O projeto de lei complementar do governo que regulamenta o trabalho de motoristas de aplicativos (PLP 12/24) causou polêmica em debate no Plenário da Câmara dos Deputados, que foi transformado em comissão geral nesta quarta-feira (17) para discutir a proposta.
Centenas de motoristas de aplicativo estiveram na Câmara para acompanhar o debate, mas apenas 100 puderam ingressar no Plenário.
O debate foi pedido pelo coordenador da Frente Parlamentar em Defesa dos Motoristas de Aplicativos, deputado Daniel Agrobom (PL-GO).
O deputado celebrou a retirada da urgência do projeto, pois o tema trancaria a pauta de votação do Plenário da Câmara a partir do dia 20. No entanto, foi feito acordo com o governo para que o texto seja previamente analisado nas comissões de Trabalho, Indústria e Comércio e Constituição e Justiça, com prazo máximo de 20 dias em cada colegiado, totalizando 60 dias.
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O PLP 12/24 é resultado de um grupo de trabalho que funcionou durante dez meses com a participação de representantes do governo, dos trabalhadores e das empresas. Agrobom reclamou que requisitou a participação nesse grupo de trabalho, mas não foi atendido.
Proposta alternativa
Segundo Daniel Agrobom, a proposta do governo não atende à categoria e confere muitos poderes às empresas. “A legislação apresentada traz que os motoristas são autônomos, porém confere poderes às plataformas de punir, dispensar, disciplinar, controlar ofertas, estipular preços. Nesse texto, os motoristas não serão autônomos e não terão direitos, passando a ser subordinados”, afirmou.
Além disso, o parlamentar defende a remuneração não por hora trabalhada (R$ 32,10 por hora), como prevê o projeto do governo, mas por km rodado. Para ele, o PL 536/24, formulado pela frente que coordena, é uma proposta mais benéfica para os motoristas. De acordo com esse texto, o motorista teria que receber R$ 1,80 por km rodado e R$ 0,40 centavos por minuto, enquanto o cálculo não fosse aprovado localmente.
Governo defende texto
O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, participou de audiência pública na Comissão de Trabalho e frisou que o projeto é fruto da negociação entre empresas e trabalhadores. Ele pediu que o projeto seja lido, antes de criticado.
“Peço encarecidamente para a gente olhar o conteúdo do PL, porque eu tenho debatido com trabalhadores, grupos pequenos, para entender um pouco qual a resistência. Compreendi que ela vem pela desinformação e a nossa incapacidade, do governo, de comunicar corretamente qual o conteúdo do projeto para o conjunto da sociedade, em particular para os motoristas”, afirmou Marinho.
Na comissão geral, o secretário-executivo do ministério, Francisco Macena da Silva ressaltou que a proposta traz transparência para o trabalhador, conforme reivindicado pela categoria.
“O projeto de lei prevê que as empresas têm que entregar um extrato para o trabalhador, e ao final do mês ele vai saber exatamente quanto tempo trabalhou, qual foi a remuneração que ficou com ele, qual foi a remuneração que ficou com a empresa, qual foi a tarifa cobrada”, destacou.
Ele também ressaltou a inclusão, na proposta, da contribuição previdenciária para os trabalhadores, o que hoje não é obrigatório. O texto institui contribuições previdenciárias dos motoristas e das empresas operadoras de aplicativos, equivalentes a 7,5% (motoristas) e a 20% (empresas) do salário de contribuição (R$ 8,03/hora).
Atualmente, o motorista de aplicativo que quer algum benefício previdenciário tem que pagar o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) como Microempreendedor Individual (MEI), com contribuição de 5% sobre os ganhos. Porém, essa contribuição não é obrigatória.
Representante dos motoristas aponta benefícios
Presidente do Sindicato dos Motoristas de Aplicativos do Estado de São Paulo, Leandro Medeiros participou do grupo de trabalho que formulou o texto e defendeu a melhora da proposta do governo no Parlamento por meio da apresentação de emendas.
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Representantes de outras federações e associações de motoristas, porém, rejeitaram o PLP 12, argumentando que não participaram do grupo que discutiu a proposta e não se sentem representados pelo sindicato.
