Queda foi mais expressiva no grupo de renda familiar onde o programa foi mais eficiente
O avanço do programa Minha Casa, Minha Vida ajuda a explicar a redução de parte do déficit habitacional brasileiro constatado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para o período 2007/2012, que foi de 6,2%. Cruzando o desempenho do programa governamental entre 2009 e 2012 por estrato de renda com os resultados da pesquisa, constata-se que houve recuo mais rápido do déficit habitacional nas faixas de renda onde o ritmo de entregas foi mais forte.
No corte por estrato de renda, o déficit nas famílias com renda mensal entre três e cinco salários mínimos, na pesquisa do Ipea, recuou 21%, para 610 mil de unidades, entre 2009 e 2012. No mesmo período, nas famílias com renda de até três salários mínimos a diminuição do déficit ficou em 5% (para 3,8 milhões de unidades), abaixo do recuo total de 8,1%. Com isso, o Brasil registrou déficit habitacional de 5,2 milhões de casas no ano passado.
Ao mesmo tempo, na faixa 2 do Minha Casa, foram entregues 688 mil unidades das 1 milhão contratadas entre 2009 e 2012. Na faixa 1, que possui trâmite envolvendo mais agentes públicos como Estados e municípios, as entregas não passaram de 290 mil unidades das 977 mil contratações no período.
A faixa mais vulnerável economicamente representa 73% do déficit total apurado pelo Ipea. Cleandro Krause, um dos autores do estudo do Ipea, afirma que duas análises podem ser tiradas do cruzamento dos dados. A primeira é que a faixa 2, por se tratar de famílias com renda maior e sem necessitar de subsídio direto do governo federal, é mais atrativa às construtoras. A segunda é que para chegar às famílias mais pobre, as políticas públicas na área precisam de maior abrangência, principalmente por parte dos municípios.
“Não dá para fazer uma relação absoluta, mas os dados indicam que há correlação entre diminuição do déficit e o Minha Casa Minha Vida. O maior problema hoje está para destravar projetos na faixa 1, que empacam no preço dos terrenos das grandes metrópoles. Adequar melhor a política de uso do solo urbano continua sendo uma lição de casa para os municípios”, afirma Krause.
O grosso do déficit está nos conglomerados urbanos. No Estado de São Paulo, que concentra um quinto do déficit brasileiro, cerca 80% da falta de moradias está nas regiões metropolitanas da capital, Campinas, Santos e São José dos Campos. João Meyer, professor de urbanismo e arquitetura da USP, afirma que o Minha Casa é o primeiro programa de governo que atinge fundamentalmente a população de baixa renda. No entanto, serão necessárias mudanças para o déficit seguir caindo.
“É um volume expressivo, nunca antes visto. Serão três milhões de unidades ao todo. Mas para ajudar na erradicação do déficit, o programa precisa ter uma política de terra para as grandes cidades. Hoje é só o subsídio e alguma ajuda de Estados e municípios”, diz.
O custo dos terrenos também é motivo de reclamação por parte dos empresários da construção civil. Em pesquisa sobre o tema, realizada pela Fundação Getulio Vargas (FGV), Ana Maria Castelo, pesquisadora e economista da fundação, constatou que a disponibilidade de novos terrenos e a burocracia envolvendo a liberação de subsídio e projetos são as duas maiores preocupações da indústria sobre o programa.
Antes de o programa começar a contratar em ritmo mais acelerado, a indústria da construção no Brasil crescia puxada pelo aumento do consumo de famílias de renda média, para as quais o déficit habitacional é considerado baixo. Com a desaceleração do mercado da construção civil nos últimos dois anos, as construções do programa governamental ficaram mais importantes para o setor da construção. “É difícil quantificar, pois são muitas obras ao mesmo tempo, mas o programa está ajudando a segurar o nível de atividade da indústria”, diz Ana Maria.
A perspectiva para os próximos anos é que o déficit habitacional caia de forma mais acentuada entre as famílias com renda de até três mínimos com ajuda das entregas das unidades já contratadas pelo Minha Casa.
Meyer chama atenção para o fato de que o financiamento habitacional ficou mais acessível na metade da década passada (o que facilitou o acesso das famílias de maior renda à moradia), com a diminuição dos juros e alongamento dos prazos por parte dos bancos. Entre 1983 e 2004, a média de financiamentos feitos com dinheiro da poupança foi de 57 mil unidades por ano, menos de 4% da formação de novos domicílios no período. “Esse tempo sem financiamento trouxe consequências graves. Superado isso, com o maior acesso ao crédito, muita gente teve acesso a habitação, o que impactou o preços dos imóveis e dos terrenos. Depois que vem o Minha Casa, em um cenário já aquecido e precisa lidar com isso”, afirma.
Fonte: Valor