Juros de amor

O Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE, revelou que, entre 2004 e 2014, o matrimônio entre democracia e Estado Social originou um crescimento real de 56,6% da renda média domiciliar per capita no Brasil.

Considerando preços de junho de 2011, a renda saltou de R$ 549,83/ mês para R$ 861,23/mês, o que acarretou queda de aproximadamente 65% na taxa de pobreza extrema.

Mas precisamos nos apressar, alertam os Cavaleiros do Apocalipse: sem elevação nas taxas de juros, redução do salário real, cortes na rede de proteção social e mortes nos hospitais, sofreremos um revés nos ganhos dos últimos anos.

No Brasil do austericídio rentista, o juro básico, um senhor volúvel, simula fidelidade à coordenação das expectativas dos formadores de preços, enquanto há anos se entrega aos encantos da Valorização Cambial.

Dessa relação, nasceu o desmoronamento da indústria brasileira, desarticulação de um sistema de relações intersetoriais decisivas para a formação e difusão da renda e do emprego na economia.

O trêfego avarento produziu a queda da participação da indústria de transformação no PIB de 16,6% em 2007 para 10,9% em 2014 e a reversão no saldo da balança comercial de produtos industriais de um superávit superior a US$ 18 bilhões em 2007 para um déficit de US$ 63,5 bilhões em 2014.

A elevação de 96,5% na taxa Selix, de 7,25% para 14,25%, entre abril de 2013 e julho de 2015, prometia enfiar a inflação na meta. Traído pelo divórcio da taxa de câmbio e pelo choque de preços administrativos, o abandonado viu a inflação disparar.

Vingou-se na queda de 21,6% na Formação Bruta de Capital Fixo, de 4,5% no consumo das famílias e de 5,5% do PIB, comparando o terceiro trimestre de 2013 com o mesmo período de 2015.

O Saber Econômico da Avareza, amigo cúmplice, se prontifica a demonstrar que as despesas com juros e swap cambial são muito menores do que aparentam, a despeito de representarem cinco vezes o orçamento da saúde e da educação, mais de oito vezes o orçamento do PAC, cinco vezes o déficit da Previdência e mais de 16 vezes o orçamento do desenvolvimento social.

“Trata-se de uma ilusão de ótica, capaz de ser esclarecida (Kant nos socorra!) por cálculos abstratos.”

O cúmplice mimetiza as “certezas da ciência” para seduzir os teólogos da Razão Instrumental – que tenham piedade o lógico matemático Kurt Gödel e seu Teorema da Incompletude (impossibilidade aritmética de um sistema ser simultaneamente completo e consistente).

Na tradição do Tribunal do Santo Ofício, o choque de tarifas e a vingança do câmbio na inflação são absolvidos. As reduções do juro Selic são condenadas como antinaturais. Já as elevações são impostas por forças da natureza, como a lei da gravidade. “E pur si muove”, exclamaria o duplo avesso de Galileu.

Os sacerdotes da razão instrumental repreendem os hereges que apontam as conexões entre a queda do PIB, a derrocada fiscal e a Selic, campeã do Torneio Mundial do Jurômetro. Valem-se da pertinente e necessária demanda por equilíbrio entre receitas e despesas públicas para incriminar aposentados, trabalhadores e mães do Bolsa Família pelo “ataque” ao orçamento.

O governo prostra-se diante do cantochão da mídia. Os déficits primários estimados para 2015 pelo FMI Fiscal Monitor, em outubro, dão mostras de não concordar com os apavorados nativos.

Por exemplo: -5,4% no Japão, -5% na Rússia, -3,1% no Chile, -2,8% na índia, -2,6% no Reino Unido, -1,8% nos Estados Unidos, -1,4% na China, -1,2% no México, -0,8% na África do Sul, -2,6% na média das economias de baixa renda, -2,4% nas economias emergentes, -1,5% nas economias avançadas e -0,4% no Brasil. São déficits primários típicos de economias em desaceleração.

Fonte: Luiz Gonzaga Belluzzo e Gabriel Galípolo/ Folha de S. Paulo

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