Uma jornada de trabalho reduzida que permita o cuidado e a atenção que certas pessoas próximas exigem. Com esse tipo de demanda, trabalhadores – mulheres, na maioria dos casos – têm buscado a Justiça do Trabalho para garantir o que não têm conseguido dentro da empresa: manter o mesmo salário e trabalhar menos horas, para ter tempo de cuidar de filhos pequenos ou parentes que necessitam.
Ao menos metade das oito turmas do TST (Tribunal Superior do Trabalho) já deram decisões favoráveis a pedidos deste tipo. Os trabalhadores que conseguiram o direito de reduzir provisoriamente suas jornadas eram funcionários públicos, mas, segundo a advogada trabalhista Marcella Cruz, do escritório Machado Meyer, o entendimento pode ser aplicado também a quem trabalha no setor privado.
“As decisões proferidas pelo Tribunal Superior do Trabalho e também por Tribunais Regionais do Trabalho foram pautadas em garantias fundamentais e princípios protetivos”, diz. Ou seja, não são baseadas em regras específicas ou na legislação própria de empresas públicas.
Os servidores públicos federais têm direito a essa redução previsto na Lei nº 8.112/90, que trata do regime jurídico da categoria. Em uma decisão publicada no início de outubro, os ministros da 3ª Turma determinaram que, por analogia, o empregado público também deveria ter o direito à redução de jornada.
Nesse caso, uma funcionária pediu para trabalhar menos horas para que pudesse se dedicar aos cuidados da mãe, que tem Alzheimer, e da irmã, que sofre de uma doença congênita. Para o ministro José Roberto Freire Pimenta, relator do pedido, além da analogia com a regras dos servidores, deveriia ser aplicada a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
No TRT-7 (Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região), a decisão destacava que a Constituição Federal prevê a importância da família e o dever de os filhos ajudarem “os pais na velhice, carência ou enfermidade”.
Em outros casos recentes, mães e pais conseguiram a redução de jornada com a manutenção do salário para acompanhar seus filhos em tratamentos relacionados ao transtorno do espectro autista (TEA).
O que prevê a Lei 14.457/22
A advogada Marcella Cruz lembra que a lei que criou o programa “Emprega+Mulheres” neste ano previu uma série de direitos às famílias com filhos com deficiência ou com até seis anos.
Os artigos 7º e 8º da Lei 14.457/22 dizem que essas mães e pais devem ter prioridade na alocação de vagas de trabalho remoto ou teletrabalho e na flexibilização do regime de trabalho e das férias.
Na flexibilização, há a previsão de adoção de regime de trabalho parcial, adoção de compensação de jornada por banco de horas, realização de jornada 12/36 (quando 12 horas de trabalho são seguidas de 36 horas de descanso), antecipação de férias e entrada e saída em horários flexíveis.
A lei não obriga o empregador a adotar quaisquer medidas. A flexibilização e a prioridade no teletrabalho estão entre as políticas de apoio a parentalidade previstas na legislação.
Para Cruz, do Machado Meyer, a iniciativa demonstra uma intenção de flexibilizar algo que já está respaldado em princípios federais (a Constituição) e internacionais (a assinatura de tratados como a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência).
Como demandar esse direito
O advogado Bruno Freire e Silva, professor de direito processual do trabalho da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), diz que pelo princípio da isonomia e da igualdade, ambos previstos na Constituição Federal, trabalhadores de empresas privadas também poderiam conseguir o direito à redução da jornada sem corte no salário, nos mesmos moldes das decisões favoráveis a empregados públicos.
“O regime celetista diz que você pode ajustar os termos do contrato desde que não haja prejuízo para o trabalhador. É uma liberalidade da empresa a concessão”, afirma.
Ele recomenda, porém, que as tratativas envolvendo esses pedidos passem a ser incluídas nas negociações, sejam elas coletivas ou individuais. A lei prevê as duas possibilidades, tanto o acordo direto entre a empresa e o empregado, quanto nos coletivos.
“O melhor é que seja objeto de negociação coletiva, que o sindicato intervenha a favor dos funcionários, justamente para que não exista receio de a pessoa pedir essa redução e acabar demitida”, diz.
Fonte: Folhapress
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