Trabalhador americano custa bem mais que o brasileiro e tem direitos sociais

Segundo a notícia que foi publicada em um grande jornal no início de outubro de 2017, investidores dos EUA estariam decepcionados com a “reforma trabalhista”, pois a lei brasileira continua garantindo direitos como a irredutibilidade dos salários e a licença-maternidade paga.

Brasil e EUA garantem um salário mínimo para todos os trabalhadores, ou seja, um piso de pagamento de salário que nenhuma empresa pode romper em nenhuma circunstância.

No Brasil, o salário mínimo está previsto na Constituição e é estabelecido por lei federal, podendo cada Estado estabelecer pisos por categorias profissionais superiores ao mínimo nacional. Nos EUA, lei federal garante um salário mínimo nacional, mas leis estaduais e municipais podem prever um salário mínimo maior (site do Ministério do Trabalho dos EUA).

A notícia afirma que a impossibilidade de reduzir salários “não é capitalista”, mas esquece de mencionar que nos EUA, país condutor do livre mercado, vários Estados recentemente aprovaram leis aumentando o valor do salário mínimo até 2021.

A partir de um movimento social crescente em defesa de um mínimo de 15 dólares por hora, diversas legislaturas estaduais aprovaram reajustes com esse objetivo, valor que será o maior piso do mundo.

Para se ter uma ideia, os 15 dólares valerão para a cidade de Nova Iorque já em 2018, espalhando-se para o resto do Estado progressivamente até 2021, de acordo com a informação do Departamento de Trabalho do Estado de Nova Iorque.

O Brasil, por sua vez, aumentou o valor do salário mínimo 77% acima do valor da inflação de 2002 a 2016, numa tentativa de retomar o seu poder de compra e promover um mínimo de dignidade aos trabalhadores (dados do DIEESE). Mesmo assim, o valor atual é de 4,26 reais, que equivale a 1,36 dólares (cotação de fechamento do dólar comercial em 04/10/2017, conforme Banco Central do Brasil), 11 vezes menor do que o salário mínimo dos EUA.

Em termos de poder de compra, a diferença é igualmente abissal: segundo o Índice Big Mac da revista The Economist, o sanduíche custa 5,30 dólares nos EUA e 5,10 dólares no Brasil. Assim, um trabalhador brasileiro com vontade de comprar um lanche precisa trabalhar quase quatro horas, enquanto o norte-americano precisará de pouco mais de 20 minutos.

Existe o mito de que o trabalhador brasileiro custa bem mais do que o do resto do mundo, mas uma análise científica mostra que não é assim.

O custo total do trabalhador para a empresa no Brasil varia de 10% a 70% do salário nominal (tributos mais benefícios, conforme estudo do IPEA de 2006), enquanto nos EUA só os encargos (tributos) sobre o salário chegam a 30%, enquanto benefícios como plano de saúde e aposentadoria acrescentam de 25% a 40%.

Segundo dados do governo norte-americano, o custo médio de um trabalhador lá é de 43,6% do salário nominal, considerando encargos sociais e benefícios do empregado. Ou seja, o custo percentual do trabalhador brasileiro sobre o salário nominal está dentro da média dos EUA, a primeira economia do mundo.

Na prática, o custo do trabalhador no Brasil, a 9ª economia do mundo, é bem menor do que o do americano, pois os salários pagos aqui são extremamente baixos: o salário mínimo é um salário ínfimo.

Nas entrelinhas, a notícia também critica a licença-maternidade paga, ou seja, o período em que a trabalhadora ou o trabalhador fica em casa, recebendo salário, para cuidar do filho recém-nascido ou adotado.

O Brasil concede 120 dias, podendo chegar a 180 se houver adesão expressa da empresa a um programa público de dedução de impostos. Já os EUA são o único país desenvolvido que não têm uma lei nacional garantindo o benefício, figurando ao lado de Tonga, Suriname e Papua Nova Guiné, enquanto Cuba, Mongólia e Japão estão entre os países que concedem 52 semanas ou mais de licença-maternidade paga.

Para a proteção da vida e da saúde da mãe e do bebê, a Convenção 183 da Organização Internacional do Trabalho (não ratificada pelo Brasil) recomenda um mínimo de 14 semanas para a licença-maternidade paga.

Como 23% das trabalhadoras norte-americanas tiram menos de duas semanas de licença, os EUA têm o maior índice de mortalidade infantil dentre os 27 países mais ricos, o que é considerado uma “vergonha”. Até o Presidente Trump está propondo a criação da licença por lei federal para tentar remediar o problema.

A “reforma trabalhista”, apesar de concebida para destruir o sistema de proteção brasileiro, falhou miseravelmente ao não transpor para a lei o discurso dos seus defensores.

A “reforma” é fruto de um discurso arbitrário, sem qualquer fundamento científico, que pretende reduzir o trabalhador nacional a uma espécie de escravo do feitor-empresa. Em pleno 2017, um parlamentar chegou a propor casa e comida como pagamento dos trabalhadores rurais.

Em resumo, o trabalhador brasileiro custa pouco e é mal remunerado, bem menos do que o norte-americano, por exemplo. O país não precisa da “reforma trabalhista” aprovada, mas de uma reforma de mentalidade que concretize os direitos constitucionais e respeite o trabalhador.

Rodrigo Assis Mesquita é Procurador do Trabalho e Mestre em Direito do Estado pela USP.

Fonte: Justificando

Compartilhe:

Leia mais
Lula critica fala de campos neto
Lula critica fala de Campos Neto sobre aumento de salários ser uma "preocupação"
Manifestação contra juros altos 30 de julho
Centrais sindicais farão ato contra juros altos: cada 1% na Selic custa R$ 38 bi ao povo
eduardo leite nova proposta servidores
Governo do RS adia projetos de reestruturação de carreiras de servidores e anuncia mudanças
Grupo de Trabalho estudará impactos da inteligência artificial
Governo cria grupo para estudar impacto da inteligência artificial no mercado de trabalho
GT do G20 sobre emprego em Fortaleza
CSB em reunião do G20: temas discutidos aqui são colocados em prática pelos sindicatos
adolescentes trabalho escravo colheita batatas cerquilho sp
SP: Operação resgata 13 adolescentes de trabalho escravo em colheita de batatas
sindicam-ba filia-se csb
Sindicato dos Transportadores Rodoviários Autônomos de Bens da Bahia filia-se à CSB
Parceria Brasil-EUA contra calor extremo trabalhadores
Parceria Brasil-EUA pelos Trabalhadores e OIT debatem ação contra calor extremo
BNDES abre concurso 2024 veja edital
BNDES abre concurso com 150 vagas e salário inicial de R$ 20 mil; acesse edital
pesquisa jornada flexivel trabalho híbrido
Flexibilidade de jornada é prioridade para 30% dos trabalhadores no Brasil