Getúlio, cinebiografia do presidente Vargas orçada em quase R$ 7 milhões, mostra líder silencioso, angustiado e isolado por seus aliados nos seus últimos 19 dias de poder no Palácio do Catete
Em uma reunião ministerial, Getúlio Vargas (1882-1954) está aéreo, angustiado. Seu jeito não lembra o “sorriso do velhinho” cantado em “Retrato do Velho”, marchinha da campanha que o reconduziu ao poder em 1950.
A cena inicial de “Getúlio”, cinebiografia de João Jardim, dá o tom do presidente vivido por Tony Ramos: cheio de silêncios, acuado entre as paredes do Palácio do Catete.
“Quis mostrar essa claustrofobia, como o poder pode ser uma prisão e como a única saída, para Vargas, foi o tiro no peito”, afirma Jardim.
O diretor diz ter levado mais de cinco anos com pesquisas em biografias, jornais da época e depoimentos de pessoas próximas para recontar os últimos 19 dias de Getúlio Vargas, o presidente que se suicidou para “entrar na história”. O thriller custou quase R$ 7 milhões.
A trama se passa em agosto de 1954: Vargas está acossado por opositores e por alguns de seus apoiadores após a descoberta de que membros de sua guarda se envolveram num atentado contra Carlos Lacerda (Alexandre Borges), seu maior inimigo político.
“É um tema contemporâneo: o quanto o toma lá, dá cá da política já estava presente e o quanto um governante precisa se curvar diante dos interesses dos que o apoiaram”, afirma o diretor.
O filme estreia nos cinemas amanhã, 1º de maio, data simbólica para o getulismo: era nesse dia que, durante o Estado Novo (1937-1945), o então ditador reunia multidões em estádios para anunciar medidas trabalhistas.
Jardim diz ter pensado em Tony Ramos para viver o seu Getúlio assim que o roteiro ficou pronto: “É firme, reservado, mas ao mesmo tempo muito carismático, simpático”.
O ator diz ter se surpreendido com as contradições de Vargas. “É o homem que rasgou duas Constituições, mas que, naquele momento, queria vencer suas batalhas de outra maneira. O ato extremo tem a ver com isso.”
O Getúlio de Tony é um homem mais introspectivo, uma “raposa política que gostava de comentar ao pé do ouvido”.
“Ele era um homem teatral na hora de ir ao palanque, mas em reuniões tinha um olhar profundo e fixo, e não aquele olhar perdido, que vira para todos os lados.”
Drica Moraes vive Alzira (1914-1992), filha confidente e assessora política de Vargas.
“Depois que Getúlio perdeu um de seus filhos, a mulher dele se afastou pela depressão e foi a filha quem tomou o lugar da mãe, como se cuidasse do pai”, conta a atriz, que tem papel relevante na história.
Alexandre Borges ficou com o personagem de Carlos Lacerda (1914-1977). “As pessoas diziam que eu seria o vilão. Ele carrega esse estigma porque os ataques que fazia a Getúlio eram muito veementes. Mas não é vilão”, diz.
CLIMA PESADO
Dois herdeiros de Vargas e de Lacerda, Edith Vargas da Costa Gama (neta de Getúlio) e Sebastião Lacerda (filho de Carlos), ambos com 71 anos, concordam em um ponto: o longa retrata bem o clima pesado daqueles dias.
“Padecemos naquele período com todas aquelas agressões pessoais. A polarização espirrava até na escola”, diz Edith, arquiteta aposentada. “Minha situação era de perplexidade: foram dias extremamente tensos”, diz Sebstião Lacerda, que é editor.
Para ele, faltou aprofundar um pouco o personagem de seu pai no filme.
“Não chega a vilanizar Lacerda, mas podia explicar melhor para não parecer que ele gratuitamente se tornou inimigo de Getúlio.”
Edith, que passava fins de semana no Catete, viu o filme em sessão especial. Segundo ela, a obra retrata de forma fiel o isolamento do avô e o laço dele com Alzira. “Mas não faz cabeça. Cada um fará uma leitura de Getúlio conforme suas pré-formulações.”
Fonte: Folha de São Paulo