Grandes civilizações não são exterminadas, mas acabam com a própria existência.
Essa é a conclusão do historiador britânico Arnold Toynbee em sua principal obra, Um Estudo da História, dividida em 12 volumes. Ele explorou a ascensão e a queda de 28 civilizações diferentes.
O historiador estava certo em alguns aspectos: as civilizações são frequentemente responsáveis por seu próprio declínio. Sua autodestruição, no entanto, geralmente tem alguma “ajuda” externa.
O Império Romano, por exemplo, foi vítima de diversos problemas graves, incluindo superexpansão, mudanças climáticas, degradação ambiental e más lideranças. Um episódio marcante nesse processo de decadência foi a invasão e saque de Roma pelos visigodos no ano de 410 e pelos vândalos em 455.
O exemplo romano mostra que tamanho não necessariamente blinda civilizações do colapso. O Império chegou a abranger cerca de 4,4 milhões de quilômetros quadrados (equivalente a pouco mais da metade do território brasileiro), mas em poucos séculos viu suas dimensões encolherem praticamente a zero.
Pesquisa
Nosso passado é marcado por fracassos recorrentes. Como parte da minha pesquisa no Centro para o Estudo do Risco Existencial, da Universidade de Cambridge, estou tentando descobrir, por meio de uma “autópsia histórica”, por que colapsos ocorrem.
O que a ascensão e a queda das civilizações históricas nos dizem sobre a nossa? Quais são as forças que precipitam ou retardam um colapso? Conseguimos ver padrões semelhantes hoje em dia?
A primeira forma de observar civilizações passadas é comparar sua longevidade. Mas isso pode ser difícil, já que não há uma definição absoluta de civilização, nem um banco de dados abrangente dos nascimentos e mortes das populações.
Eu comparei o tempo de vida de várias civilizações, que defino como uma sociedade com agricultura, várias cidades, domínio militar em sua região geográfica e uma estrutura política abrangente. Dada essa definição, todos os impérios são civilizações, mas nem todas as civilizações são impérios.
Um colapso pode ser definido como um processo de perda de população, identidade e complexidade socioeconômica. Há desmantelamento de serviços públicos e a desordem cresce à medida que o governo perde o controle de seu monopólio sobre a violência.
Praticamente todas as civilizações passadas encararam esse destino.
Algumas se recuperaram ou se transformaram, como os chineses e os egípcios. Outros colapsos foram permanentes, como foi o caso da Ilha de Páscoa. Às vezes, as cidades no epicentro do colapso são recuperadas, como foi o caso de Roma. Em outros casos, como as ruínas maias, elas são abandonadas como mausoléu para futuros turistas e pesquisadores.
Lições
O que isso pode nos dizer sobre o futuro da civilização moderna global? As lições de impérios baseados na agricultura se aplicam ao nosso período pós-século 18 de capitalismo industrial?
Eu diria que sim. As sociedades do passado e do presente são apenas sistemas complexos compostos por pessoas e tecnologia. A teoria dos “acidentes normais” sugere que sistemas tecnológicos complexos frequentemente permitem que falhas ocorram. Dessa forma, colapsos podem ser fenômenos normais para as civilizações, independentemente de seu tamanho e estágio.
As civilizações atuais podem estar mais avançadas tecnologicamente, mas isso nos dá pouco fundamento para acreditar que somos imunes às ameaças que dizimaram nossos ancestrais. As nossas novas habilidades tecnológicas trazem novos desafios sem precedentes.
E enquanto nossa escala pode agora ser global, o colapso parece acontecer tanto em vastos impérios quanto em reinos jovens. Não há razão para acreditar que um tamanho maior seja armadura contra a dissolução social. Nosso sistema econômico globalizado, fortemente conectado, é até mais propenso a propagar crises.
Estudos sinalizam que o EROI para combustíveis fósseis vem diminuindo ao longo do tempo, à medida que as reservas mais fáceis de alcançar e as mais ricas estão se esgotando. Infelizmente, a maioria das fontes renováveis, como a solar, tem um EROI consideravelmente menor, principalmente devido à densidade de energia, metais raros e processo de fabricação necessários para produzi-los.
Isso levou grande parte dos pesquisadores a discutir a possibilidade de um “abismo energético”, à medida que o EROI diminui a um ponto em que os atuais níveis sociais de riqueza não podem mais ser mantidos.
Esse “abismo energético” não precisa ser definitivo se as tecnologias renováveis continuarem a melhorar e as medidas de eficiência energética forem rapidamente implementadas.
Medidas de recuperação
Uma notícia mais tranquilizadora é que os indicadores de colapso não são definitivos. A recuperação social pode atrasar ou até mesmo impedir o colapso.
