Luiz Carlos Bresser-Pereira: Por que os juros e o câmbio?

Rentistas e financistas não querem ouvir falar disso

Meu colega Marcos Lisboa pergunta nesta Folha (“Vamos propor algo diferente?”, 13/5) por que parte dos economistas insiste em explicar a quase estagnação do Brasil desde 1995 com os juros altos e a taxa de câmbio apreciada, quando haveria outras razões para o fato.

Para ele, “a desvalorização cambial resulta em maior inflação” e, “caso os salários não sejam reajustados, a renda real dos trabalhadores cai para benefício dos lucros dos capitalistas”.

Frente à questão do amigo liberal, a partir de minha perspectiva novo-desenvolvimentista, observo que nossa primeira obrigação como economistas é a de que os preços estejam certos.

Ora, quando a taxa de juros é alta, a taxa de câmbio se torna valorizada no longo prazo, e a taxa de lucro das empresas industriais é insuficiente para motivá-las a poupar e a investir (se tiverem algum lucro, é melhor para elas distribuir dividendos ou realizar aplicações financeiras). É inaceitável, portanto, deixar esses três preços macroeconômicos errados, fora do lugar.

Mas como depreciar o câmbio em um regime de câmbio flutuante, que deve ser mantido? A primeira coisa a fazer é ajustar as contas públicas e alcançar mais que um superávit primário, uma poupança pública, como Marcos corretamente afirma no seu texto. Isso baixará os juros, atrairá menos capitais externos, e depreciará o câmbio.

A não ser, naturalmente, que o Banco Central não esteja muito interessado em baixá-los porque acredita que o Brasil deve crescer com poupança externa ou porque acha que taxas de juros muito mais altas do que as dos demais países são necessárias para manter a inflação sob controle, ou porque bons juros interessam aos rentistas.

Mas não basta ajustar a conta fiscal e reduzir os juros. Se o país tiver a doença holandesa, como é o caso do Brasil, será necessário neutralizá-la.

Essa doença —uma desvantagem competitiva— estabelece para as commodities uma taxa competitiva, que é, entretanto, valorizada para a indústria. Por isso, é necessário neutralizá-la –o que significará, no caso brasileiro, um pequeno saldo em conta-corrente.

Para fazer isso, muitos países usaram tarifas aduaneiras, mas essas neutralizam a doença holandesa apenas do lado do mercado interno. A forma correta de neutralizá-la é por meio de uma retenção variável sobre as exportações de commodities, de acordo com seu preço internacional. É importante observar que o exportador nada perde, nem deve perder, porque o que ele paga em retenção recebe de volta em depreciação.

Por que, então, não se colocam juros e câmbio no lugar certo, se isso é essencial para que o Brasil deixe de ser uma economia semiestagnada desde 1995? Não é apenas porque o ajuste fiscal não interessa a ninguém, como todos nós sabemos.

É também porque, no curto prazo, o ajuste reduz o crescimento, como também a desvalorização o reduz. Principalmente, é porque os brasileiros estão viciados não apenas pelo populismo fiscal, mas também pelo cambial; eles estão acostumados não apenas com déficits fiscais, quando é apenas o Estado, mas também com déficits em conta-corrente, quando é o Estado-nação que gasta irresponsavelmente mais que arrecada.

Estão viciados pelo populismo cambial não exatamente porque, no curto prazo, a depreciação baixa os salários reais dos trabalhadores e aumenta o lucro dos capitalistas, como Marcos afirma. É porque, além disso, baixam em termos reais os rendimentos dos capitalistas rentistas sob a forma de juros, aluguéis e dividendos recebidos.

No capitalismo moderno, além dos empresários e dos trabalhadores, há os rentistas, estes geralmente herdeiros ou especuladores, associados aos financistas, que fazem a gestão de sua riqueza.

Ora, os rentistas e os financistas, que se tornaram muito poderosos, não querem ouvir falar nem de juros nem de câmbio. Esse poder é o desafio maior que as democracias modernas enfrentam.

Fonte: Folha de S. Paulo

Compartilhe:

Leia mais
desemprego entre jovens
Taxa de desemprego entre jovens é o dobro do grupo acima dos 30, aponta FGV
vr va mudanças regras
VA e VR podem passar por mudanças nos próximos 30 dias, diz Ministério da Fazenda
escala 6x1 prejudica saúde mental
Redução da jornada de trabalho tem apoio de 65% dos brasileiros, aponta pesquisa
isenção conta de luz
Governo quer isentar conta de luz para até 60 milhões de pessoas, diz Alexandre Silveira
sorteio carros 1o de maio centrais sindicais
Centrais preparam 1º de maio unificado com shows gratuitos e sorteio de 10 carros; participe!
greve geral argentina cgt
Centrais sindicais argentinas convocam greve geral contra políticas de Javier Milei
havan condenada assédio eleitoral
Justiça do Trabalho condena Havan por assédio eleitoral contra ex-funcionária
taxa de juros para famílias cresce
Taxa de juros para famílias cresce e alcança maior nível desde agosto 2023
debate dieese cop 30 paulo de oliveira
Agenda ambiental não pode ignorar justiça social, defende CSB em debate pré COP 30
13o aposentados inss consulta
Consulta do valor do 13º para aposentados e pensionistas do INSS começa em maio