Central dos Sindicatos Brasileiros

Medida provisória cria trabalhador de ‘segunda classe’, reduz hora extra e atrasa aposentadoria

Medida provisória cria trabalhador de ‘segunda classe’, reduz hora extra e atrasa aposentadoria

Uma Medida Provisória (MP) repleta de emendas pode cortar proteções trabalhistas, reduzir a renda dos trabalhadores, criar categorias de empregados de “segunda classe” e atrapalhar a fiscalização de escravidão contemporânea caso sua conversão em lei seja aprovada pelo Congresso em votação prevista para esta terça-feira 3 à tarde. Enquanto isso, as atenções do país estão voltadas às polêmicas presidenciais sobre o voto impresso, a volta aos trabalhos da CPI da Covid e as Olimpíadas.

Os “jabutis” (como são chamadas as emendas estranhas ao tema principal do projeto, inseridos no relatório final do deputado Christino Áureo (PP-RJ), transformam a MP 1045 em uma minirreforma trabalhista – prejudicial aos empregados.

Repórter Brasil apurou que muitas das propostas foram costuradas com o relator pelo Poder Executivo, por meio de representantes do então Ministério da Economia, que hoje migraram para o novo Ministério do Trabalho e Previdência.

Editada pelo governo federal no final de abril, a medida autorizou a suspensão de contratos e redução da jornada de trabalho (com redução salarial) como forma de tentar ajudar as empresas em tempos de pandemia do novo coronavírus. Já foi prorrogada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e precisa ser votada pelos deputados federais para ser convertida em lei antes de perder a validade, em 9 de setembro. O relatório está pronto para votação no Congresso e é considerado prioridade pelo Executivo, tanto que entrou na agenda da primeira sessão após o recesso.

Contudo, os “jabutis” inseridos pelos deputados na MP 1045 são rechaçados por sindicatos, auditores fiscais do trabalho, magistrados e pelo Ministério Público do Trabalho, que divulgou na última sexta-feira (30 de julho) um documento assinado por 17 procuradores, entre eles o procurador-geral José de Lima Ramos Pereira, destacando a inconstitucionalidade de diversos pontos do relatório.

“As reduções de direitos previstas, como a possibilidade de firmar contratos civis e sem garantias trabalhistas e previdenciárias, podem aumentar muito os riscos de superexploração dos trabalhadores”, afirma o procurador do trabalho e vice-coordenador nacional da área de combate à escravidão do MPT, Italvar Medina, que é um dos signatários do documento.

“Há uma busca pela precarização do vínculo [trabalhista]. Vários países tentaram esse caminho e em nenhum lugar significou aumento do emprego e da remuneração das pessoas”, afirma o auditor fiscal do trabalho, Luiz Scienza, presidente do Instituto Trabalho Digno, entidade que reúne auditores dedicados ao estudo e pesquisa do trabalho decente.

As Centrais Sindicaistambém repudiam as modificações trazidas no relatório. Os representantes sindicais se reuniram com o relator, mas não conseguiram sensibilizar o deputado, que faz parte da base de Jair Bolsonaro.

“Estão institucionalizando o sub-emprego, é a volta da escravidão. Daqui a pouco vão acabar com a tradicional carteira azul dizendo que querem acabar com os privilégios.”

Procurado, o relator da MP, deputado Christino Áureo, não quis conceder entrevista.

Na justificativa do relatório, ele escreveu que: “a urgência e relevância justificam-se pela necessidade de reação do Poder Público diante da nova onda de contaminações que impediu a retomada completa das atividades econômicas, cenário em que o Novo Programa Emergencial é essencial para a sobrevivência das empresas e dos empregos, assim como para a manutenção da renda dos empregados”.

Confira as principais mudanças que podem prejudicar os trabalhadores:

Trabalhador de ‘segunda classe’ sem contrato e sem direitos

As centrais sindicais denunciam que a criação do Regime Especial de Trabalho Incentivado (Requip), defendida pelo governo, estabelece uma espécie de trabalhador de “segunda classe”, sem contrato de trabalho e, portanto, sem direitos (como férias, FGTS, contribuição previdenciária, entre outros). O Requip é destinado para quem não tem vínculo com a Previdência Social há mais de dois anos, trabalhadores de baixa renda que foram beneficiados com programas federais de transferência de renda e jovens com idade entre 18 e 29 anos.

A síntese do Requip é a prestação de serviços ou trabalho eventual associado à formação profissional, com assinatura de um termo de compromisso, mas sem caracterizar relação de trabalho. Os pagamentos ao profissional são chamados de Bônus de Inclusão Produtiva (BIP) e de Bolsa de Incentivo à Qualificação (BIQ).

“Esta modalidade de trabalho, Requip, ficará completamente à margem da legislação trabalhista, já que não haverá vínculo empregatício; não haverá salário, mas apenas o pagamento de ‘bônus de inclusão produtiva’ (pago com recursos públicos) e de ‘bolsa de incentivo à qualificação’; não haverá recolhimento previdenciário ou fiscal; não haverá férias, já que trabalhador terá direito apenas a um recesso de 30 dias, parcialmente remunerado; o vale-transporte também será garantido apenas parcialmente”, informa nota da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente do MPT.

“Embora o objetivo ‘social’ do programa seja relevante, trata-se de um programa que promove a exploração da mão de obra, subvertendo o direito ao trabalho assegurado como direito social pela Constituição”, afirma análise do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

Em abril, quando a MP 1045 foi discutida, o Ministério Público do Trabalho condenou o essa proposta: “Trata-se assim de uma modalidade de trabalho altamente precarizada, que criará uma espécie de ‘trabalhador de segunda classe’”. Em nota, o MPT destacou que não há nenhum mecanismo na MP para evitar que empregados atuais, contratados pelas regras vigentes, sejam substituídos pelos trabalhadores admitidos via Requip.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais (Contar) manifestou preocupação com o Requip, pois entende que pode ser um caminho para “legalizar a informalidade” do trabalhador do campo.