Na periferia de SP, população não mantém distância de segurança por medo de perder lugar
Idosos, doentes e trabalhadores que já dependem de doações para comer passaram a madrugada desta terça-feira (5) em fila para receber o auxílio emergencial em uma agência da Caixa Econômica Federal na periferia de São Paulo.
Confira os relatos
Sem trabalhar há mais de um mês, o pedreiro Luciano Teixeira da Silva, 40 anos, entrou na fila às 21h30 de segunda-feira (4) em São Mateus (zona leste). “Eu já tinha vindo às 4h da manhã na segunda-feira (4), mas a fila já estava enorme. Então, decidi voltar à noite e ser um dos primeiros hoje.”
A geladeira vazia explica a urgência do pedreiro, que tem recebido doações de parentes e desconhecidos para sobreviver durante a quarentena. “Recebi cesta básica e até gás”, diz Silva. “Vou ganhar medalha de prata porque sou o segundo da fila.”
Na fila, muitos não usavam máscaras e quase todos desrespeitavam a distância recomendada (cerca de 2 m) entre as pessoas para evitar o contágio pelo novo coronavírus.
Às 8h, quando o atendimento foi iniciado, havia cerca de 200 pessoas em linha, ocupando todo o quarteirão.
“Pedimos para que respeitem o distanciamento, mas as pessoas têm medo de que outra pessoa corte a fila”, disse uma das profissionais.
A falta de cuidados sanitários tornava ainda maior a preocupação entre as pessoas que, apesar de serem do grupo de risco para desenvolver complicações da Covid-19, precisaram encarar a madrugada na fila.
Mais vulneráveis na linha de frente
Asmática, a auxiliar de cozinha desempregada Cíntia do Nascimento Fernandes, 36 anos, chegou às 5h30 desta terça-feira nas proximidades da Caixa.
“Fiz de tudo para evitar vir aqui, mas não teve jeito. Não gerava código [de saque pelo aplicativo Caixa Tem] e não conseguia transferir para outro banco, mesmo constando o saldo no aplicativo”, conta Cíntia, que conseguiu sacar o benefício às 12h30.
O aposentado Luiz Rosa, 64 anos, do Jardim Vera Cruz (zona leste), guardava lugar para a esposa, Eliúde Rosa, 60 anos, que é autônoma. “Ela está com dengue, mas disseram que ela teria que vir. Já vim aqui quarta-feira, quinta, sexta, segunda e hoje [terça]. Sempre dizem para voltar amanhã. É absurdo. Espero que consigamos hoje.”
A autônoma Marinês Machado, 42 anos, da Vila Bela (zona leste), era a primeira da fila. Chegou ao local às 21h25 de segunda-feira (4) munida de um cobertor para passar a noite.
Após 12 horas de espera, Marinês, que antes da quarentena vendia refeições em sua casa, conseguiu receber o benefício. “Estava com receio de não dar certo porque não estava gerando o código [do aplicativo Caixa Tem], mas após tanta espera finalmente consegui fazer o saque”, comemorou.
Trabalhadores vivem de doações
O ajudante de pedreiro Josevelton Silva, 24 anos, do Parque São Rafael (zona leste), está vivendo há quase dois meses com a ajuda da família e doações. “No aplicativo da Caixa diz que o valor caiu. Tentei até transferir para outra conta, mas não consegui. A gente digita o CPF várias vezes e só dá erro.”
O autônomo Rafael Vinícius, 29 anos, do Jardim Colonial (zona leste), era o último da fila às 9h10. “Estou sem trabalho há quatro meses. Está difícil. Vai ajudar bastante esse dinheiro. Está constando com aprovado. Espero que dê certo.”
A auxiliar de limpeza desempregada Tatiane Granada de Paula, 25 anos, do Jardim Rodolfo Pirani (zona leste), tem dois filhos, uma menina de 10 anos e o caçula de 3. Ela passou a madrugada na porta da agência, enrolada em um cobertor de bebê.
“Era quase 1h da manhã quando cheguei. A gente tenta não desanimar, encostamos na parede quando o sono chegava e conversamos bastante para passar o tempo. O cadastro não dava certo, dizia para tentar mais tarde.”
Ela relata que a família vive com o Bolsa Família de R$ 172. Ela conseguiu sacar os R$ 1.200 do auxílio emergencial e já tinha planos para o dinheiro.
“Vou comprar iogurte e bolacha para as crianças, arroz e feijão. Graças a Deus estamos recebendo cesta básica de uma associação, mas o problema é quando a criança pede uma coisa para comer e não temos. Meus filhos fazem aniversário dias 24 e 25 de maio. Infelizmente, para o de três anos nunca consegui fazer uma festinha e nessa situação é que não vai dar mesmo.”
Bruno Nascimento Ramalho, 20 anos, da Fazenda da Juta (zona leste), entrou na fila por volta de 1h. O dono da barraca de feira na qual ele trabalha disse que, provavelmente, só o chamará de volta daqui a uns meses. “Estou afastado desde março porque o movimento na feira caiu. Consegui pegar o auxílio hoje. Somos três em casa e estamos todos sem trabalhar. Fiz uma compra no mercado e o que sobrou vou me mantendo.” Em novo contato com a reportagem, Ramalho contou que conseguiu pegar o benefício.
Falta informação
Entre os que aguardavam na fila com mais de 200 pessoas estavam idosos e pessoas com dificuldades de locomoção que nem sequer sabiam que existia outra fila de atendimento prioritário.
Os funcionários da Caixa só orientavam os primeiros da fila.
O marceneiro Francisco Vieira Fernandes, 57 anos, do Jardim Vera Cruz (zona leste), afirma que é a terceira vez que entra na fila para receber o saque emergencial.
Ele utiliza bengala para se apoiar e relata que sofreu um acidente há quatro anos, o que o incapacitou para o trabalho.
“Não consigo auxílio-doença, nem aposentadoria e nem esse auxílio. Estou na fila desde as 7h.”, diz. “Não tenho celular. Minha filha que fez o cadastro, mas não conseguimos o código.”
O que diz a Caixa
A Caixa Econômica Federal informou que não há necessidade de passar a madrugada na fila para receber o auxílio emergencial e que, em parte das agências, o movimento cai após as primeiras horas da manhã. O presidente da Caixa, Pedro Guimarães, disse que quem chegar entre entre 8h e 14h será atendido. Ele sugeriu também que as pessoas procurem as agências um pouco mais tarde, pois o horário de maior movimento é o início da manhã.