Proposta de Emenda à Constituição (PEC 186): novo desmonte dos direitos sociais

Resumo Executivo
A PEC Emergencial (Proposta de Emenda à Constituição Nº 186/2019) faz parte de um “pacote” de emendas constitucionais sugerido pelo Ministro da Economia e tem como objetivo impor medidas de controle do crescimento das despesas obrigatórias permanentes, no âmbito dos orçamentos fiscal e da Seguridade Social da União.
De maneira geral, a PEC Emergencial tem como objetivo reduzir gastos públicos sociais, adotando medidas como congelamento de salários, suspensão de concursos e limitação de investimento. Ações com potencial de causar o desmantelamento de políticas públicas estruturantes à sociedade brasileira, com consequências sociais inaceitáveis, quando se tem em conta o objetivo de desenvolvimento socioeconômico do país.
Limitar ainda mais o investimento em pessoal coloca em risco o bom andamento das políticas públicas sociais já bem aquém do necessário, devido à falta de investimento. É um grave erro olhar somente o lado das despesas, enquanto se poderia considerar uma reforma que também analisasse as receitas. Por exemplo, a taxação dos super-ricos e a
diminuição da regressividade do sistema tributário, que penaliza proporcionalmente mais os contribuintes mais pobres. A dívida pública aumentou muito, no período recente, em função da significativa queda da arrecadação e em consequência da recessão, das renúncias fiscais e do aumento dos gastos com o pagamento dos juros e amortizações da dívida pública, que consomem praticamente a metade do orçamento federal, fato que pouco se discute.

Apesar de ser comum no Brasil culpabilizar os(as) servidores(as) públicos(as) pela falta de recursos do Estado, os fatos mostram que não é bem assim. Segundo estudo da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), publicado em outubro de 2020, 12,5% dos(as) trabalhadores(as) brasileiros(as) estão no setor público. Para efeito de comparação, entre os membros da organização – que estão entre os países

mais desenvolvidos do mundo -, 21,1% dos(as) trabalhadores(as) fazem parte do setor
público.
O Brasil possui relativamente menos trabalhadores(as) em serviços públicos que países como Suécia (28,8%), França (21,9%), Canadá (19,4%), Espanha (15,3%), Itália (13,4%) e até menos que os Estados Unidos, país de tradição liberal, aonde 15,2% dos(as) trabalhadores(as) atuam no serviço público. Ou menos que os vizinhos latino-americanos, Argentina e Uruguai, que possuem 17,2% e 15% de seus(uas) trabalhadores(as) no
serviço público, respectivamente.
O Brasil completa o quarto ano de crescimento insignificante, apesar de todas as reformas dos últimos anos – previdência, trabalhista, teto dos gastos – terem sido feitas apresentadas como a solução para a retomada do crescimento econômico e do emprego. Todas fracassaram e a PEC 186 é mais uma tentativa de redução do Estado, que vai na contramão da necessidade da população, principalmente neste contexto de pandemia, impondo um fardo enorme à maioria do povo e ao futuro da nação.
Diante da pandemia de Covid-19, grande parte dos governos de outros países vem reorientando suas políticas econômicas, ampliando os gastos públicos para responder às necessidades trazidas pela pandemia. Assim, a política de austeridade foi substituída pela necessidade evidente de oferecer medidas contracíclicas para superar a crise sanitária e minorar os efeitos da recessão mundial. Justamente o oposto do que propõe o governo brasileiro e seu ministro da economia com a PEC 186.

Introdução

A PEC Emergencial (como é conhecida a Proposta de Emenda à Constituição Nº 186/2019) faz parte de um “pacote”
de emendas constitucionais sugerido pelo Ministro da Economia e tem como objetivo impor medidas de controle do crescimento das despesas obrigatórias permanentes, no âmbito dos orçamentos fiscal e da Seguridade Social da União. Todo o caráter emergencial da PEC vem de uma preocupação com o cumprimento e ampliação de duas regras que limitam o uso dinheiro público: o Teto dos Gastos e a Regra de Ouro. O Teto de Gastos impede que o governo amplie o investimento em serviços públicos sociais para além da inflação, e a Regra de Ouro proíbe o gestor público de fazer dívidas para pagamento de despesas correntes.
A primeira versão substitutiva apresentada da PEC 186, em 2021, ocorreu em meados de fevereiro e trazia em seu corpo propostas de mudanças constitucionais que geraram grande polêmica entre os(as) parlamentares e na sociedade brasileira. Entre essas alterações, estavam a proposta de fim da vinculação de verbas para Educação e Saúde – ou seja, os pisos previstos na Constituição para os gastos nessas áreas fundamentais -, e o fim de fundos como o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), entre outras.
O segundo substitutivo da PEC 186, ambos de autoria do relator, senador Marcio Bittar, retirou da pauta os temas mais polêmicos, conseguindo aprovar o projeto em primeiro turno no Senado de maneira rápida, um dia após sua publicação. Ou seja, o debate sobre mudanças constitucionais permanentes de extrema importância fica escanteado, a pretexto de uma necessidade de resposta urgente, provocada por uma crise sanitária que deixará muitas marcas. Caso aprovadas, as alterações na Constituição Federal serão mantidas, ainda que não tenham sido submetidas a um debate social mais amplo e sério.

