A prática da pejotização – que tem como efeito primordial a camuflagem do vínculo empregatício e o consequente afastamento dos direitos trabalhistas na relação jurídica estabelecida entre os contratantes
Um analista de “business inteligence”, que foi obrigado a constituir Pessoa Jurídica para ser contratado pela CTIS Tecnologia S/A, teve reconhecido o vínculo trabalhista com a empresa. Para a juíza Débora Heringer Megiorin, em exercício na 22ª Vara do Trabalho de Brasília, ficou comprovada a fraude da CTIS, que buscou, por meio da chamada pejotização, se furtar dos encargos trabalhistas e previdenciários.
Na reclamação trabalhista, o analista revelou que trabalhou para a CTIS entre agosto de 2008 e janeiro de 2014, prestando serviços para outras instituições, sempre com habitualidade, pessoalidade, subordinação e onerosidade. Diz, contudo, que para ser contratado, teve que constituir uma pessoa jurídica, e que só teve a carteira assinada a partir de novembro de 2011. Com esses argumentos, pediu o reconhecimento do vínculo entre agosto de 2008 e outubro de 2011, com o pagamento das verbas trabalhistas devidas.
Em sua defesa, a CTIS disse que contratou a firma do reclamante, que não exigia que ele prestasse serviços pessoalmente, e que o analista tinha total autonomia para definir quem iria executar as ordens de serviço.
Pejotização
Em sua decisão, a juíza explicou que a prática da pejotização – que tem como efeito primordial a camuflagem do vínculo empregatício e o consequente afastamento dos direitos trabalhistas na relação jurídica estabelecida entre os contratantes – vem se difundindo no mercado de trabalho brasileiro. Trabalhadores das mais variadas categorias profissionais são obrigados a constituírem pessoas jurídicas, por imposição patronal, e a firmarem contratos de prestação de serviços por meio desta, frisou.
O empregador obtém muitas vantagens por meio da pejotização, ficando em uma situação bastante cômoda, dada a diminuição dos seus gastos com as garantias do trabalhador, tais como FGTS, recolhimento do INSS, férias, 13º salário e aviso prévio, entre outros, assegurou a juíza. Já o trabalhador fica em uma situação aviltante, completamente desamparado, perdendo todas as garantias inerentes à relação de emprego.
Caracterização
De acordo com a magistrada, a contratação de pessoa jurídica para prestar serviços não é por si só ilegal. “Há que se avaliar minuciosamente o caso concreto, averiguando se, de fato, é possível a extração do contexto fático de elementos que caracterizem o ímpeto do empregador em se eximir do cumprimento das normas trabalhistas e consequente caracterização da pejotização”.
Se estiverem presentes os requisitos essenciais da relação de emprego – pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação –, argumentou a juíza, pode ser desconfigurada a relação civil e reconhecido o vínculo empregatício, em respeito o princípio da primazia da realidade, previsto no artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho, de forma a se proteger o trabalhador contra-ataques a seus direitos.
Caso concreto
No caso dos autos, a magistrada considerou que, após a análise do conjunto fático-probatório, o contrato de prestação de serviços firmado entre as partes buscou, em verdade, esconder uma relação de emprego.
Entre outros pontos, a juíza salientou que a remuneração pactuada com a firma do reclamante seria apurada com base na hora de serviço executado. Se o intuito era apenas um “contrato de consultoria” e que o objetivo era a “entrega de projeto”, sem fiscalização da jornada de trabalho, qual o sentido do pagamento por hora laborada?, questionou a juíza.
Segundo ela, bastaria a entrega do projeto final para o recebimento do valor acordado em contrato, independente do tempo gasto para tanto. Para a magistrada, ficou clara que havia uma prestação contínua na área de tecnologia da informação (business inteligence), nas mesmas condições que os demais terceirizados que trabalhavam com o reclamante.
Além disso, a firma constituída pelo autor não tinha nenhuma estrutura física e nem havia “empregados” contratados pelo próprio reclamante. Não havia, pois, estrutura produtiva também.
Nesse contexto, frisou a magistrada, “há que se reconhecer a fraude perpetrada pela reclamada a fim de se furtar, em determinado momento, dos encargos trabalhistas e previdenciários. Logo, dada pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação na prestação dos serviços, deve ser declarada a existência de verdadeira relação de emprego”.
A juíza reconheceu a nulidade da suposta prestação de serviços por intermédio da empresa RTM Tecnologia da Informação Ltda. e declarou a unicidade contratual desde 1º de agosto de 2008 até 31 de janeiro de 2014, condenando a empresa ao pagamento de todas as verbas trabalhistas devidas.
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho