Desigualdade: Brasil reduz pobreza, mas concentração de renda segue em alta

No último ano, o Brasil conseguiu reduzir a extrema pobreza em 40%, mas manteve desigualdades estruturais praticamente inalteradas. Segundo o Relatório do Observatório Brasileiro das Desigualdades, do Pacto Nacional pelo Combate às Desigualdades, a desigualdade de renda continuou em patamar elevado no Brasil e ainda teve leve alta: o rendimento médio mensal per capita do 1% mais rico passou de 30,8 vezes para 31,2 vezes o dos 50% mais pobres.

O documento, divulgado nesta terça-feira (27) em cerimônia no Congresso, marca um ano desde o lançamento do pacto. A iniciativa, que nasceu com apoio de uma Frente Parlamentar Mista contra a Desigualdade e do conselho ligado à Presidência da República, quer trabalhar também junto aos ministérios.

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Tributação

A tributação de renda teve pouca alteração, permanecendo progressiva até a faixa de dez a 15 salários mínimos, e regressiva desse patamar para cima. O documento ressalta, contudo, que houve leve aumento na alíquota para a queles que ganham mais de 320 salários mínimos, de 5,4% em 2021 para 7,9% em 2022 – dado mais recente fornecido pelo Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal.

Extrema pobreza

Os números mostram que, além da queda de 40% na proporção de pessoas na extrema pobreza, sendo maior entre mulheres negras, houve redução de 20% do desemprego e ganho real de 8,3% no rendimento médio de todas as fontes, sendo maior dentre as mulheres.

Melhorias

Algumas das outras melhoras no período são maior proporção de mulheres negras de 18 a 24 anos cursando o ensino superior (de 17,1% em 2022 para 19,2% em 2023), menor proporção de nascidos vivos de mães com até 19 anos de idade (de 13,6% a 11,8%), e redução no desmatamento em áreas indígenas e unidades de conservação.

Pioras

Mas os dados mostram, por outro lado, crescimento na proporção de crianças indígenas desnutridas, de alta de 16,1% entre meninos indígenas e 11,1% entre meninas indígenas, entre 2022 e 2023, aumento na proporção de mortes por causas evitáveis e da mortalidade infantil, que passou de 11,9 óbitos para cada 100 nascidos vivos em 2021 para 12,6 em 2022 – último dado disponível.

Outros dados

O documento ressalta também a persistência de outras desigualdades, como de gênero e racial, ao mostrar que a maior proporção de pessoas em situação de insegurança alimentar é a de mulheres negras, o rendimento médio mensal de mulheres negras representa 42% do recebido por homens não negros, e a taxa de desemprego entre elas chega a 11,5%, acima dos 5,2% para homens não negros.

O relatório faz um balanço e mostra que, dos 42 indicadores monitorados pelo Pacto Nacional pelo Combate às Desigualdades, 44% tiveram melhora, na direção de redução das desigualdades, no último ano, 21% tiveram piora e 14% apresentaram pouca ou nenhuma oscilação. Outros 21% não tiveram atualização disponível.

Análise

“Os indicadores de 2023 mostram um impacto positivo na direção de mobilidade social ou sobre a incidência de algumas políticas públicas. Mostram que, diferentemente de 2022, após quatro anos de processo de desmonte das políticas, agravamento da pobreza, fome, desigualdade, vemos o efeito de políticas sociais, da dinâmica virtuosa da economia e do mercado de trabalho”, diz Clemente Ganz, coordenador do Fórum das Centrais Sindicais.

Leia também: Negociação coletiva e a estratégia de desenvolvimento produtivo, por Clemente Ganz

“Mas o relatório mostra também continuidade da estrutura no mundo dominado pela dinâmica financeira, da riqueza deslocada da base material, ou seja, aquela que cresce independentemente de o PIB crescer. No topo do 0,1% mais rico, a renda cresce muito mais, o que demonstra a necessidade de algumas políticas específicas para mudar isso.”

Soluções

Ele cita como exemplos de políticas necessárias a industrialização, que tem impacto sobre o modelo produtivo, e modificações na estrutura tributária.

“Seria importante que permitissem tributar corretamente renda e riqueza e taxar mais pessoas físicas e menos jurídicas, para que possam estimular a atividade produtiva”, afirma Ganz, ao ressaltar a importância de maior progressividade da taxação em todas as faixas de renda.

Ganz acrescenta ainda outras medidas como a reforma tributária da renda, a taxação internacional dos super ricos e a tributação sobre grandes fortunas, mais custosas politicamente. “Enfrentar essas desigualdades não é fácil. Os privilégios estão arraigados”, diz.

Ponto de não retorno

A socióloga Neca Setubal, presidente da Fundação Tide Setubal e uma das idealizadoras do pacto, alerta que corremos o risco de se perpetuar como um país de desigualdades estruturais e compara a iniciativa a um chamado final.

“Estamos próximos de chegar a um ponto de não retorno social, quando filhos da elite vão estudar em universidades fora do país e não retornam, como ocorreu na Venezuela ou na Colômbia. E temos um papel para não deixar isso acontecer. A desigualdade não é uma questão dos pobres, mas da sociedade brasileira.”

Passos necessários

Nesse movimento, o engajamento do empresariado é fundamental, afirma Ganz. “Primeiramente, o setor empresarial tem como investir na sua capacidade de produzir, ampliando-a e gerando mais empregos, produto e renda, o que é fundamental para enfrentar a desigualdade”, diz.

Ele argumenta, por exemplo, que não adianta filhos de beneficiários do programa Bolsa Família terem condições de estudar e sair da pobreza se não encontrarem emprego ou atividade produtiva.

“Em segundo lugar, é preciso pensarmos que a nossa estrutura tributária tem de arrecadar para ofertar o suficiente para que a população tenha qualidade de vida, como serviços como saúde e educação. É justo, portanto, que eu pague mais porque tenho renda maior”, diz.

“Por último, temos de eleger parlamentares que advoguem essas propostas. Não conseguiremos fazer uma mudança tributária sobre a renda, por exemplo, se o Congresso Nacional não quiser.”

Sobre o relatório

O relatório do Observatório ligado ao Pacto pelo Combate às Desigualdades – iniciativa liderada pela Ação Brasileira de Combate às Desigualdades (ABCD) – foi elaborado pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) com base em estatísticas de órgãos como IBGE, Receita Federal e Ministério da Saúde. Os indicadores foram compilados por instituições que englobam o pacto, como Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Com informações de Valor Econômico

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