Dirigente da CSB e ex-metalúrgico preso e torturado pela ditadura faleceu em São Paulo; exemplo de dignidade e batalha incansável por justiça
Faleceu na madrugada desta quarta-feira (19) Lúcio Bellentani, metalúrgico preso e torturado pela ditadura. O fundador e presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados do Brasil (SINAB), filiado à CSB, passou mal na última segunda-feira e foi levado ao hospital com complicações renais.
A história deste brasileiro se mistura à de milhões de pessoas que lutaram e lutam pelos trabalhadores, pela democracia e por justiça no País. Mas a trajetória de Bellentani destaca-se pelo protagonismo em um dos momentos mais sombrios da história do Brasil: a ditadura civil militar.
Funcionário da Volkswagen em São Bernardo do Campo (SP), Lúcio foi levado, no dia 29 de julho de 1972, do setor de prensas onde trabalhava para a uma sala onde recebeu socos, chutes e pontapés. Transferido para o Departamento de Ordem Política e Social (Dops), ficou preso por quase dois anos, sofrendo todo o tipo de tortura, como choques e dentes arrancados com alicate.
Em 2015, o Ministério Público aceitou denúncia de que empresas como a Volkswagen, Petrobrás, o Metrô de São Paulo, Antarctica e Embraer financiaram o golpe civil-militar no Brasil. A denúncia contra a montadora é baseada no trabalho da Comissão Nacional da Verdade, criada em 2011, que organizou relatos sobre os crimes cometidos durante o regime. O MP instaurou um inquérito civil para exigir reparação da Volks. Desde que um dossiê foi elaborado pelo instituto Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas (IIEP), o caso da Volkswagen tornou-se o mais avançado em termos de investigação sobre colaboração de empresas com a ditadura.
Luta por justiça e reparação
Inspirada na denúncia contra a Volkswagen, a TV Pública Alemã produziu um filme que revela a participação da montadora na repressão cometida pelo governo brasileiro. Intitulado “Cúmplices? A Volkswagen e a ditadura militar no Brasil”, o documentário ganhou projeção internacional e foi exibido pela CSB em Encontro da Executiva Nacional. Além de Lúcio, a produção conta a participação de historiadores e procuradores do Ministério Público.
Militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) na época, o ex-metalúrgico conta como o Departamento de Segurança Industrial da Volkswagen investigava os funcionários que militavam pelo partido e/ou tinham atividades político-sindicais.
“Quando se passa a ter consciência política, isso te traz um certo receio. Às onze e meia da noite vieram os caras do DOPS, me prenderam e me algemaram”, contou o ex-ferramenteiro no documentário.
Uma das cenas do filme foi gravada na sede da CSB, em São Paulo, onde Lúcio Bellentani reuniu-se com o historiador Christopher Kopper, contratado pela Volkswagen, que estava preocupada com as consequências das revelações de cooperação com o regime.
O dirigente sempre foi categórico ao dizer que não queria qualquer indenização financeira da montadora alemã. “Ela foi responsável por várias torturas e perseguições. Vamos levantar o tapete e ter a dignidade de se responsabilizar por esses atos. Continuo brigando por eles, pelo estabelecimento da verdade. É simples, a verdade, somente a verdade”, desabafou na época.
Liderança como forma de vida
Já afastado das atividades políticas da juventude, Bellentani foi chamado pela Comissão Nacional da Verdade para dar seu testemunho no caso Volks. Depois de 50 anos reencontrou o companheiro de lutas Heinrich Plagge, também ouvido pelo Ministério Público em São José do Rio Preto. Os dois foram fundamentais nos relatos das prisões dentro da fábrica da montadora alemã, feitas em conjunto pelo Dops e pela segurança da empresa, sob supervisão direta do Coronel Adhemar Rudge.
Com o falecimento de Plagge, em março de 2018, foi criada em sua homenagem a Associação Heinrich Plagge, que reúne os trabalhadores e trabalhadoras vitimados pela Volkswagen e era presidida por Bellentani.
O velório acontece nesta quarta, a partir das 12 horas, na Organização Campo das Oliveiras, localizada na Av. Siqueira Campos, 263, Jacareí (SP).
O Paulista de Birigui, que se chamava de “caipira”, nasceu em 30 de novembro de 1944 e orgulha o movimento sindical, a família, os trabalhadores e todos aqueles que têm a luta pela democracia como objetivo de vida.
A Central dos Sindicatos Brasileiros celebra a trajetória deste homem que é o símbolo da luta de seu povo.