Importação em alta desestrutura setor têxtil

Há 20 anos a Stenville faz beneficiamento de tecidos. George Tomic, sócio-diretor da empresa, conta que recebe os tecidos dos clientes e os prepara para tingimento ou impermeabilização. Instalada em Jundiaí, interior de São Paulo, a empresa usava, até o primeiro trimestre de 2011, pelo menos 80% da capacidade. “Mas desde abril do ano passado deixamos de receber encomendas e a produção caiu”, conta o empresário.

Atualmente, diz Tomic, a empresa trabalha com 50% da capacidade. Em janeiro, ele faturou 40% menos na comparação com o mesmo período de 2011 e as perspectivas para este ano não são boas. “As encomendas não voltaram e se continuarmos assim fecharemos a fábrica até julho porque não conseguimos mais pagar os custos fixos.” No começo de 2011, a Stenville tinha 130 funcionários. Hoje são 75.

Tomic credita a dificuldade da empresa à importação. Ele conta que seus clientes são fabricantes de vestuário, de roupas de cama e mesa e de calçados. “As encomendas caíram porque as importações não são apenas de tecidos, mas de roupas já prontas.”

A queixa de Tomic faz sentido. No ano passado, o volume importado em roupas e acessórios aumentou 40,3% em relação a 2010. A variação é, de forma disparada, a maior entre todos os 25 segmentos de atividade em que o volume de desembarques é calculado pela Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex). Depois do vestuário, o setor com maior aumento no volume importado foi o de veículos, com elevação de 21,5%.

O volume de importação cresceu, mas a produção física de vestuário em 2011 teve queda de 4,4% na comparação com o ano anterior, segundo dados da pesquisa industrial mensal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O faturamento real do segmento contudo, resistiu no ano passado, com alta de 2,9% em relação a 2010, pela pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

“A indústria de confecção também passou a importar não só matéria-prima têxtil, para reduzir o custo de produção, mas também o vestuário pronto”, diz Edgard Pereira, professor da Unicamp e sócio de uma consultoria que leva seu nome. A importação de roupas já prontas foi a reação da indústria de vestuário à concorrência externa, e foi o que propiciou o aumento de faturamento, apesar da redução de produção doméstica. “O problema é quem está atrás: o setor têxtil, prejudicado não só pela importação da indústria quanto dos varejista”, acrescenta Pereira.

A C&A e a Renner, as duas maiores redes de lojas de departamento de vestuário do país, aumentaram as importações em ritmo acelerado. A C&A trazia do exterior entre US$ 50 milhões e US$ 100 milhões em 2008. Desde 2010 desembarca acima de US$ 100 milhões ao ano. A Renner, em 2010, ainda estava na faixa dos que importavam entre US$ 10 milhões e US$ 50 milhões. No ano passado, porém, comprou de fora mais de US$ 100 milhões. Tanto a C&A quanto a Renner desembarcaram mais de US$ 50 milhões da China no ano passado, sempre de acordo com estatísticas oficiais de comércio exterior. Procuradas, as duas varejistas não comentaram o assunto.

“A importação não acontece mais somente por preço ou sobra de mercado. Há uma mudança estrutural”, diz Pereira. A Stenville, a beneficiadora de tecidos de Jundiaí, é apenas uma das que contribuíram com a queda de 14,9% da produção brasileira de têxteis registrada pelo IBGE no ano passado. Além da queda de produção, o segmento amargou 9,2% de perda de faturamento real em 2011. Foi o maior recuo entre os segmentos da indústria de transformação, segundo o levantamento da CNI.

A importação começa a desestruturar a cadeia do vestuário, atingindo principalmente os têxteis, diz José Augusto de Castro, presidente em exercício da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). “São números que já indicam ligeira desindustrialização. O importado está tomando efetivamente o lugar do produto nacional.” Há os que, dentro do próprio setor, já protagonizam essa substituição.

É o caso da Maxim, que em 2010 produzia, por mês, 120 toneladas de um fio para a fabricação de esfregões de limpeza e tingia outras 60 toneladas do produto. Um ano depois a produção caiu para 14 toneladas mensais do fio e quatro toneladas de tingimento. “O fio chinês chega aqui mais barato do que o custo da minha matéria-prima”, diz Adalberto Oliveira Martins Filho, dono da empresa.

A perda de clientes elevou a dívida, que chegou perto de R$ 600 mil em janeiro. “Somos uma fiação pequena. Eu tinha 34 pessoas trabalhando em janeiro de 2011. Agora tenho 12 e semana que vem vou demitir mais seis”, afirma o empresário. A solução, diz, foi passar a importar o produto que antes produzia. Se antes ele gerava cerca de 120 empregos diretos e indiretos na região mineira de Alfenas, agora precisa de alguns funcionários com pouco treinamento para receber as caixas, colocá-las no depósito e depois enviá-las para os compradores. “Se eu vender duas toneladas por mês do fio importado, consigo tirar R$ 50 mil. Produzindo, ganhava R$ 10 mil ao mês.”

