MP de Bolsonaro e Guedes sobre vírus é inconstitucional; coisa de ditadores

Constituição no lixo: é ali, tudo indica, que Jair Bolsonaro e Paulo Guedes querem ver a Carta Magna. Mas não vão conseguir. MP é absurda!

O presidente Jair Bolsonaro; o ministro da Economia, Paulo Guedes, e Wagner de Campos Rosário, da Controladoria-Geral da União, tiveram uma espécie de surto psicótico legal e resolveram enviar ao Congresso uma Medida Provisória, de número 966, que é de uma inconstitucionalidade escandalosa.

Custa a crer que alguém tenha assinado algo com aquele conteúdo. Mas assinada a coisa está e já publicada no Diário Oficial da União. Terá vida curta. Não vai resistir ao que deve ser uma tempestade de Ações Diretas de Inconstitucionalidade.

Do que trata, afinal, a dita cuja? Prestem atenção: “Dispõe sobre a responsabilização de agentes públicos por ação e omissão em atos relacionados com a pandemia da covid-19.”

Sei. Lá está escrito:
“O presidente da República, no uso da atribuição que lhe confere o Artigo 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei:

Art. 1º Os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, com as medidas de:
I – enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da pandemia da covid-19; e
II – combate aos efeitos econômicos e sociais decorrentes da pandemia da covid-19.

§ 1º A responsabilização pela opinião técnica não se estenderá de forma automática ao decisor que a houver adotado como fundamento de decidir e somente se configurará:
I – se estiverem presentes elementos suficientes para o decisor aferir o dolo ou o erro grosseiro da opinião técnica; ou
II – se houver conluio entre os agentes.”

Não sei se vocês entenderam. Tudo isso a que comumente se considera “direito do cidadão” na sua relação com o Estado desaparece se o assunto for covid-19. Assim, por mais maltratado que seja o indivíduo, ainda que seja alvo da mais escancarada negligência, ainda que a omissão seja arreganhada… Esqueçam! Se isso acontecer na área da saúde ou da economia, aquele que teve esbulhado o seu direito é que terá de provar que o outro agiu com má-fé ou com a intenção de transgredir a lei.

Você, que está habituado a viver num estado de direito, ainda que meio capenga como o nosso, pode considerar. “Mas espere aí, Reinaldo, e se eu tiver a prova de que fui efetivamente prejudicado pela incúria estatal?”

Esqueça.

Diz a MP de Bolsonaro e Guedes — o tal Rosário, creio, só entrou aí como laranja de breve celebridade — que “o mero nexo de causalidade entre a conduta e o resultado danoso não implica responsabilização do agente público.”

Assim, se você tiver a prova, leitor amigo, de que foi efetivamente prejudicado, fazer o quê? Dane-se!

Mas será que o texto dos valentes ao menos define o que é “erro grosseiros”? Sim. Prestem atenção:
“Para fins do disposto nesta Medida Provisória, considera-se erro grosseiro o erro manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia.”

Perceberam? Tudo é absolutamente subjetivo. O que é “erro grosseiro” para um pode não ser para outro. Quem vai decidir? O que a um parece “evidente” a outro não será. O que fulano vê como inescusável não coincide com a opinião de Beltrano. Mais: a culpa terá de ser “grave” — o que, de novo, apela à subjetividade. Pior: “negligência, imprudência ou imperícia” só merecerão punição se em “grau elevado”. Só um pouco, bem, aí pode.

Se você ficou com a impressão de que será praticamente impossível chegar à conclusão de que houve erro grave ou omissão, tem razão. Mais: lá está escrito que será preciso considerar na ação do agente:
I – os obstáculos e as dificuldades reais do agente público;
II – a complexidade da matéria e das atribuições exercidas pelo agente público;
III – a circunstância de incompletude de informações na situação de urgência ou emergência;
IV – as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação ou a omissão do agente público; e
V – o contexto de incerteza acerca das medidas mais adequadas para enfrentamento da pandemia da covid-19 e das suas consequências, inclusive as econômicas.

Ou por outra: o cidadão estaria exposto a toda sorte de abusos, sem ter a quem apelar.

Dispõe o Parágrafo 6º do Artigo 37 da Constituição:
“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

Acabou.

O texto é manifestamente inconstitucional. Além de revelar uma concepção ditatorial de Estado.

Via: UOL

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