O movimento operário paulista celebra neste ano o centenário de sua maioridade, cujo marco inaugural foi a greve de 1917. A paralisação geral entraria para a história como uma denúncia do ambiente dickensiano que prevalecia nas fábricas do país.
Os trabalhadores enfrentavam condições tão degradantes como as da Inglaterra dos primórdios da Revolução Industrial, fixadas mais tarde nos romances de Charles Dickens (1812-1870).
Como nas fábricas da fictícia Coketown, em São Paulo era comum que a jornada se estendesse por até 14 horas, seis ou sete dias por semana.
Havia também crianças a partir de oito anos. Elas eram multadas e punidas fisicamente por erros, além de sofrerem abusos sexuais, como relata o brasilianista Joseph Love no livro “A Locomotiva”.
Reivindicavam a limitação da jornada em 8 horas e a proibição do trabalho para menores de 14 anos, além de reajuste salarial para compensar a inflação alta, provocada pelo desabastecimento resultante do desvio de parte da produção para a Europa em guerra. Os trabalhadores também exigiam direito de associação e previsibilidade do dia de pagamento.
O estopim foi um comunicado do Cotonifício Crespi, na Mooca, de que o turno da noite passaria a ter mais horas a partir de junho. A fábrica parou e o movimento se alastrou para outros bairros, como Ipiranga a Brás.
Os trabalhadores foram às ruas e houve repressão da Força Pública. Em 9 de julho, um trabalhador foi morto a tiro, o que acirrou os ânimos, ampliando a paralisação, que chegou a envolver quase 50 mil operários de São Paulo.
O enterro foi a maior manifestação já vista na cidade até então e terminou com bondes depredados, como conta Roberto Pompeu de Toledo em “A Capital da Vertigem”.
A imprensa teve papel relevante. No início, a greve foi insuflada por jornais de extração anarquista, muitos escritos em italiano e espanhol. A tendência dominava o movimento em São Paulo, onde havia muitos trabalhadores estrangeiros, sobretudo do sul da Europa, onde o anarcossindicalismo tinha raiz.
Quanto à grande imprensa, foi importante para o desfecho. “O Estado de S. Paulo” achou que as reivindicações estimulariam a industrialização defendida em editoriais e ficou a favor dos trabalhadores. Júlio Mesquita, dono do jornal, mediou a disputa, a convite dos operários.
Ao contrário das paralisações em anos anteriores, a greve geral foi, num primeiro momento, bem-sucedida. As conquistas, porém, foram efêmeras. A inflação logo engoliu os reajustes e, nos meses seguintes, líderes do movimento e militantes seriam presos ou expulsos do país, o que era permitido por lei.
A greve de 1917 colocou o Brasil no mapa do movimento operário, mas não teve continuidade. Dois anos depois, houve novas paralisações, basicamente com as mesmas reivindicações. A vitória inicial se transformaria em derrota, em meio à repressão dos governos da Primeira República (1889-1930).
Quanto ao anarquismo, perderia espaço na década seguinte, com o surgimento do Partido Comunista e do “tenentismo”, que, com enfoques distintos, abordariam o que se chamava de “questão social”.
Parte das reivindicações de 1917 só seriam atendidas no início do governo provisório de Getúlio Vargas, em 1930.