Reforma oficializa fraude, diz procurador-geral do Trabalho

O procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, durante audiência pública no Senado

reforma trabalhista sancionada pelo presidente Michel Temer nesta quinta (13) beneficia os maus empregadores e institucionaliza fraudes praticadas hoje, na avaliação do procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury.

Ele critica a falta de debate sobre a reforma trabalhista no Congresso Nacional e diz que o Brasil “ainda tem uma cultura escravocrata”.

Para ele, a redução de processos trabalhistas deve se dar pela melhoria na fiscalização. Se isso ocorrer, segundo Fleury, “talvez nem precisasse da Justiça do Trabalho”.

Folha – Por que o MPT pediu ao presidente Michel Temer o veto total à proposta?
Ronaldo Fleury – A tramitação sem a devida discussão mostra que há um deficit democrático no debate. Além disso, todas as propostas ali estão redigidas para beneficiar o mau empregador, sempre deixando margem para uma precarização das relações de trabalho.

Defensores da reforma dizem que haverá redução no volume de ações trabalhistas.
Hoje, se você entra com ação contra a empresa pedindo três horas extras por dia e ganha uma, quem paga os custos processuais é a empresa. Com a reforma, nesse caso, você tem que pagar dois terços das custas.

Das ações trabalhistas, 50% pedem verbas rescisórias. É a empresa que manda embora e não paga porque vale a pena não pagar, economicamente.

Uma empresa que deve R$ 50 mil por verba rescisória espera a pessoa entrar na Justiça e negocia o parcelamento do valor.

Qual é a melhor forma de reduzir a judicialização?
Nossa fiscalização do trabalho é falha. Temos um deficit de um terço de auditores. Se houvesse mais fiscalização, deixariam de descumprir a lei, e aí talvez nem precisasse da Justiça do trabalho.

Na Escócia, por exemplo, o número de ações é muito pequeno. Mas o que acontece se o empregador não pagar o salário? Ele vai preso.

Algum bom exemplo mais próximo à realidade do Brasil?
O Chile. Não pela legislação, mas por uma questão mais cultural. E tem uma fiscalização muito forte. Há uma cultura empresarial não tão exploradora. O Brasil ainda tem uma cultura escravocrata. Fomos um dos últimos países a abolir a escravidão e até hoje a escravidão é uma realidade. Mesmo nos grandes centros, nas grandes empresas, a mentalidade é escravocrata.

Qual é a principal mudança do contrato intermitente?
Você só vai ganhar o tempo que você efetivamente trabalhar. O tempo que você tiver à disposição do trabalhador, sem trabalhar, você não ganha. Se você chegar ao jornal ao meio-dia e só tiver uma pauta às 17h e as 18h você entregar a reportagem, você vai ganhar só de 17h às 18h, mesmo tendo ficado das 12h às 17h à disposição da empresa.

Defensores da reforma dizem que o contrato intermitente ajusta a lei a práticas que já existem.
É o que essa reforma está fazendo: tudo que era feito como fraude está sendo institucionalizado. Poderia ser contratado a um tempo parcial. Em vez de contratar por 44 horas, eu vou contratar a pessoa por 5 horas por semana. Isso é possível desde o fim dos anos 1990.

No Congresso, um dos pontos de discussão foi a limitação, relacionada ao valor do salário da pessoa, para fixar a indenização.
Não existe essa tarifação em nenhuma outra área do direito. Se um trabalhador queima um dedo no McDonald’s, o valor da indenização tem que ser diferente da carrocinha de cachorro-quente. Às vezes, R$ 1.000 para o dono da carrocinha terá um efeito pedagógico muito grande.

O governo faz a reforma sob a perspectiva de modernização. O senhor acha que a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) foi modernizada?
Não. O que está se criando são estruturas legais, fórmulas de trabalho que existiam 200 anos atrás, como a própria jornada intermitente.

O senhor acha que a lei atual precisa ser modernizada?
Acho. Tem coisas que têm que ser modernizadas, como o próprio sistema sindical. A gente precisa fazer uma reforma sindical. Não é só tirar o financiamento do sindicato. O que está sendo feito hoje é o seguinte: agora empresas e sindicatos vão negociar, só que eu tiro o financiamento dos sindicatos.

O senhor é contra retirar o imposto sindical obrigatório?
Dessa forma, sou. É desigualar a relação. Sou contra o imposto sindical, mas eu sou a favor que se tire dentro de uma reforma sindical que, por exemplo, acabe com a unicidade sindical.

O governo fala que a reforma vai servir para gerar emprego. O senhor concorda?
Não gerou em lugar nenhum do mundo onde foi feita, no próprio Brasil, nos anos 1990, foi feita. Não aumentou nenhum emprego. A empregabilidade aumentou nos anos 2000 porque a economia cresceu, houve aumento da demanda chegamos quase ao pleno emprego.

Em vários países foi feita a flexibilização para gerar emprego: Espanha, México. Em todos houve apenas a troca de empregos por alternativos: intermitente, pejotização, terceirização.

O presidente Michel Temer sancionou o projeto de lei que modifica as leis trabalhistas sem nenhum veto. O que o MPT pretende fazer?
Vamos estudar com o procurador-geral da República. Nossa intenção é entrar com uma ação direta de inconstitucionalidade.

Fonte: Folha de S. Paulo

Compartilhe:

Leia mais
Lula critica fala de campos neto
Lula critica fala de Campos Neto sobre aumento de salários ser uma "preocupação"
Manifestação contra juros altos 30 de julho
Centrais sindicais farão ato contra juros altos: cada 1% na Selic custa R$ 38 bi ao povo
eduardo leite nova proposta servidores
Governo do RS adia projetos de reestruturação de carreiras de servidores e anuncia mudanças
Grupo de Trabalho estudará impactos da inteligência artificial
Governo cria grupo para estudar impacto da inteligência artificial no mercado de trabalho
GT do G20 sobre emprego em Fortaleza
CSB em reunião do G20: temas discutidos aqui são colocados em prática pelos sindicatos
adolescentes trabalho escravo colheita batatas cerquilho sp
SP: Operação resgata 13 adolescentes de trabalho escravo em colheita de batatas
sindicam-ba filia-se csb
Sindicato dos Transportadores Rodoviários Autônomos de Bens da Bahia filia-se à CSB
Parceria Brasil-EUA contra calor extremo trabalhadores
Parceria Brasil-EUA pelos Trabalhadores e OIT debatem ação contra calor extremo
BNDES abre concurso 2024 veja edital
BNDES abre concurso com 150 vagas e salário inicial de R$ 20 mil; acesse edital
pesquisa jornada flexivel trabalho híbrido
Flexibilidade de jornada é prioridade para 30% dos trabalhadores no Brasil