Utilizada como centro clandestino de tortura e morte, na época da ditadura militar, a Casa Azul foi o destino de muitos guerrilheiros que atuaram no Araguaia e também de camponeses
Às margens da Rodovia Transamazônica, em Marabá, no Pará, um local guarda histórias que muitos moradores da cidade nunca ouviram falar. O nome Casa Azul pode até parecer um título de contos infantis, mas em nada combina com os horrores vividos por quem passou pelo local na década de 70.
Utilizada como centro clandestino de tortura e morte, na época da ditadura militar, a Casa Azul foi o destino de muitos guerrilheiros que atuaram no Araguaia e também de camponeses. Para dar um ar de legalidade e evitar desconfianças, lá funcionava também o extinto Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER). Hoje o local abriga a sede do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).
Em um imenso quintal cheio de árvores e sombras, o lugar é um complexo de pequenas casas espalhadas em um terreno. Uma, especificamente, foi apontada por sobreviventes como o local da maioria das torturas. Ela estava abandonada e lacrada quando, na segunda quinzena de setembro, a Comissão Nacional da Verdade foi a Marabá fazer uma de suas últimas diligências na região do Araguaia. Foi preciso arrombar o portão de grades para entrar. A poeira e as teias de aranha nas janelas azuis dividiam espaço com entulho em alguns cômodos.
Depois de décadas, Raimundo de Sousa Cruz, mais conhecido como Barbadinho, entrou novamente nas salas em que levou choques elétricos, tapas e chutes. Acompanhando a Comissão, o senhor de 84 anos que era dono de uma pequena mercearia se emocionou. Na época, Barbadinho não sabia direito porque apanhava, mas quando foi questionado pelos militares, confirmou ter conversado com pessoas que o regime classificava como terroristas. “Eu levei choque demais ali. Empurrão, ponta pé. Eles perguntavam se eu conhecia alguém. Eu dizia: ‘conheci sim’. Aí eu contei a história de seis horas da manhã até onze e meia da noite”. Dentro da pequena sala, ele tremia, e a voz ficava embargada.
A psicóloga da Comissão Estadual da Verdade do Pará, Jurelda Guerra, explica que a reação de Barbadinho é comum. Segundo ela, todos os torturados – a maioria senhores com mais de 70 anos – apresentam sintomas parecidos, por causa dos traumas físicos e psicológicos. “Medo, sonhos na madrugada, sonhos assim com terror. Acordam com taquicardia. Acordam com medo, muito choro.Todos eles choravam ao falar. O sentimento de desesperança pode ser uma consequência da depressão. Todos têm uma melancolia, todos têm uma tristeza, um sentimento de impotência”, ressaltou.
Apesar de as vítimas apresentarem dificuldades para expor o que passaram na Casa Azul, o coordenador da Comissão Nacional da Verdade, Pedro Dallari, ratifica a importância do ritual. “A presença da Comissão Nacional da Verdade em locais onde houve graves violações de direitos humanos, é muito importante porque estimula os testemunhos, os depoimentos tanto de vítimas, como de agentes. E isso forma a convicção da comissão”, destacou.
Barbadinho não foi o único a entrar na casa novamente. Outras vítimas e até um soldado recrutado pelo Exército resolveram voltar lá e contar o que passaram no lugar classificado por eles como casa dos horrores.
Fonte: Agência Brasil