Homenagem à Guarino Fernandes do Santos marca Dia da Luta Operária em SP

O centenário de Guarino Fernandes dos Santos (1925-1988), que será celebrado no dia 26 de julho deste ano, foi objeto de uma homenagem nesta quarta-feira (09), em São Paulo, prestada pelo movimento sindical durante cerimônia de comemoração do Dia da Luta Operária.

Histórico dirigente sindical ferroviário, Guarino foi vereador por Sorocaba e deputado estadual eleito em 1964, mas cassado pelo regime militar antes da posse. O evento reuniu centenas de lideranças sindicais, familiares e personalidades que fizeram história na defesa dos trabalhadores do Brasil.

Luiz Carlos Prates, o Mancha, ficou encarregado de entregar a placa em homenagem a Guarino. Em sua fala, destacou liderança do histórico líder sindical na luta não só pela categoria que representava, mas pelos direitos de todos os trabalhadores.

“Guarino foi presidente da União dos Ferroviários da Sorocabana, em um momento em que as estradas de ferro tinham um papel fundamental na economia do país, e os ferroviários exerciam um papel de vanguarda nas lutas daquele período. Guarino foi um desses lutadores que impulsionou essa resistência”, recordou.

“Era um dirigente comunista, foi vereador na cidade de Sorocaba e eleito deputado estadual — mas não conseguiu tomar posse, pois foi cassado antes da cerimônia. Depois, sofreu todo o processo de perseguição por parte da ditadura até 1987, perseguido pelo regime por sua luta em defesa dos ferroviários e de todos os trabalhadores”, acrescentou Mancha.

Emoção e legado

Filho de Guarino e presidente da CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros) e do Sindpd-SP (Sindicato dos Trabalhadores em Tecnologia da Informação de São Paulo), Antonio Neto recebeu a homenagem e, emocionado, lembrou sobre como a atuação de seu pai como sindicalista marcou sua vida desde criança, no contexto de perseguição política da ditadura militar.

“Falar do Guarino, para mim, é um pouco difícil. Guarino foi um cara que eu perdi muito cedo. Ele morreu com 63 anos. Na minha família, éramos seis filhos. Ele foi caçado em 64, eu tinha 11 anos de idade. As pessoas atravessavam a rua porque estava lá ‘o filho do comunista, estava lá o comunista’ — era a sociedade com medo da ditadura. E em Sorocaba, onde a maçonaria era muito forte, havia muita perseguição à luta da classe operária”, contou.

Para além da experiência pessoal, Neto pontuou como o legado Guarino marcou também o movimento sindical, e falou como as lutas do passado devem servir de inspiração no presente, com os sindicatos e os direitos dos trabalhadores ainda sob constante ataque.

“O Guarino foi um símbolo fantástico. A última greve dos ferroviários — pesquise na internet — durou muitos dias, foram 18 dias parados, e paralisou 100% dos trens da antiga Estrada de Ferro Sorocabana, na luta por melhores condições de trabalho, por salários dignos, por respeito à classe operária. Sem contar as centenas de greves de solidariedade, algo que os comunistas, os trabalhadores, os sindicalistas tinham naquela época pré-64: quando uma categoria entrava em luta, os outros vinham em solidariedade”.

Para o presidente da CSB e do Sindpd, o principal ensinamento deixado por seu pai na luta sindical é a importância de se construir pontes e buscar unidade em torno do bem comum dos trabalhadores. Este princípio inspirou a criação do Fórum das Centrais Sindicais, que reúne todas as principais centrais sindicais do país para lutarem juntas por pautas comuns como a redução da jornada de trabalho e a taxação dos super-ricos.

“É importante recuperar aqui a história de lutadores como esses que vimos passar por aqui. Para nós, é profundamente honroso estarmos juntos e homenagear meu pai. Quero dizer a vocês que o legado que o Guarino deixa é muito importante para a classe operária. É o legado de quem construiu unidade, quem construiu pontes. E é isso que, felizmente, como muito bem lembrou o Patah (Ricardo Patah, presidente da UGT], as centrais sindicais estão fazendo hoje em dia, com o Fórum das Centrais, na tentativa de unificar aquilo que alguns anos atrás era praticamente impossível”, afirmou.

“O que estamos vendo hoje aqui — as centrais sindicais juntas, organizando e ajudando a homenagear lutadores da história da classe operária e companheiros que deram contribuições fantásticas para a vida de todos os trabalhadores do Brasil — é motivo de orgulho”, acrescentou.

Homenagem em vida

O evento também concedeu o Troféu José Martinez à socióloga Heloísa de Souza Martins, ex-diretora técnica do Dieese, e a Almino Alfonso, ex-deputado federal e ministro do Trabalho durante o governo de João Goulart. Cassado pelo golpe militar, viveu no exílio na Iugoslávia, Uruguai, Chile, Peru e Argentina, retornando ao Brasil em 1976. Aos 96 anos, Almino compareceu à cerimônia para receber a homenagem que encerrou o evento.

“A gripe não pôde impedir-me a alegria de vir e viver esta circunstância que estou vivendo. Até a última hora, ontem à noite, eu me dizia: ‘É legítimo que, aos teus 96 anos, tenhas o direito de recusar uma reunião, por mais agradável ou importante que seja, em favor de alguns momentos de tranquilidade’. Mas hoje acordei com o telefone tocando. Já me estavam marcando a hora, e um cidadão me esperava na porta da casa em que moro. ‘Estás desgraçado, não tem jeito’”, brincou.

Em sua fala ao receber a homenagem a seu pai, Antonio Neto fez questão de destacar também a trajetória de Almino – amigo de Guarino – e celebrou a oportunidade de honrá-lo ainda em vida.

“Fico muito feliz com eventos como esse, que reconhecem a luta e a trajetória de companheiros que já partiram, mas principalmente por reconhecer em vida companheiros que estão e estiveram à frente da luta, como é o caso do nosso companheiro Almino Afonso, que era amigo do Guarino, nosso amigo de muitos anos, ministro do Trabalho, deputado federal, secretário de estado — tantas outras virtudes e qualidades que nos honram tê-lo presente. Esta homenagem em vida para você, Almino, é uma honra muito grande para mim, no dia em que homenageamos o Guarino, seu companheiro de muitas lutas, e também em homenagear você neste dia. Um prazer e uma honra”, falou Neto a Almino.

O ex-ministro agradeceu a homenagem e se mostrou emocionado com a ocasião. “Como eu teria sido uma figura sem imaginação na vida se tivesse ficado em casa? Como me sentiria se pudesse antever o que vi e vivi aqui e não tivesse vindo? Pois devo confessar, com absoluta honradez, que esta tarde — esta manhã — foi tão espetacular, tão comovente para qualquer pessoa que tenha alma, que seria uma pena tê-la perdido”, disse.

Antonio Neto com a placa em homenagem a Guarino e ao lado de Almino Afonso

Sobre o evento

A cerimônia também celebrou os 70 anos de fundação do Dieese e os 40 anos da campanha salarial unificada de 1985, que conquistou a redução da jornada para 44 horas semanais – posteriormente incorporada à Constituição Federal de 1988.

Entre os homenageados in memoriam estavam ainda nomes como Newton Cândido (metalúrgicos), Arcênio Rodrigues da Silva (Oposições Sindicais) e Luiz Tenório de Lima (fundador do Dieese).

O Troféu José Martinez faz referência ao sapateiro anarquista morto durante a Greve Geral de 1917. A data foi instituída como Dia da Luta Operária pela lei municipal 16.634/17, de autoria do então vereador Antonio Donato, hoje deputado estadual.

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