Exploração do trabalho via plataformas digitais avança, atinge TI e outros setores

Exploração do trabalho – Dezenas de trabalhadores denunciam nas redes sociais o calote da empresa Anthor Tecnologia, que promovia a intermediação de mão-de-obra através de um aplicativo. Além de não receberem os valores pelos trabalhos realizados, as pessoas eram obrigadas a comprar da empresa uma camiseta – por R$ 55 – para poder ter acesso às “vagas”.

Em um país de quase 10 milhões de desempregados – segundo o IBGE -, não falta gente querendo se aproveitar do desespero de quem precisa colocar comida na mesa de casa. A promessa da “facilidade” de se ganhar algum dinheiro faz o trabalhador sonhar com dias melhores, mas o sonho, na maioria das vezes, vira pesadelo.

Essa é a realidade de uma “nova” modalidade de “emprego”, chamada de “trabalho por aplicativo”. Na prática, é a última fronteira da precarização das relações de trabalho no país que viu o trabalho informal – quando o trabalhador não possui nenhum direito trabalhista – explodir após uma Reforma Trabalhista, aprovada em 2017, que retirou direitos, asfixiou sindicatos e deixou milhões de trabalhadores e trabalhadoras em situação de abandono completo.

A empresa Anthor Tecnologia, sediada em Curitiba, também é alvo de diversas denúncias no Ministério Público do Trabalho (MPT) por demissões em massa, ausência de depósitos de FGTS de funcionários e até um caso em que uma mulher foi demitida enquanto estava de licença-maternidade.

O sistema montado pela empresa para burlar os direitos trabalhistas e “conectar” o tomador do serviço ao trabalhador funcionava de seguinte forma:

O trabalhador entra no site – ou baixa o aplicativo da empresa, mas ter acesso às “vagas” ofertadas, precisa comprar uma camiseta. “É um uniforme”, argumenta a companhia. O custo é de R$ 55, isto é, para ter a possiblidade de ganhar algum dinheiro, o desempregado precisa, antes, retirar o pouco que resta do próprio bolso.

Comprada a camiseta, o aplicativo desbloqueia as “vagas”, que a empresa chama de “missões”. O trabalhador então abre o aplicativo e visualiza as mais diversas “missões do dia”, como trabalhar por um dia como um empacotador de supermercado, faxineiro, assistente de açougue, entre outros.

Cada “missão” garante um pagamento que gira em torno de 50, 60, 70 reais. Ao fim de um certo período de tempo – 15 dias, um mês -, o aplicativo calcula suas “missões” e a remuneração. É desnecessário dizer que não há qualquer garantia ou direito trabalhista envolvido. É a oficialização do ‘bico’ da esquina.

Se a coisa já parece ruim, fica pior: uma trabalhadora de São Paulo denuncia que a Anthor, após utilizar a mão-de-obra dela para uma série de “missões”, deu calote e sumiu com o seu dinheiro. Desesperada, a mulher procurou um sindicato pois precisa receber quase R$ 400 acumulados após diversas “missões” realizadas.

A Anthor “sumiu” do mapa. Nenhum dos canais de atendimento da empresa responde aos contatos. Não há telefone no site e ao conseguir os telefones do cadastro da empresa em seu CNPJ, ninguém atende. O “botão de WhatsApp” do site não funciona. Em seu perfil em uma rede social, a última publicação data de 6 de março e não faltam comentários de trabalhadores que se dizem lesados pela companhia.

“A Anthor não está pagando ninguém, estamos todos com pagamento atrasado, esse grupo de suporte do Whatsapp é mentira, ninguém vem dar uma satisfação pra gente de nada”, escreve uma trabalhadora identificada como Cristina.

“Definitivamente a Anthor é pura enganação, você trabalha e se recebe, é 4 a 5 meses depois da missão que você fez”, completa outra usuária da rede social, nomeada Leri. São inúmeros comentários negativos na página. Outro trabalhador, “Shumutz”, classifica a relação de trabalho com a Anthor como “escravidão”.

