Clemente Ganz: Negociação coletiva e a estratégia de desenvolvimento produtivo

O Brasil retoma a orientação do seu desenvolvimento econômico a partir de um projeto industrializante visando à agregação de valor e ao incremento da produtividade em todos os setores produtivos. A geração de empregos de qualidade, o crescimento dos salários e a qualificação profissional são alguns dos vetores estratégicos que devem compor o atual projeto de política enunciado na “Nova Indústria Brasil”. O objetivo é promover e sustentar movimentos que, no médio e no longo prazo, materializarão transformações estruturais capazes de alçar o país à condição de nação desenvolvida. Uma utopia que volta a estar ao nosso alcance.

Essa nova política de desenvolvimento produtivo parte de um contexto de múltiplas adversidades existentes, como a desindustrialização, o baixo investimento, as carências em infraestrutura econômica e social, o déficit social, a precarização do trabalho, os baixos salários, a produtividade rastejante, entre outros.

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Ao mesmo tempo, no presente já se manifestam dois desafios que trazem mudanças estruturais e inéditas. De um lado, a emergência ambiental e a crise climática com impactos imensuráveis e severos sobre todas as formas de vida, o meio ambiente, os territórios, as empresas e o mundo do trabalho. De outro lado, mudanças decorrentes da inovação tecnológica acelerada e extensa que trazem novas máquinas e robôs, digitalização, conectividade, inteligência artificial, biotecnologia, novos materiais, entre outros.

Isso tudo junto e misturado torna as relações sociais, econômicas e políticas ainda mais complexas, principalmente se considerarmos quatro décadas da agenda neoliberal e da globalização que trouxeram desindustrialização, aumento das desigualdades, perda de empregos de qualidade, precarização do mundo do trabalho, alguns exemplos de uma lista longa de problemas e desafios. Resultados que têm aberto as portas do inferno para que os demônios da extrema direita e do fascismo, o aumento dos conflitos e das guerras invadam o cotidiano.

É urgente e essencial também olhar essa agenda de desafios e de soluções a partir das relações de trabalho que já estão presentes e que configuram o atual sistema produtivo nacional. Nossas lutas conformaram uma história de regulação das relações de trabalho que combina os direitos trabalhistas definidos na legislação ou firmados nos acordos e convenções coletivas. A atual legislação brasileira empodera ainda mais a negociação coletiva, o que permite abordar uma gama cada vez maior de questões e desafios, sejam aqueles que fazem parte do estoque de problemas não resolvidos, sejam os inéditos que as novas tecnologias e o meio ambiente aportam a cada dia.

A Constituição define o sindicato como o ente de representação de interesse coletivo, capaz de articular e formalizar o interesse de toda uma categoria profissional ou econômica e, com atribuição delegada na Lei, negociar e firmar acordos e convenções coletivas sobre as diversas dimensões das relações de trabalho – salários, adicionais, auxílios saúde, transporte, alimentação, educação, jornada, posto de trabalho, segurança, formação profissional etc. O acordo ou convenção vale para todos os presentes no âmbito de negociação, sejam eles filiados ou não ao respectivo sindicato. Uma regra de ouro também para pactuar normas sobre a relação entre o sistema produtivo e o mundo do trabalho sob a perspectiva do desenvolvimento. Como?

Concebendo que o sistema produtivo mobilizado pelo projeto de desenvolvimento deve investir no fortalecimento do diálogo social aplicado às relações de trabalho, por meio da negociação coletiva, realizada por representações de interesse – sindicatos – qualificados para tratarem dos conflitos inerentes às relações de trabalho, com especial atenção aos inúmeros novos desafios que a cada dia emergem desde os locais de trabalho e ganham dimensões setoriais, regionais, nacionais e internacionais. Os espaços de negociação podem se configurar em locus de compartilhamento de visão de futuro, de metas, de planos e iniciativas, de distribuição dos resultados alcançados em diferentes âmbitos de negociação, desde o local ou setorial até o nacional.

Temos uma oportunidade de ouro para tratar dos elementos que darão ao mundo do trabalho capacidade de participar do desenvolvimento produtivo, especialmente se formos capazes de atualizar e fortalecer de maneira moderna e inovadora os instrumentos de que já dispomos. Desse modo, educação e formação profissional, segurança e saúde, inovação e postos de trabalho, tecnologia e flexibilidade, proteções sociais e trabalhistas, segurança jurídica, são temas que podem delinear processos negociais inovadores.

Constituir um sistema de relações sindicais moderno para tratar das questões que relacionam desenvolvimento produtivo e mundo do trabalho é conceber âmbitos, processos e metodologias de negociação coletiva que transformam os conflitos inerentes às relações de trabalho em pauta para o diálogo social, em agenda que organiza o debate propositivo, em método que processa as alternativas e em capacidade deliberativa para firmar acordos.

É o exercício cotidiano, aplicados aos problemas concretos e com a determinação para enfrentá-los e resolvê-los por meio da relação direta, que se promoverá ambientes saudáveis no chão da empresa, nos espaços de formulação de políticas setoriais ou nacionais. Nesse ambiente é possível perseguir acordos em que todos ganham, principalmente a democracia e a sociedade.

O fortalecimento da negociação coletiva em todos os âmbitos, promovidos de forma articulada e coordenada, gerará uma capacidade coletiva de incidir nos processos regulatórios mais amplos, inclusive tratando de temas que vão muito além das relações de trabalho e interagindo com os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Há uma oportunidade para uma construção institucional inovadora no Brasil, capaz de gerar uma nova dinâmica para a nossa democracia e entregar à sociedade resultados animadores.

Clemente Ganz Lúcio – sociólogo, coordenador do Fórum das Centrais Sindicais, consultor e ex-diretor técnico do DIEESE (2004-2020).

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