Central dos Sindicatos Brasileiros

Clemente Ganz Lúcio: “A valorização do salário mínimo voltou”

Clemente Ganz Lúcio: “A valorização do salário mínimo voltou”

As Centrais Sindicais fecharam com o presidente Lula e sua equipe, coordenada pelo ministro Luiz Marinho, o acordo que reestabelece volta da política de valorização do salário mínimo (SM). Essa proposta é uma das prioridades da Pauta da Classe Trabalhadora, documento que apresenta mais de 60 propostas para o desenvolvimento do Brasil, para a criação de empregos de qualidade, aumento dos salários, combate às desigualdades, à pobreza e efetiva proteção social, trabalhista e previdenciária para todos.

O Brasil implementou uma política de valorização do mínimo desde o Plano Real e a tornou permanente e regular a partir de 2004, fruto de negociações no 1º governo Lula com as Centrais Sindicais. Esses acordos anuais foram materializados no governo da presidente Dilma por meio da Lei 12.328 de 2011, renovada e em vigor até 2018. O governo Bolsonaro extinguiu essa política.

Desde 2004, a política de valorização assegurou um aumento real de mais de 78%, já descontada a inflação. Do atual valor, cerca de R$ 580,00 correspondem ao aumento real, o que incrementa anualmente em mais de R$ 400 bilhões a massa de rendimentos da economia.

O novo acordo celebrado com o governo contempla a essência da proposta que as Centrais Sindicais propuseram. Este acordo, foi construído depois de muito debate sobre os efeitos econômicos virtuosos e os impactos fiscais para o orçamento público e retoma a política de valorização anterior, ou seja:

  • Aumentou o valor do SM para R$ 1.320,00 desde 1º de maio (aumento real de 2,8%);
  • O mês de janeiro permanece como a data base do reajuste do SM;
  • Reajuste anual pela variação do INPC para repor o poder de compra;
  • Aumento real anual segundo o crescimento da economia correspondente à variação do PIB (Produto Interno Bruto). Neste caso, será usado a última variação definitiva do PIB divulgado pelo IBGE. Em janeiro de 2024 será aplicado a variação do PIB de 2022.

Aplicada essa nova regra, estima-se que o salário mínimo em 1º de janeiro de 2024 será de aproximadamente R$ 1.430,00. Este valor considera um reajuste estimado de 5,23%, percentual usado pelo governo na Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2024, adicionado o aumento real correspondente ao PIB de 2022 de 2,9%.

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Em 1º de janeiro de 2024, comparado ao valor anterior de R$ 1.212,00, o mínimo acumulará um aumento real de 5,8% –que corresponde a cerca de R$ 80,00. Esse valor, aplicado aos 54 milhões que têm remuneração vinculada ao salário mínimo, produz um aumento da massa salarial anual de cerca de R$ 55 bilhões na economia brasileira.

As Centrais Sindicais também apresentaram uma proposta para acelerar o aumento do SM e aproximá-lo mais rapidamente do valor necessário para cumprir os preceitos constitucionais de atender às necessidades básicas do trabalhador e da sua família.

Primeiro, nos próximos 3 anos, implementar o aumento real não aplicado pelo governo anterior de 5,4%. Segundo, considerar um piso mínimo de aumento de 2,4% sempre que o PIB for menor que esse percentual. Apesar de não estarem consideradas neste último acordo, estas propostas continuam na mesa de negociação.

Com a definição dessa nova política de valorização, as Centrais Sindicais pactuam, por meio da negociação com o governo e depois com o Congresso Nacional, o maior acordo salarial do país. Assim, protegendo cerca de 54 milhões de trabalhadores, a maior parte sem a proteção direta de um acordo ou convenção coletiva produzidas pelos sindicatos.

Uma política bem estruturada de valorização do SM proporciona consistência entre o crescimento do agregado econômico e a sua distribuição para a base salarial. O aumento da base salarial fica correlacionado ao incremento da produtividade e é levemente redistributivo. A previsibilidade sobre a formação dos custos do sistema produtivo a partir da base salarial é fortalecida com a antecedência devida e sem surpresas.

Essa política também projeta o incremento da massa salarial, que é base para o consumo das famílias e indicador do potencial da demanda futura para toda a economia. Essas informações permitem ao setor produtivo planejar e sustentar investimentos na produção para atender a demanda. Logo, contribui para a formação de um círculo virtuoso de crescimento econômico de médio e longo prazo sustentado pelo investimento e pelo consumo.

Essa dinâmica virtuosa é incentivo às empresas para o investimento em inovação tecnológica, elementos essenciais –junto com a educação– para o impulsionamento da produtividade do trabalho. Além de orientar a formação da renda do trabalho de milhões de trabalhadores por conta própria, autônomos, cooperados, entre outros. Ao mesmo tempo, eleva a base salarial da economia e atua para diminuir as desigualdades entre os salários.

Sustentando o crescimento econômico, a política de valorização do salário mínimo, abre caminhos consistentes para a criação de bons empregos e postos de trabalho de qualidade.

A valorização da base salarial impacta as regiões com mais trabalhadores que recebem salários referenciados no mínimo como, por exemplo, as regiões Norte e Nordeste. Dessa forma, acaba por reduzir as desigualdades territoriais e regionais. Mulheres, negros e jovens são os que mais têm remuneração vinculada ao mínimo. Valorizá-lo é uma forma de combater as desigualdades de salário entre homens e mulheres, brancos e negros e dar proteção aos jovens que entram no mundo do trabalho.

Com esses efeitos benéficos para a dinâmica econômica e a vida em sociedade, uma política de valorização do salário mínimo é parte essencial de um projeto de desenvolvimento econômico e socioambiental e um ótimo instrumento para o Brasil promover transformações estruturais.

Por Clemente Ganz Lúcio, sociólogo e professor universitário. Foi diretor técnico do Dieese e integrante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.

*Publicado originalmente em Poder360

Foto: José Cruz/Agência Brasil