A preocupação com a valorização do real em relação ao dólar tem sido apontada por analistas como um dos argumentos do Banco Central para acelerar o corte de juros no Brasil. De olho no “tsunami” de recursos externos, o BC estaria agindo para diminuir a rentabilidade oferecida ao capital que está circulando no mundo em busca de boas oportunidades de ganho.Mas o que se vê, na prática, é que todo o corte já realizado nos juros – de 2,75 pontos percentuais desde agosto do ano passado – e até mesmo a tributação de algumas modalidades de investimento externo praticamente não alteraram a condição do Brasil de oferecer um dos mais altos rendimentos do mundo. Com juros perto de zero nos países desenvolvidos, as altas taxas do Brasil e de outros emergentes continuam sendo excelentes alternativas de aplicação por meio do chamado “carry trade”, operação na qual o investidor capta recursos a juros baixos na Ásia, na Europa ou nos Estados Unidos para aplicá-lo com altas taxas de retorno em outros mercados.
Uma das maneiras de observar qual é o rendimento que está no foco do investidor estrangeiro é por meio dos contratos de Non-Deliverable Forward (NDF), cuja taxa de retorno leva em consideração a diferença da taxa de juros doméstica e a chamada Libor dólar (taxa interbancária de Londres usada como referência para empréstimos na moeda americana), a expectativa de variação cambial e de volatilidade da moeda. Trata-se de um contrato negociado no exterior, sem ingresso de recursos no país. Mas o comportamento dessa taxa tem relação direta com a formação de preços no mercado local, graças à possibilidade de arbitragem entre os dois mercados.
O ganho líquido que esses contratos atrelados ao real com prazo de três meses ofereciam ao investidor, na sexta-feira passada, após o surpreendente corte da Selic em 0,75 ponto percentual, estava perto de 8,13%. Uma semana atrás, o ganho era maior, de 9,39%. Essa queda ocorreu à medida que as taxas futuras de juros aqui no Brasil recuaram, refletindo o aumento das apostas em uma queda mais forte da Selic. Mas, quando se olha para um período mais longo, o que se vê é que houve momentos em que o carry trade foi bem menos atrativo do que agora. No início do ano, a taxa oferecida nesses contratos estava perto de 7,90%, embora a Selic ainda estivesse em 11%, 1,25 ponto acima do nível atual.
Isso se explica, segundo especialistas, pelo fato de que o juro básico não é a única variável considerada no cálculo de retorno. A expectativa de valorização cambial do país, a previsão do rumo da taxa de juros no médio e longo prazos e a volatilidade da moeda fazem parte da conta que determina se o carry trade é, afinal, interessante ou não. Sem falar no apetite por risco, que pode altera a demanda por ativos mais arriscados, com efeito direto sobre os preços.
Claro que, em um momento em que o juro nominal no mundo desenvolvido está em níveis perto de zero, o ganho oferecido pelos juros brasileiros será sempre atraente. Mas o que o investidor vai levar em consideração é a vantagem comparativa. “Um investidor internacional vai sempre fazer um exercício comparativo, levando em consideração a taxa de retorno e o risco do país em questão”, observa o diretor da Nomura Securities, Tony Volpon. E quando se olha para os demais países com quem o Brasil “disputa” o capital internacional, a vantagem comparativa do país é surpreendente. De uma lista de seis países com condições cambiais e de juros comparáveis ao Brasil, apenas a Índia oferece uma taxa de carry trade competitiva com a brasileira, próxima a 7% (ver quadro cima).
Para o sócio do fundo Tandem Global Partners e ex-diretor de assuntos internacionais do Banco Central, Paulo Vieira da Cunha, o corte de juros é, sim, uma ação que vai na direção de reduzir a atratividade do carry trade. “A dúvida é se a magnitude desse corte gera o impacto pretendido”, afirma. “Além de o corte de juros alterar apenas uma das variáveis que define o ganho do investidor, a diferença em relação aos outros países continua muito grande e, por isso, não se alcança o resultado pretendido.”
Fonte: Valor Econômico