Por exemplo, globalmente, a “diversidade econômica” – uma medida da diversidade e sofisticação das exportações dos países – é maior hoje do que era nas décadas de 1960 e 1970, segundo medições pelo Índice de Complexidade Econômico (ECI, na sigla em inglês).
As nações são, em média, menos dependentes de tipos únicos de exportação do que eram antes. Por exemplo, uma nação que conseguisse diversificar suas exportações para além de produtos agrícolas estaria mais propensa a enfrentar a degradação ecológica ou a perda de parceiros comerciais.
O ECI também mede a intensidade do conhecimento das exportações. Populações mais qualificadas podem ter maior capacidade de lidar com crises à medida em que elas surgem.
Da mesma forma, a inovação – medida por pedidos de patente per capita – também está aumentando. Em teoria, uma civilização pode ser menos vulnerável ao colapso se novas tecnologias puderem amenizar pressões como as mudanças climáticas.
Também é possível que o declínio possa acontecer sem uma catástrofe violenta. Como Rachel Nuwer escreveu para o BBC Future em 2017, “em alguns casos, as civilizações simplesmente desaparecem – tornando-se material para a História sem um grande estrondo, mas apenas com um gemido”.
Ainda assim, quando olhamos todos esses indicadores de colapso e recuperação como um todo, a mensagem é clara: não devemos ser complacentes.
Existem algumas razões para sermos otimistas, graças à nossa capacidade de inovar e diversificar longe do desastre. No entanto, o mundo está piorando em áreas que contribuíram para o colapso das sociedades anteriores.
O clima está mudando, a distância entre ricos e pobres está aumentando, o mundo está se tornando cada vez mais complexo e nossa pressão sobre o meio ambiente está sobrecarregando o planeta.
A escada sem degraus
Isso não é tudo. O mundo está agora profundamente interligado e interdependente.
No passado, o colapso acontecia em nível regional – era um retrocesso temporário, e as pessoas podiam facilmente retornar a estilos de vida agrários ou caçadores-coletores.
Para muitos, o colapso funcionou como um alívio da opressão dos primeiros Estados. Além disso, as armas disponíveis durante as rebeliões sociais eram rudimentares: espadas, flechas e ocasionalmente armas de fogo.
Hoje, o declínio social é uma perspectiva mais traiçoeira. As armas disponíveis para um Estado e, às vezes, até para grupos, agora variam de agentes biológicos a armas nucleares. Novos instrumentos de violência, como armas autônomas letais, podem estar disponíveis num futuro próximo.
As pessoas estão cada vez mais especializadas e desconectadas da produção de alimentos e bens básicos. E as mudanças climáticas podem prejudicar irremediavelmente nossa capacidade de retornar a práticas agrícolas simples.
Pense na civilização como uma escada mal construída. Conforme você sobe, cada degrau que você usou desmorona. Uma queda de uma altura de apenas alguns degraus não é tão perigosa. No entanto, quanto mais alto você sobe, maior a queda. Inevitavelmente, uma vez que você alcance uma altura maior, qualquer queda da escada é fatal.
Com a proliferação de armas nucleares, podemos já ter atingido este ponto de limite civilizacional. Qualquer colapso – qualquer queda da escada – corre o risco de ser permanente. Uma guerra nuclear em si poderia resultar em um risco existencial: a extinção de nossa espécie ou uma catapulta permanente de volta à Idade da Pedra.
Enquanto estamos nos tornando economicamente mais poderosos e resistentes, nossas capacidades tecnológicas também apresentam ameaças sem precedentes que nenhuma civilização teve que enfrentar. Por exemplo, as mudanças climáticas que estamos encarando são de natureza diferente daquelas que os maias ou anazasi enfrentaram. Elas são globais, influenciadas pelas ações dos seres humanos, mais rápidas e mais severas.
A ajuda para nossa ruína auto-imposta não virá de vizinhos hostis, mas das nossas próprias capacidades tecnológicas. O colapso, no nosso caso, seria uma armadilha do progresso.
O colapso da nossa civilização não é inevitável. A História sugere que ele é provável, mas temos a vantagem única de poder aprender com as ruínas das sociedades do passado.
Nós sabemos o que precisa ser feito: as emissões podem ser reduzidas, as desigualdades, niveladas, a degradação ambiental, revertida, a inovação, desencadeada e as economias, diversificadas.
As propostas políticas estão aí. O que falta é a vontade política. Nós também podemos investir em recuperação. Evitar a criação de tecnologias perigosas e amplamente acessíveis também é fundamental. Tais medidas diminuirão a chance de um colapso futuro se tornar irreversível.
Nós só entraremos em declínio se avançarmos cegamente. Estaremos condenados apenas se não estivermos dispostos a ouvir o passado.
Fonte: BBC