Brasil está entre países que têm até 4% da população exposta a longas jornadas.
Jornadas de trabalho excessivas estão matando milhares de pessoas por ano, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde).
O primeiro estudo global do tipo revela que 745 mil pessoas morreram em 2016 de derrame e doenças cardíacas relacionadas a longas horas de trabalho.
O relatório mostra que as pessoas que vivem no Sudeste Asiático e na região do Pacífico Ocidental são as mais afetadas.
E a OMS avalia que a tendência pode piorar devido à pandemia do coronavírus.
O Brasil está na faixa de países que têm até 4% da população exposta a longas jornadas de trabalho (55 horas ou mais por semana).
Isso coloca o país entre os menos afetados por jornadas exaustivas do mundo – nos países onde o problema é mais grave, esse percentual chega a atingir mais de 33% da população.
A pesquisa descobriu que trabalhar 55 horas ou mais por semana está associado a um risco 35% maior de AVC (acidente vascular cerebral) e 17% maior de morrer de doença cardíaca, em comparação com uma semana de 35 a 40 horas de trabalho.
O estudo, realizado em parceria com a OIT (Organização Internacional do Trabalho), também mostrou que quase três quartos dos que morreram em consequência de longas jornadas de trabalho eram homens de meia-idade ou mais velhos.
Frequentemente, as mortes ocorreram muito mais tarde na vida, às vezes décadas depois, do que o período em que foram realizadas as longas horas de trabalho.
‘Não vou mais passar o dia todo no Zoom’
Semanas atrás, um post no LinkedIn de Jonathan Frostick, de 45 anos, ganhou ampla repercussão. Ele descreveu como teve uma revelação quanto ao problema das longas jornadas.
O gerente de regulação no banco britânico HSBC havia acabado de se sentar numa tarde de domingo para se preparar para a semana de trabalho à frente, quando sentiu um aperto no peito, uma palpitação na garganta, mandíbula e braço, além de dificuldade para respirar.
“Fui para o quarto para me deitar e chamei a atenção da minha esposa, que ligou para o 999 [equivalente no Reino Unido ao 192 brasileiro, número que deve ser chamado para emergências médicas]”, disse ele.
Enquanto se recuperava de um ataque cardíaco, Frostick decidiu mudar sua relação com o trabalho. “Não estou mais passando o dia todo no Zoom”, diz ele.
A postagem chegou a centenas de leitores, que compartilharam suas experiências de excesso de trabalho e o impacto disso em sua saúde.
Frostick não culpa seu empregador pelas longas horas de trabalho, mas uma das pessoas que respondeu ao seu post escreveu: “As empresas continuam a levar as pessoas ao limite, sem se preocupar com seu bem-estar pessoal.”
O HSBC disse que todos no banco desejam a Frostick uma recuperação plena e rápida.
“Reconhecemos a importância da saúde e do bem-estar pessoal e de um bom equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. No último ano, redobramos nossos esforços em saúde e bem-estar”, afirmou o banco.
“As respostas a essa postagem mostram o quanto o assunto preocupa as pessoas e estamos encorajando todos a fazerem de sua saúde e bem-estar uma prioridade máxima.”
Embora o estudo da OMS não cubra o período da pandemia, especialistas da organização afirmam que o recente avanço do trabalho remoto e a desaceleração econômica podem ter aumentado os riscos associados às longas jornadas de trabalho.
“Temos algumas evidências que mostram que, quando os países entram em lockdown nacional, o número de horas trabalhadas aumenta em cerca de 10%”, diz o técnico da OMS, Frank Pega.
Segundo o relatório, calcula-se que as longas jornadas sejam responsáveis por cerca de um terço de todas as doenças relacionadas ao trabalho, representando o maior peso entre as doenças ocupacionais.
Os pesquisadores afirmam que há duas maneiras pelas quais as longas jornadas de trabalho levam a piores resultados de saúde. Primeiro, por meio das respostas fisiológicas diretas ao estresse. E segundo, porque jornadas mais longas resultam em que os trabalhadores se tornem mais propensos a adotar comportamentos prejudiciais à saúde, como uso de tabaco e álcool, menos horas de sono e exercício, e uma dieta pouco saudável.
Andrew Falls, de 32 anos e engenheiro de campo em Leeds, na Inglaterra, afirma que as longas horas de trabalho em seu emprego anterior afetaram sua saúde mental e física.
“Cinquenta a 55 horas por semana eram a regra. Eu também ficava fora de casa por semanas a fio.”
“Estresse, depressão, ansiedade”, relata. “Eu estava num estado constante de abatimento.”
Depois de cinco anos, ele deixou o emprego para recomeçar como engenheiro de software.
O número de pessoas trabalhando longas jornadas estava aumentando antes da chegada da pandemia, de acordo com a OMS, e era de cerca de 9% da população global total.
No Reino Unido, o Instituto Nacional de Estatísticas Britânico (ONS, na sigla em inglês) mostrou que as pessoas que estavam trabalhando em casa durante a pandemia fazem uma média de seis horas extras não remuneradas por semana.
As pessoas que não trabalhavam em casa fazem em média 3,6 horas extras semanais, segundo o ONS.
Fonte: G1