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Chávez não é mito, é realidade, analisa Pinheiro Guimarães

Chávez não é mito, é realidade, analisa Pinheiro Guimarães

Hugo Chávez fez uma série de programas importantes para a população pobre. Por isso é admirado. “Mas não é mito. É uma realidade”.

Assim, se a nova liderança venezuelana prosseguir com esses projetos terá a mesma popularidade. Se, ao contrário, tiver uma orientação “mais favorável às elites hegemônicas do país”, vai “perder apoio interno”.

A análise é do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães Neto, 74, ex-secretário-geral do Itamaraty. Para ele, Chávez transformou a Venezuela na economia, na política e no social, deixando um “legado extraordinário”.

Ex-alto representante geral do Mercosul, Guimarães compara Chávez a Getúlio Vargas e condena a expressão populismo –”um termo extremamente equivocado gerado pela academia”. Segundo ele, se é populismo um governante realizar programas que beneficiam a maioria da população, “viva o populismo”.

Folha – Qual o legado de Hugo Chávez?

Samuel Pinheiro Guimarães – É um legado extraordinário. O presidente Chávez promoveu uma verdadeira revolução social na Venezuela. Na América Latina deu apoio aos pequenos países do Caribe em termos de petróleo a preços mais baixos. No caso da América do Sul, deu apoio à Argentina na época da renegociação da dívida, com a compra de títulos. Houve cooperação com os países da região com a proposta de criação do Banco do Sul. E todo o esforço na área da integração energética. Na Venezuela, houve a revolução nas áreas de educação, saúde, habitação, construção de infraestrutura, estímulo à industrialização, aumento da produção agrícola.

Houve essa industrialização?

É um processo em curso, um esforço enorme. Há projetos comunitários na área da construção de habitações populares. E o esforço na erradicação do analfabetismo. A Unesco declarou a Venezuela como um território livre do analfabetismo. Em nível internacional, houve uma atitude de independência e de autonomia diante da pressão de grandes Estados e a uma reorientação das relações internacionais da Venezuela em direção à América do Sul, o que não acontecia no passado. Essas relações eram principalmente com os EUA. Um legado extremamente importante.

Como fica a Venezuela sem Chávez?

Vão se realizar eleições no prazo previsto pela Constituição. O vice-presidente Nicolás Maduro será o candidato natural. O candidato da oposição será o mesmo que enfrentou o presidente Chávez. Nas circunstâncias atuais, é muito provável que o vice-presidente seja eleito.

Haveria, então, uma continuidade nas políticas?

No sistema brasileiro, o vice-presidente também não tem votos independentes. Na Venezuela é um pouquinho diferente, porque o presidente escolhe o vice depois de eleito. Maduro é um companheiro de longa data do presidente Chávez, exerceu diversos cargos. Ser escolhido como vice, já no período da doença do presidente, foi uma indicação clara de que ele seria o sucessor que o presidente Chávez gostaria de ter.

Não haverá mudanças?

É preciso ver um pouco na prática. Vamos supor que as eleições se realizem na Venezuela em breve. Se for eleito o candidato da oposição é uma situação totalmente diferente. Mas a impressão que tenho é que, tendo em vista a própria recente eleição de Chávez em que a maior parte da população lhe deu apoio, as próprias circunstâncias da morte, que geram uma certa comoção, é muito provável que seja eleito o vice Maduro. Aí vai depender de como será a sua orientação. Se a sua orientação for mais favorável às elites hegemônicas do país, ele vai perder apoio interno. Coisa que eu não acredito que ele faça.

Como o sr. analisa a questão do enraizamento do chavismo na sociedade? Há os que dizem que tudo estava muito centralizado na figura do presidente?

As pessoas não têm admiração pelo presidente porque ele tem um determinado aspecto físico. As pessoas reconhecem no presidente a pessoa que executa certas políticas –na educação, na saúde, na habitação, no transporte público. Reconhecem que aquela pessoa incrementou e lutou por esses programas, destinando recursos para eles. Com isso a popularidade do presidente Chávez na Venezuela é extraordinária. Lá o voto não é obrigatório. Nas últimas eleições houve o comparecimento de 88%. Compare isso com outros países, com os EUA. É o desejo da população de votar. Se a nova liderança prosseguir com esses programas, ampliá-los virá a ter a mesma popularidade. Não é a pessoa do presidente Chávez. Isso é uma visão que não é verdadeira. O presidente Lula tem no Brasil a popularidade que tem não é por causa da figura dele. É pelos programas que ele implantou. Queiram ou não queiram as classes hegemônicas.

O mito Chávez vai perdurar?

