos mais baixos de renda receberam 75,2% das transferências.
- Da primeira faixa de renda (domicílios com renda domiciliar per capita de até R$ 50,34), que soma 10% da população (21 milhões de pessoas), cerca de 17,7 milhões de pessoas (83,5%) moram em lares que receberam o benefício. Para esse contingente, a renda domiciliar per capita média passou de R$ 7,15 para R$ 271,92,
diferença de 3.705%. - Da segunda faixa de renda, o benefício contemplou 86,1%, o que corresponde a 18,2 milhões das 21 milhões de pessoas que residiam nas casas onde pelo menos uma pessoa recebeu o auxílio. O impacto na faixa foi de 150%, a renda média passou de R$ 150,88 para R$ 377,22.
- Nos estados das regiões Norte e Nordeste, o percentual de domicílios beneficiados com Auxílio Emergencial ultrapassou os 45%.
- O peso do Auxílio Emergencial é expressivo nas menores faixas de renda. Na faixa de até meio salário mínimo foi de 99,2%; na faixa de mais de meio a um salário mínimo foi de 95,5% e de mais de um a 2 salários mínimos, o peso foi de 73,5%.
- Na perspectiva de gênero, o Auxílio Emergencial tem um peso ainda maior: na média geral do Brasil, chega a 70% para as mulheres e ultrapassa esse percentual nas regiões Norte e Nordeste.
A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017/2018 mostra que:
- Mais de 10,3 milhões de brasileiros já viviam, antes da pandemia, em situação de insegurança alimentar grave, ou seja, passavam fome.
- O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divide o conceito de insegurança alimentar em três categorias:
- Insegurança leve: quando a família não tem certeza se terá acesso a alimentos no futuro e quando a qualidade da comida já é ruim.
- Insegurança moderada: surge quando os moradores têm uma quantidade restrita de alimentos — menos comida na despensa do que o satisfatório.
- Insegurança grave: quando os moradores passaram por privação severa no consumo de alimentos – definição tradicional de fome.
- 36,7% dos domicílios brasileiros apresentavam algum nível de insegurança alimentar, o que corresponde a 84,9 milhões de brasileiros e brasileiras.
- Do total de domicílios nos quais a mulher é referência (chefe de família), esse percentual sobe para 41,5%.
- Do total de domicílios que tinham crianças e adolescentes de 0 a 16 anos, 45,8% apresentavam alguma insegurança alimentar.
- Nas regiões Norte e Nordeste, os percentuais de insegurança alimentar chegam a 57% e 50,5% respectivamente. Do total de domicílios com crianças e adolescentes, 64,7% e 58,5%, respectivamente, viviam em situação de insegurança.
O aumento no preço dos alimentos
- Apesar de o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) estarpróximo de zero (0,7%) no acumulado entre janeiro a agosto de 2020, houve uma variação de preços expressiva nos alimentos, especialmente na alimentação no domicílio. No segmento de cereais, leguminosas e oleaginosas, o aumento dos preços no período foi de 18,9%, ou seja, mais de 20 vezes maior que a inflação geral acumulada (Tabela 4). Os alimentos básicos tiveram aumentos expressivos: o preço do feijão subiu 35,89%, o do leite longa vida, 23% e o do arroz, 19,24%, todos itens mais consumidos pela população das menores faixas de renda (Gráfico 1).
- Como expressão dessa alta, o valor da cesta básica, pesquisada pelo DIEESE em 17 capitais, subiu em 16 cidades em agosto de 2020, exceto em Brasília, e em todos os municípios investigados, nos últimos 12 meses. Em agosto, o maior valor foi registrado em São Paulo (SP), R$ 539,95, enquanto a maior alta percentual no mês ocorreu em Curitiba (PR), que registrou aumento de 11,8% (Tabela 5).
- Importante destacar que, entre janeiro de 2018 e julho de 2020, enquanto a cesta básica de alimentos (SP) subiu 22,94%, a renda dos trabalhadores caiu em torno de 7% (Gráfico 2).
- Nesse cenário de alta nos preços dos alimentos, a política de garantia de estoques reguladores públicos da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) foi esvaziada ao longo dos últimos anos. No caso do feijão, não há indicação de estoques depois de meados de 2016, enquanto os do arroz estão em quantidades muito reduzidas, patamares 10 vezes ou mais inferiores ao verificado até 2014. Em agosto de 2020, enquanto os estoques de feijão estavam vazios, a disponibilidade de arroz era 73 vezes menor do que no auge dos estoques em 2012 (Gráfico 3).