O caso da Maxim, diz Pereira, mostra que a alta da importação não é mais resultado do senso de oportunidade de um agente que percebeu a demanda e um câmbio favorável. “É mais uma capitulação”, diz, referindo-se a empresários que investiram seu capital em produção por muito tempo e agora desistiram. Em cadeia, esse fenômeno, diz ele, gera a perda de uma cultura industrial difícil de recuperar. “Ficaremos sem a qualificação da mão de obra e do empresário e sem as rotinas de trabalho industrial. Isso não é refeito de uma hora para outra.”

A perda de dinamismo dos segmentos de têxteis e confecções refletiu na ocupação. Enquanto o emprego industrial total cresceu 1% em 2011, na comparação com o ano anterior (segundo a pesquisa de emprego industrial do IBGE), na indústria têxtil e de vestuário houve redução de 1,08% e 3,23%, respectivamente.

Os dados da balança comercial Brasil-China mostram outro lado perverso da desestruturação do setor no país: parte das roupas importadas pelo Brasil pode estar sendo produzida com algodão verde-amarelo. A China mais que triplicou as compras do algodão brasileiro no ano passado em relação a 2010, quando passaram de US$ 140 milhões para US$ 569 milhões. Os números não são decorrentes apenas da alta no preço da commodity. O volume registrado foi 325% maior do que o verificado em 2010. Com o salto, os chineses deixaram de ser o terceiro destino do produto nacional para serem os primeiros, passando à frente de coreanos e indonésios, absorvendo 31% do total da exportação brasileira dessa commodity.

“Metade da cadeia têxtil vai desaparecer”, estima Luiz Carlos Sandim, diretor da Sanfios, fabricante de chenille, um fio em tecido especial usado principalmente em sofás. Ele conta que no ano passado seu faturamento caiu um terço em relação a 2010.

Instalada em Americana, polo têxtil do interior paulista, a empresa beneficia um fio que vai para outra fiação para só depois virar tecido. Por isso, é difícil diversificar a produção. Em função do número menor de encomendas, a empresa também demitiu um terço dos funcionários.

Para alguns, mesmo a diversificação não tem sido suficiente. Em Santa Bárbara do Oeste, a Sandra Têxtil produz tecidos planos. Em 2008, conta o dono, Ede Villanassi, 40% de sua produção de tecidos era destinada a vestuário. Hoje apenas 15% dos tecidos que fabrica se transformam em roupas.

A empresa tentou compensar a perda de parte da clientela produzindo mais para outros setores. A indústria de calçados, por exemplo, que há menos de cinco anos representava 45% de suas vendas, hoje responde por 70% do faturamento. A maior dependência do setor calçadista, porém, começa a preocupar Villanassi. “A indústria de sapatos também está começando a sentir a concorrência dos importados”, diz o empresário.

A Sandra Têxtil passou a produzir para fabricantes de bolsas, segmento que não atendia antes e que significa 5% do faturamento da empresa. Outros 10% da sua produção vão para móveis. “Estamos fazendo de tudo.” Ele lembra, porém, que o fornecimento para indústrias como calçados, bolsas e móveis tende a oscilar mais. “O uso de tecido para esses clientes muda muito conforme a moda.”

Por isso, mesmo diversificando, a empresa não é exceção no setor têxtil. Villanassi conta que até 2010 mantinha ocupada cerca de 80% da capacidade de produção. No primeiro semestre a ocupação caiu para 60%. “Atualmente estamos produzindo com 37%.” O número de trabalhadores caiu de 18 em 2010 para dez hoje.

A diminuição da produção têxtil no país no ano passado foi sentida também por quem está no começo de toda a cadeia de algodão. A trading InterAgrícola compra algodão em pluma dos produtores e o vende a indústrias no mercado.

Enquanto em 2010 60% das saídas do produto destinavam-se ao mercado interno e 40% ao externo, a proporção se inverteu no ano passado. Como o algodão é uma commodity, não há diferença para a trading em vender para fora ou abastecer a demanda brasileira, de acordo com o diretor da empresa e vice-presidente da Associação Nacional dos Exportadores de Algodão (Anea), Marco Antonio Aluísio. “É até um pouco mais vantajoso vender aqui em razão do custo do frete”, diz. Mas as vendas ao mercado externo se aqueceram com o apetite internacional. A China, que aumentou suas vendas de têxteis e vestuário ao país no ano passado, é o maior compradora da companhia, que contabilizou aumento de 20% no volume de vendas.

Fonte: Valor Econômico

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