Em uma decisão publicada neste domingo (15), o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF) citou o caso do desaparecimento do deputado Rubens Paiva durante a ditadura militar para defender que a Lei da Anistia não seja válida para casos de ocultação de cadáver, pois este crime é permanente no seu entendimento.
“Quem oculta e mantém oculto algo prolonga a ação até que o fato se torne conhecido. O crime está se consumando inclusive na presente data, logo não é possível aplicar a Lei de Anistia para esses fatos posteriores. A manutenção da omissão do local onde se encontra o cadáver, além de impedir os familiares de exercerem seu direito ao luto, configura a prática do crime, bem como situação de flagrante”, escreveu o ministro.
Dino é relator de um recurso do Ministério Público Federal (MPF) contra um acórdão do Tribunal Regional da 1ª Região que permitiu que militares acusados de ocultar cadáveres durante a ditadura militar sejam beneficiados pela Lei da Anistia. O ministro, porém, apenas definiu que o caso deve ter repercussão geral, e ainda não há decisão sobre o mérito do recurso, que será analisado pelo plenário do STF.
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Ele deu o exemplo retratado no filme “Ainda Estou Aqui”, dirigido por Walter Salles e protagonizado por Fernanda Torres e Selton Mello, que conta a história do desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva, cujo corpo nunca foi encontrado após ter sido sequestrado pela ditadura.
“A história do desaparecimento de Rubens Paiva, cujo corpo jamais foi encontrado e sepultado, sublinha a dor imprescritível de milhares de pais, mães, irmãos, filhos, sobrinhos, netos, que nunca tiveram atendidos os seus direitos quanto aos familiares desaparecidos.”
Se a maioria dos ministros seguirem o entendimento de Dino, haverá uma mudança na postura adotada pelo Judiciário até então a respeito da abrangência da Lei da Anistia.
Caso em discussão
A discussão sobre a validade da Lei da Anistia para o crime de ocultação de cadáver começou em 2015, quando o MPF apresentou uma denúncia à Justiça Federal do Pará contra os tenentes-coronéis do Exército Lício Augusto Ribeiro Maciel e Sebastião Curió Rodrigues de Moura. Eles são acusados por homicídio qualificado e ocultação de cadáver em casos ocorridos durante a Guerrilha do Araguaia.
Em 1973 e 1974, o tenente-coronel Curió teve participação direta na perseguição, execução e tortura de guerrilheiros do PC do B que agiam entre o norte do Tocantins e o sudeste do Pará.
Depois atuou na Serra Pelada durante a febre do ouro e tornou-se popular entre os garimpeiros, a ponto de se eleger deputado federal e prefeito de Curionópolis (cidade batizada em sua homenagem) e de liderar uma revolta contra o governo.
Em 2020, Curió foi recebido no Palácio do Planalto pelo então presidente Jair Bolsonaro. A secretaria de comunicação da Presidência publicou uma foto do encontro junto com um texto em que classificou como “heróis do Brasil” os agentes públicos que atuaram contra a Guerrilha do Araguaia no anos 1970. O militar morreu em 2022, aos 87 anos.
A denúncia do MPF foi rejeitada na primeira instância, sob o argumentos de que os crimes estariam abarcados pela Lei da Anistia. O caso então foi levado ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que também rejeitou a ação com a mesma justificativa.
Neste ano, o MPF recorreu novamente e levou o caso até o STF. Há expectativa de que o caso seja levado ao plenário virtual ainda este ano, antes do recesso da Corte.
Com informações de Folha de S.Paulo
Fotos: Fellipe Sampaio/STF e reprodução