“Temos mais de 20 mil processos contra essas plataformas por desligamento, e todos os que falam mal do PLP, quando estão bloqueados, vão procurar o sindicato, e o sindicato representa sim a classe trabalhadora, porque faz parte da Constituição”, rebateu Medeiros.
Ele argumenta que o projeto traz diversos benefícios para o trabalhador, como seguridade social, acordo coletivo e participação do trabalhador em assembleia para defender os próprios direitos. Enquanto ele falava, diversos trabalhadores ficaram de costas nas galerias do Plenário.
Melhorias na proposta
Já o deputado Merlong Solano (PT-PI) apoiou a proposta do governo embora acredite que possa ser melhorada. “Jornada de trabalho definida, mínima e máxima, salários incluindo custos, remuneração, previdência social mediante contribuição do trabalhador de 7,5% e da empresa de 20%”, citou como pontos positivos.
Ele observou que, na proposta do deputado Daniel Agrobon, a contribuição começa em 5%, mas pode chegar a 20%.
Porém, o projeto recebeu críticas dentro do próprio PT. A deputada Dandara (PT-MG), por exemplo, criticou a base salarial prevista e observou que existem entendimentos múltiplos dentro da própria categoria, que devem ser ouvidos na Câmara.
“Não podemos considerar a hora trabalhada, o pneu rodando, não podemos considerar R$ 32 quando temos uma diversidade de ganhos no país que é muito grande”, afirmou.
“Não é o suficiente colocarmos a contribuição previdenciária de 7,5%, já que hoje grande parte dos motoristas estão cadastrados como MEI e contribuem com 5%. É fundamental que haja um debate do valor a ser contribuído”, acrescentou.
Ela defendeu a inserção na proposta de um dia de folga remunerado e de décimo terceiro salário.
Presidenta do Sindicato dos Motoristas de Aplicativos do Rio Grande do Sul, Carina Trindade observou que somente 23% dos trabalhadores hoje têm MEI, e, desses, 40% não pagam o MEI em dia e estão desprotegidos.
“O MEI não dá direito ao auxílio acidente. E o que está previsto no PLP 12 é o auxílio acidente. Isso é muito importante para uma categoria que roda 10, 12, 14 horas por dia, como eu rodo, suscetível a acidente e assalto”, afirmou.
Conforme ela, quase 500 motoristas foram assassinados nos 10 anos que as plataformas funcionam no país. Ela lembrou que um trabalhador sem Previdência, quando morre, deixa a família sem nada e acusou as associações de motoristas de não dialogar com os sindicatos.
Visão das empresas
Presidente da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia, que reúne empresas do setor, André Porto participou do grupo de trabalho que formulou a proposta e acredita que o projeto está equilibrado e merece ser discutido pelos deputados.
Para as empresas, uma das reivindicações é a segurança jurídica e o tratamento das plataformas como intermediadoras, o que também estaria contemplado no projeto.
“Vamos defender a construção de uma regulamentação que garanta flexibilidade, garanta autonomia dos trabalhadores, traga segurança jurídica, a efetiva inclusão previdenciária dos trabalhadores, sejam eles motoristas ou trabalhadores, e a neutralidade competitiva”, disse
Outras críticas
Na visão do deputado Glauber Braga (Psol-RJ), um projeto positivo para os trabalhadores vai gerar rejeição das empresas, e não apoio.
O procurador do Trabalho Renan Kalil manifestou preocupação. “Alguns conceitos apresentados não são adequados e estão distantes da realidade”, disse, citando, por exemplo, a definição de plataforma contida no projeto.
Professor da Universidade Estadual de Campinas, Ricardo Luiz Antunes considera o PL um grave erro. “Quando se olha a diretiva europeia que acabou de sair, há um mês e pouco atrás, regulando a situação de trabalho na Europa, a orientação é os trabalhadores e trabalhadoras devem ser entendidos como empregados e empregadas, e não autônomos”, citou, entre as críticas.
Fonte: Agência Câmara de Notícias (editado)
Foto: Bruno Spada/Agência Câmara