Rentistas e financistas não querem ouvir falar disso
Meu colega Marcos Lisboa pergunta nesta Folha (“Vamos propor algo diferente?”, 13/5) por que parte dos economistas insiste em explicar a quase estagnação do Brasil desde 1995 com os juros altos e a taxa de câmbio apreciada, quando haveria outras razões para o fato.
Para ele, “a desvalorização cambial resulta em maior inflação” e, “caso os salários não sejam reajustados, a renda real dos trabalhadores cai para benefício dos lucros dos capitalistas”.
Frente à questão do amigo liberal, a partir de minha perspectiva novo-desenvolvimentista, observo que nossa primeira obrigação como economistas é a de que os preços estejam certos.
Ora, quando a taxa de juros é alta, a taxa de câmbio se torna valorizada no longo prazo, e a taxa de lucro das empresas industriais é insuficiente para motivá-las a poupar e a investir (se tiverem algum lucro, é melhor para elas distribuir dividendos ou realizar aplicações financeiras). É inaceitável, portanto, deixar esses três preços macroeconômicos errados, fora do lugar.
Mas como depreciar o câmbio em um regime de câmbio flutuante, que deve ser mantido? A primeira coisa a fazer é ajustar as contas públicas e alcançar mais que um superávit primário, uma poupança pública, como Marcos corretamente afirma no seu texto. Isso baixará os juros, atrairá menos capitais externos, e depreciará o câmbio.
A não ser, naturalmente, que o Banco Central não esteja muito interessado em baixá-los porque acredita que o Brasil deve crescer com poupança externa ou porque acha que taxas de juros muito mais altas do que as dos demais países são necessárias para manter a inflação sob controle, ou porque bons juros interessam aos rentistas.
Mas não basta ajustar a conta fiscal e reduzir os juros. Se o país tiver a doença holandesa, como é o caso do Brasil, será necessário neutralizá-la.
Essa doença —uma desvantagem competitiva— estabelece para as commodities uma taxa competitiva, que é, entretanto, valorizada para a indústria. Por isso, é necessário neutralizá-la –o que significará, no caso brasileiro, um pequeno saldo em conta-corrente.
Para fazer isso, muitos países usaram tarifas aduaneiras, mas essas neutralizam a doença holandesa apenas do lado do mercado interno. A forma correta de neutralizá-la é por meio de uma retenção variável sobre as exportações de commodities, de acordo com seu preço internacional. É importante observar que o exportador nada perde, nem deve perder, porque o que ele paga em retenção recebe de volta em depreciação.
Por que, então, não se colocam juros e câmbio no lugar certo, se isso é essencial para que o Brasil deixe de ser uma economia semiestagnada desde 1995? Não é apenas porque o ajuste fiscal não interessa a ninguém, como todos nós sabemos.
É também porque, no curto prazo, o ajuste reduz o crescimento, como também a desvalorização o reduz. Principalmente, é porque os brasileiros estão viciados não apenas pelo populismo fiscal, mas também pelo cambial; eles estão acostumados não apenas com déficits fiscais, quando é apenas o Estado, mas também com déficits em conta-corrente, quando é o Estado-nação que gasta irresponsavelmente mais que arrecada.
Estão viciados pelo populismo cambial não exatamente porque, no curto prazo, a depreciação baixa os salários reais dos trabalhadores e aumenta o lucro dos capitalistas, como Marcos afirma. É porque, além disso, baixam em termos reais os rendimentos dos capitalistas rentistas sob a forma de juros, aluguéis e dividendos recebidos.
No capitalismo moderno, além dos empresários e dos trabalhadores, há os rentistas, estes geralmente herdeiros ou especuladores, associados aos financistas, que fazem a gestão de sua riqueza.
Ora, os rentistas e os financistas, que se tornaram muito poderosos, não querem ouvir falar nem de juros nem de câmbio. Esse poder é o desafio maior que as democracias modernas enfrentam.
Fonte: Folha de S. Paulo