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Reforma trabalhista causou aumento de casos de trabalho análogo à escravidão, diz pesquisador

Reforma trabalhista causou aumento de casos de trabalho análogo à escravidão, diz pesquisador

O aumento nos casos de pessoas resgatadas de trabalho análogo à escravidão tem uma explicação central: a reforma trabalhista de 2017. Segundo o professor do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho da Unicamp, José Dari Krein, a reforma foi um “divisor de águas” para essa piora. 

Ele conta que o crescimento de pessoas resgatadas nessas condições tem crescido desde 2018, com uma queda apenas em 2020 devido à pandemia de Covid-19, quando denúncias e operações de fiscalização foram reduzidas pelo isolamento social. 

“Embora a reforma não tenha alterado o artigo 149 do Código Penal, que tipifica o crime de trabalho análogo à escravidão, ela indicou duas coisas: afrouxamento da legislação e uma indicação de que, agora, os empregadores teriam um pouco mais de liberdade de estabelecer como manejar a força de trabalho necessária para sua atividade”, explica. 

Segundo a análise do professor, desde então o país passou por um processo político que “revelou” uma parte da elite empresarial que antes temia ser punida.  

“A gente ouve essa fala do vereador de Caxias do Sul [fala xenófoba contra trabalhadores nordestinos] e aquilo é o pensamento médio de uma parte importante de uma elite conservadora empresarial que está muito mais presente no campo do que na cidade”, afirma Krein.

Em 2022, houve um aumento de 233% no número de trabalhadores rurais resgatados de trabalho análogo à escravidão em comparação com 2020. Na cidade, o crescimento foi de 50,8% no mesmo período. Porém, Krein ressalta que os números reais são ainda maiores que os registrados. 

“Os números do Ministério do Trabalho são de pessoas que foram resgatadas. Ou seja, essas pessoas são encontradas se há alguma denúncia do poder público ou Ministério Público do Trabalho. Então, acho que os números podem ser muito maiores nesse contexto.” 

Vulnerabilidade pós pandemia 

Auditor-fiscal do trabalho e chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Maurício Krepsky observa que o aumento da vulnerabilidade social devido à pandemia também contribuiu para a piora nas condições de trabalho. 

Segundo ele explica, a vulnerabilidade tornou mais fácil encontrar pessoas dispostas a aceitar uma proposta de trabalho sem sequer saber informações sobre a remuneração. 

“Se antes eles diziam que deixaram suas cidades para ganhar R$ 2.000 e não receberam nem R$ 500, em 2020 vi casos de ações de campo em que o trabalhador dizia que tinha sido oferecido apenas o trabalho. Ou seja, ele estava aceitando trabalho em outro Estado sem saber sequer ao certo o que ia receber”, conta. 

Os dados do Ministério do Trabalho revelam que 92% das pessoas resgatadas do trabalho escravo em 2022 eram homens, em sua maioria negros (83%) e nordestinos (58%).  

“Esse tráfico de pessoas do Nordeste são aliciamentos justamente de pessoas em maior vulnerabilidade. Os aliciadores sabem exatamente onde encontrar essas pessoas em regiões com déficit de emprego e trabalho decente e passaram a explorar essas pessoas em razão dessa vulnerabilidade”, explica Krepsky. 

O professor da Unicamp lembra ainda que, se não fosse a vulnerabilidade, os empregadores seriam obrigados a oferecer melhores condições de trabalho e conseguiriam contratar pessoas da própria região. 

“Eles conseguem fazer as pessoas se submeterem a condições degradantes de trabalho porque elas não têm alternativa de sobrevivência. Com certeza, se fossem oferecidas melhores condições de trabalho, teria até mesmo gente da região disponível. O problema é que querem pagar muito pouco, gastar nada com o trabalhador e ter uma lucratividade fantástica no curto prazo sem pensar no país ou na sociedade”, critica Krein. 

De acordo com ele, a informalidade e a terceirização possibilitadas pela reforma trabalhista são dois fatores quase sempre observados nos casos de trabalho análogo à escravidão. 

“Isso acontece porque as pessoas não têm alternativa, elas precisam sobreviver, e pelo excedente estrutural de força de trabalho na economia brasileira, o que é um problema muito sério”, finaliza. 

Responsabilização 

Apesar de os trabalhadores em situação análoga à escravidão serem muitas vezes contratados por empresas terceirizadas, os contratantes dessas empresas são responsáveis por garantir que seus fornecedores seguem a legislação, explica o advogado trabalhista Marcelo Martins. 

“A lei determina que o tomador de serviço tem responsabilidade por lei e responde por dois institutos: culpa in eligendo, por ter escolhido mal o prestador, e in vigilando, por não fiscalizar as condições de trabalho deles, ainda que terceirizados”, diz o advogado. 

Ele explica ainda as condições que legalmente podem ser consideradas trabalho análogo à escravidão. 

“Quando o empregador retira do trabalhador a possibilidade de locomoção ou de dispor do próprio trabalho (ou seja, deixar o emprego) de forma ostensiva, quando há uma prisão, ou indiretamente, por retenção de documentos em razão de dívidas ou qualquer débito, pode ser considerado análogo à escravidão.” 

Com informações de: Globo Rural