Entidades que representam pescadores criticam relatório divulgado pela Controladoria-Geral da União
Veículos de comunicação repercutiram nas últimas semanas o resultado de auditoria realizada pelo Ministério da Transparência e da Controladoria-Geral da União (CGU) com o número de fraudes realizadas no programa seguro-defeso, benefício de um salário mínimo pago aos pescadores artesanais profissionais durante as épocas de proibição de pescas.
De acordo com os estudos da CGU, as fraudes chegam a 65,36% em todos Brasil. Ainda segundo a pesquisa, foi constatado que 100% dos beneficiários de Rondônia não se enquadram nos requisitos. Segundo matéria divulgada pelo jornal O Estado de S. Paulo, em 4 de outubro de 2017, o programa custa ao governo R$ 1,5 bilhão por ano.
Para o secretário dos Trabalhadores na Pesca da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), Ronildo Nogueira Palmere, a solução para a diminuição das fraudes passa por um sistema mais seguro de inscrição e pela realização de um recadastramento, que já foi prometido pelo governo por meio de uma Portaria Interministerial em 2015.
“Com a Portaria 192/2015, o pagamento do seguro-defeso ficou suspenso por 120 dias. A suspensão foi realizada para que o governo fizesse um recadastramento dos pescadores e, assim, evitasse as fraudes. Acabou o prazo de 120 dias, nunca foi realizado este recadastramento. O governo tinha que agir contra essas fraudes, mas tinha que agir de verdade, fazer este recadastramento”, falou o dirigente da CSB, que diz não confiar no relatório do governo.
“Eu queria saber de onde eles tiraram este levantamento. Para isso, já pedimos uma audiência pública, que deve acontecer em novembro com os órgãos responsáveis pela pesquisa. Aqui no estado do Amazonas tem um município que deu quase 90% de fraude, e isso não verdade. Queremos saber de onde a Controladoria tirou essa porcentagem, pois nem os pescadores sabem. Nós viajamos muito, perguntamos nas comunidades, e não conhecemos ninguém que foi entrevistado. Nós não acreditamos nesta porcentagem que foi divulgada”, complementou Palmere.
Além de não acreditar na veracidade desta pesquisa, o dirigente, que também é presidente do Sindicato dos Pescadores no Estado do Amazonas (Sindpesca-AM), teme que os dados sejam usados como justificativa para futuros cortes no benefício.
“O governo veio antes tentando tirar o seguro–defeso dos pescadores com as Portarias 664 e 665, e nós conseguimos mudar com diálogo. Mais tarde, o governo veio com a Portaria 192 para suspender o benefício por causa de fraude e porque tinha que fazer o recadastramento. Nós concordamos, e o governo nunca fez recadastramento no País. Agora aparecem com essa pesquisa e uma série de números que desconhecemos. Só se eles fizeram essas pesquisas com feirantes ou no mercado municipal, porque nas comunidades esse pessoal nunca chegou. O governo está tentando nos cansar para desistirmos de uma conquista nossa”, reclamou o dirigente, que ainda garantiu que o fim do benefício pode significar uma grande prejuízo ambiental e social.
“Nós somos os guardiões das águas e da floresta. E sem esse benefício, os pescadores vão pescar e diversas espécies vão desaparecer. O impacto ambiental será como uma bomba. Quando você é proibido de pescar, o que oferece? O tráfico de drogas e a prostituição infantil. Na falta de dinheiro sempre alguém vai oferecer facilidades e alguns vão para esse caminho errado. O impacto que o governo tem causado é um impacto psicológico, que muitas vezes beira o terrorismo em meio às populações ribeirinhas. Eu temo pelo fim do benefício”, disse.
Carteira Pescador
Por conta de um sistema fragilizado, o governo está há 3 anos sem emitir carteira de pescador, o que tem causado dificuldades na vida dos pescadores. “Para o governo, a carteira só serve para o seguro-defeso. Para mim, a finalidade da carteira é a saúde, educação e moradia do pescador. É uma carteira onde ele vai tirar um financiamento do barco, e sem essa carteira ele não consegue fazer isso. Ao invés do governo fazer geração de renda, ele está nos fazendo refém, além de nos marginalizar”, lamentou o secretário da CSB.
Papel do sindicato
As entidades sindicais têm realizado diversas ações pelos pescadores. Uma delas é a tentativa de diálogo com o governo visando uma melhora no setor da pesca. “A gente se organiza da maneira que pode, pois o governo não tem um centavo para fazer a capacitação do pescador, que precisa ser educado lá no banco da escola, quando ainda é menino. Somos sindicatos pobres, vivemos de mensalidade e as informações que vamos passando para as lideranças, elas chegam sempre com pouca velocidade e tem pouco alcance, devido à internet precária. Mesmo assim, o sindicato tem se esforçado para dizer aos pecadores que nós devemos buscar alternativas, e só iremos conseguir o que precisamos se tivermos mais união e criarmos musculatura para enfrentar o dia a dia”, completou o dirigente.
Descaso
O governo tem mostrado que o pescador não está no seu primeiro plano. Além de extinguir o Ministério da Pesca e transformá-lo em secretaria, promoveu três mudanças em pouco tempo. A secretaria, que estava no Ministério da Agricultura, passou para o Ministério de Desenvolvimento, Indústria, Comércio Exterior e Serviços e agora deve ser vinculada à Presidência da República.
Além de prejudicar a fiscalização, demonstra total desinteresse em dialogar com a categoria.
“O governo lança Portaria, retira Portaria, bota resoluções, coloca outra derrubando a anterior e nós ficamos no fogo cruzado tentando ver o que o governo quer fazer com a gente. Essas mudanças trouxeram prejuízos para nós, foi um impacto muito grande e não sabemos o que se passa na cabeça dele, que faz tudo como se o País fosse uma empresa, onde pode comprar e manipular. Acho que o governo tem que dialogar com a categoria da pesca, para saber onde é a nossa dor, pois estamos tomando um remédio deles que vai nos causar outras doenças. Se eles nos dessem condições, nós nem precisaríamos do seguro-defeso”, finalizou o dirigente.