Relações trabalhistas mais frágeis não vão resolver estragos da pandemia, dizem especialistas
Diversos relatórios internacionais apontavam crescimento expressivo das áreas ligadas à tecnologia da informação e algumas dessas mudanças já acontecem no Brasil, ainda que de forma mais lenta, dada a falta qualificação para as áreas mais demandadas, diz Janaína Feijó, pesquisadora da área de Economia Aplicada do FGV/Ibre (Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas).
“O Brasil continua tendo um mercado de trabalho fragilizado, e a retomada após o baque causado pela pandemia tem se dado pela volta do trabalho informal e a manutenção do desemprego elevado. Embora a desocupação deva cair aos poucos, o quadro ainda é muito preocupante”, diz.
Segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, a desocupação do trimestre encerrado em novembro era de 11,6%. A taxa teve uma leve queda, mas os dados também mostram que a renda real dos trabalhadores voltou a cair na média, para R$ 2.444.
Feijó colaborou em um estudo publicado no ano passado, que avaliou as ocupações que devem emergir nos próximos anos. Pelo levantamento, a classificação “Outros Vendedores”, que inclui vendedores remotos, a domicílio e por telefone, deve mais que dobrar entre 2019 e 2029, passando de 3,27% dos postos de trabalho para 11,84%.
Por outro lado, é esperada uma leve queda entre os vendedores de lojas físicas (de 7,43% para 7,1%) e de trabalhadores domésticos e auxiliares de limpeza em escritórios (de 7,85% para 5,68%).
“A tecnologia traz novas oportunidades de ocupações e a tendência é crescer a demanda por trabalhadores na chamada economia verde, na engenharia e na computação em nuvem. O país precisa, no entanto, estar pronto para aproveitar isso”, diz Feijó.
Para reverter a perda de postos de trabalho, seria preciso um investimento por parte das empresas em atualizar quem já está empregado, um esforço do sistema de ensino para treinar as novas gerações e políticas públicas para requalificar os atuais desempregados, resume o professor do Insper Sergio Firpo.
PRESSÃO NA JUSTIÇA DEVE CRESCER E REFORMA ENTRA NA MIRA
Além dos desafios impostos pela pandemia, com a proximidade da eleição também ganha força uma possível revisão de trechos ou mesmo revogação da reforma trabalhista aprovada pelo governo de Michel Temer (MDB) em 2017.
Segundo as entidades sindicais laborais, as mudanças feitas na CLT, flexibilizaram contratações, mas também aumentaram a vulnerabilidade dos trabalhadores.
“A legislação favorece uma precarização e não sabemos a dimensão dos impactos da pandemia”, diz o sociólogo do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) Clemente Ganz Lúcio.
Ele diz que o aumento esperado do número de trabalhadores por aplicativo e novas modalidades de trabalho virtual que devem surgir também vão demandar um reforço das regras. “No governo atual, não há chance de revisar essa agenda, mas o próximo deve criar um sistema de proteção universal.”
A pandemia também deve gerar maior pressão por processos trabalhistas. Segundo o TST (Tribunal Superior do Trabalho) foram julgados de março de 2020 a setembro de 2021 mais de 523 mil processos —alta de 24,5%.
Para o professor de direito Ricardo Calcini, a legislação atual não estava preparada para a pandemia. “As próprias medidas provisórias que foram criadas no período aumentaram as demandas na Justiça e houve um crescimento da litigiosidade de temas, como o teletrabalho e doenças do trabalho.”
Segundo pesquisa exclusiva da GPTW, a pandemia, de fato, modificou a percepção que os trabalhadores têm de seu ambiente profissional. A saúde mental passou a ser mais importante para 80% dos entrevistados, ao mesmo tempo 52,8% disseram que a política de benefícios da empresa não sofreu alterações.