O povo tende a se lembrar daqueles governantes que fizeram políticas que lhes foram favoráveis. Veja no caso do Brasil com Getúlio Vargas. Pode não ser a opinião da imprensa paulista. Mas o fato é que Getúlio Vargas criou a legislação trabalhista. As mulheres até o governo Vargas não votavam. Houve uma série de políticas. Por isso ele era apreciado. Não porque fosse uma pessoa de baixa estatura, com excesso de peso. Não foi por isso que se criou um mito em torno dele. Porque não há um mito em relação a outros presidentes brasileiros? É porque não fizeram.

O sr. compara Chávez a Getúlio?

Estou dando um exemplo. Estou fazendo uma comparação com pessoas que já passaram. Os programas sociais, a legislação é que fazem com que aja um grande apoio popular a uma liderança. E é o que faz com que, quando ela morre, desaparece, permaneça essa admiração. Com Getúlio Vargas houve o suicídio, que foi uma coisa dramática. É bem diferente de um presidente que faz uma série de programas importantes, mas que depois envelhece e morre normalmente. O presidente Chávez executou uma série de programas extremamente importantes para a população pobre da Venezuela, a maioria da população. Por isso ele tem essa admiração. Mas não é um mito. É uma realidade.

E a questão do populismo? Qual o significado? Ele se enquadra nesse termo?

Populismo é um termo extremamente equivocado gerado pela academia. Inclusive contra o presidente Vargas especificamente. O fato é o seguinte: se uma liderança política, um governante tem apenas promessas retóricas e não as realiza isso seria chamado de populismo. Mas se ele realiza os programas sociais e beneficia a maioria da população e isso é populismo, viva o populismo. É melhor do que programas que beneficiam as elites. Como tivemos tantos durante tanto tempo.

Para a história Chávez fica como um homem que…

Transformou a Venezuela. Exerceu uma política externa independente, de aproximação com os países vizinhos, diminuiu a dependência do petróleo, procurou diversificar sua política externa. Inclusive e principalmente em relação aos países da América Latina. Transformou a Venezuela politicamente, economicamente e socialmente.

Chávez sempre foi uma voz forte contra os EUA. Quem vai assumir esse papel?

Os EUA apoiaram o golpe de 2002. Há fundações norte-americanas que financiam a oposição na Venezuela há anos. Os EUA não negam o seu antagonismo. Não é que Chávez fosse antagônico aos EUA. Chávez nunca procurou promover mudança de governo dentro dos EUA. Nunca financiou movimentos nos EUA. O Estado que está sendo agredido tem que se defender.

Os EUA estão menos intervencionistas na América do Sul?

Hoje em dia os EUA estão num processo econômico interno muito delicado e complexo. Há a questão orçamentária, a falta de acordo entre oposição e governo, a China. São temas de grande amplitude. Os governos progressistas na América do Sul nunca afetam de forma mais profunda os interesses norte-americanos. Isso nunca ocorreu no Brasil, nem na Argentina. E nem na Venezuela. Os EUA são o principal mercado para o petróleo venezuelano. E grande parte das importações da Venezuela vem dos EUA.

As Forças Armadas estão alinhadas com Maduro?

Acredito que sim, como estavam alinhadas com os programas do presidente Chávez. Imagino que, se os programas de Maduro vierem a ser semelhantes, certamente elas estarão alinhadas com ele.

A questão econômica, problemas no câmbio, a excessiva dependência do petróleo não são problemas para a próxima liderança?

A dependência da economia do petróleo é algo histórico. Tem se reduzido. O governo venezuelano vem procurando diversificar as suas exportações de petróleo, para não ficar ligado apenas a poucos clientes. E está tentando diversificar a economia. Dificuldades econômicas estão tendo as economias norte-americana e europeia. [Falam que há] grandes dificuldades econômicas na Venezuela, na Argentina, no Brasil, mas as grandes dificuldades econômicas estão na Europa, nos Estados Unidos. Nós estamos aqui nos auto-flagelando.

Como a morte de Chávez se reflete na Bolívia, no Equador, na Argentina, no Brasil, no Mercosul?

O presidente Chávez tinha relações de cooperação estreitas com esses países. É preciso saber se o novo governo manterá essa mesma política. Se a mantiver, não serão afetados. Não podemos ver a questão só das pessoas, mas sim das políticas. Se as políticas forem mantidas, não há nenhuma razão para efeito negativo. Pelo contrário, será positivo.

Os EUA deverão ter uma política mais agressiva em relação à Venezuela?

Não acredito. Certamente nesse momento, não.

Como o sr. analisa a política no continente?

Rafael Correa obteve uma vitória esmagadora nas eleições. Com observadores internacionais, sem nenhuma acusação de fraude. Na Bolívia, o apoio ao presidente Evo Morales é muito significativo. Os governos progressistas –Venezuela, Equador, Bolívia, Argentina, Brasil– estão numa situação bastante razoável.

Fonte: Folha de S.Paulo