Avanço das plataformas e da informalidade

O país registrou uma taxa de informalidade de 38,9% no mercado de trabalho entre dezembro de 2022 e fevereiro de 2023. Nesse período, havia quase 40 milhões de trabalhadores atuando na informalidade, segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), apurada pelo Instituto Brasileiro de Economia e Estatística (IBGE).

Na esteira da expansão da informalidade, inúmeras empresas lançaram aplicativos de “freelas” – inclusive a famosa 99 (https://www.99freelas.com.br/) – que basicamente replicam as mesmas situações degradantes aos quais os trabalhadores são submetidos, em busca de qualquer atividade que os impeça de passarem fome.

Uma empresa chegou a lançar um aplicativo onde o brasileiro pode encontrar “trampos de 20 reais” (https://vinteconto.com.br/). Tudo sem nenhuma proteção aos trabalhadores e, ao que parece, sem uma fiscalização efetiva dos órgãos competentes.

O trabalhador pode ser – nem que seja por um dia – um marido de aluguel, um desenvolvedor de programas, um profissional de saúde e tudo mais que a imaginação possa supor. Um dos sites mais famosos é o Get Ninjas (https://www.getninjas.com.br/).

“O GetNinjas atua como um classificado online, onde os profissionais cadastrados acessam as solicitações dos clientes. Toda a negociação de valores, formas de pagamento, horários, datas e prazos são tratadas entre profissional e cliente fora da plataforma. Diferentemente de apps de delivery e transporte, o GetNinjas não interfere na negociação do serviço e não cobra nenhuma porcentagem desse valor”, afirma a empresa, em resposta à reportagem.

O quadro evolui rapidamente e já aparecem sites especializados nestes contratos, mas somente para quem emitiu um CNPJ de microempreendedor individual – MEI (https://contentools.com/br/).

A prática se espalha pelos mais diversos setores e invadiu o mercado de Tecnologia da Informação (TI), que se anos atrás tinha mais vagas do que profissionais, hoje assiste este quadro se inverter em alta velocidade. Sites como Hackaflag (https://hackaflag.com.br/) e Bug Hunt (https://www.bughunt.com.br/) já oferecem “vagas” neste sentido, ou seja, são sites que oferecem “recompensas” para quem solucionar bugs de programação.

“O Hackaflag Bug Bounty é o primeiro canal brasileiro para que empresas comprometidas com a segurança recebam falhas encontradas por pesquisadores do mundo todo e paguem de acordo com o impacto que as mesmas podem causar no negócio…. Somos a primeira plataforma de Bug Bounty do Brasil, entregando segurança de dados através de nossa base de mais de 10.000 usuários.”, diz a Hackaflag em seu site.

Outra empresa, a Jivochat (https://www.jivochat.com.br/bugbounty/), oferece valores que variam de 30 a 300 reais para quem soluciona falhas de programação, os ‘bugs’.

O cenário descrito contribui para a precarização das relações de trabalho de TI e para a desvalorização da mão-de-obra especializada de um dos setores que mais crescem no Brasil e no mundo.

Sindicato de TI denuncia fraudes trabalhistas

O sindicato do setor de tecnologia em São Paulo (Sindpd-SP) informa que tem atuado em conjunto aos órgãos de fiscalização, como a Receita Federal, o Ministério do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho, para enfrentar essas formas de precarização de mão-de-obra, que contribuem para o crescimento da informalidade no mercado de trabalho brasileiro.

O processo de “intermediação” do trabalho se espalha como “erva daninha” por todo o país e deveria estar no centro das preocupações do governo e de todos os órgãos públicos que têm como função proteger os interesses e a dignidade dos trabalhadores brasileiros.

Todas as empresas citadas na reportagem foram procuradas e têm garantido o espaço para um posicionamento oficial, que será publicado assim que as interessadas se manifestem.

(Fonte: Brasil Independente / Com informações de Carta Capital)

Veja também: Discussão sobre remuneração mínima para entregadores avança no GT dos Aplicativos

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