Aspectos gerais da PEC Emergencial (PEC 186/2019)

A seguir, serão analisados alguns aspectos gerais da PEC Emergencial, cujos defensores vêm se utilizando do contexto de pandemia e da necessidade de um novo auxílio emergencial para fazer frente ao sustento das famílias como forma de pressão pelo desmonte da estrutura de políticas públicas sociais importantes para a sociedade

brasileira. Antes, porém, fazem-se necessários alguns adendos sobre a Emenda, a fim de elucidar seu mecanismo.
Como já observado, a PEC 186, busca limitar o investimento em políticas públicas sociais, tal qual a PEC do Teto de Gastos, assim como ampliar a “Regra de Ouro”, limitando ainda mais os gastos com despesas correntes e restringindo a capacidade do Estado de melhorar a qualidade do serviço prestado. No entanto, é possível fazer as
seguintes observações em relação a tais medidas:
  • Pouco se discute sobre o uso de quase metade do orçamento para pagamentos de juros e amortizações da dívida pública;
  • É um grave erro olhar somente o lado das despesas, enquanto se poderia considerar uma reforma que também analisasse as receitas. Por exemplo, a taxação dos super-ricos e a diminuição da regressividade do sistema tributário, que penaliza proporcionalmente mais os contribuintes mais pobres. O Brasil é um dos poucos países onde nada se faz quando o assunto é tributar os super-ricos. Enfatizando o argumento de que o problema não está nas despesas, nos gastos, mas no lado das receitas, faz-se necessário saber que a dívida pública aumentou muito, no período recente, em função da significativa queda da arrecadação e em consequência da recessão, das renúncias fiscais e do aumento dos gastos com o pagamento dos juros e amortizações da dívida pública;
  • Limitar ainda mais o investimento em pessoal coloca em risco o bom andamento das políticas públicas sociais já bem aquém do necessário, devido à falta de investimento. Como, por exemplo, a política pública de Educação básica, onde os professores possuem remuneração média 61% menor que a remuneração média dos demais profissionais com ensino superior, o que torna a carreira docente menos atrativa aos(às) jovens e precariza ainda mais o ensino básico. Outro exemplo é a falta de profissionais na Saúde pública.
    Proposta de Emenda à Constituição Nº 186 (PEC Emergencial): novo desmonte dos direitos sociais
    Limitar a contratação dos mesmos perpetuará a precária situação de trabalho desses profissionais em um momento extremamente importante.
De maneira geral, a PEC Emergencial tem como objetivo reduzir gastos públicos sociais, adotando medidas como congelamento de salários, suspensão de concursos e limitação de investimento. Ações com potencial de causar o desmantelamento de políticas públicas estruturantes à sociedade brasileira, com consequências sociais inaceitáveis, quando se tem em conta o objetivo de desenvolvimento socioeconômico do país.

Alguns aspectos específicos da PEC Emergencial

A PEC 186 busca inverter a lógica constitucional, colocando os direitos sociais assegurados no Artigo 6º da Constituição Federal (CF) na dependência do equilíbrio fiscal e não como um direito irredutível, ou até como indutor de tal equilíbrio. Em sua versão anterior, a PEC 186 chegou a criar, inclusive, um novo conceito fiscal: o
“equilíbrio fiscal intergeracional”, que deixava claro que tais direitos estavam a depender desse equilíbrio fiscal. E, apesar dessa tentativa de criação desse conceito não estar presente no novo substitutivo publicado, suas intenções continuam presentes em outros artigos.
A tentativa de delimitação das receitas primárias (para realização de investimentos sociais) está presente na proposta de criação de um novo artigo para a CF, o Art. 167-A, que define que a despesas correntes não devem ser superiores a 95% das receitas correntes. Caso isso ocorra, o ente (União, estados, DF e municípios) e seus poderes poderão adotar, entre outras, as seguintes proibições:
  • reajustar salários, exceto quando por determinação judicial transitada em julgado
  • Criar cargos, empregos ou funções que aumentem as despesas;
  • Alterar carreiras, caso isso resulte em aumento de despesas;
  • Admitir ou contratar pessoal, salvo para reposições em cargos de chefia ou direção sem aumentar despesas, reposições em cargos efetivos ou vitalícios, contratações  temporárias em casos excepcionais e as reposições de temporários para prestação de serviço militar e de alunos de órgãos de formação de militares;
  • Realizar concursos públicos; exceto para reposição de vacância;
  • Criar ou aumentar auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios, incluindo os indenizatórios, exceto quando derivados de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior ao início da aplicação desta lei;
  • Criar despesas obrigatórias;
  • Aplicar medidas que aumentem despesas acima da inflação, exceto as relacionadas ao aumento do salário mínimo;
  • Realizar progressão e promoção funcional em carreira de agentes públicos, sendo que o período em que essa medida estiver em vigor não será contabilizado para progressões futuras;
Ainda no Artigo 167-A, proposto pela PEC 186, seu parágrafo primeiro propõe que tais medidas mencionadas acima possam ser tomadas pelo Poder Executivo, no todo ou de maneira parcial, a partir do momento em que as despesas ultrapassem 85% das receitas, no que poderá ser seguido pelos demais poderes.
Esses “gatilhos ” para as proibições listadas acima não estão distantes da realidade brasileira atual. Caso os entes já não estivessem cumprindo restrições anteriores – devido ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) ou devido à Lei Complementar 173/2020 -, e a PEC 186 estivesse em vigor, três estados brasileiros já teriam que colocar em prática toda essa limitação orçamentária, em detrimento da qualidade dos serviços públicos fornecidos à população: o Rio Grande do Sul, que compromete 98% da sua receita corrente; Minas Gerais, comprometendo 97,9%; e o Rio Grande do Norte, que compromete 96,4% das suas receitas correntes (Gráfico 1).
Além dos três estados que ultrapassam o limite de 95%, há 15 outros que possuem comprometimento da receita entre 85% e 95% e que também já deveriam colocar em prática tais medidas, caso aprovada a PEC Nº 186. Ou seja, cerca de dois terços dos estados brasileiros já deveriam implementar medidas de contenção de gastos primários,
sucateando ainda mais os serviços públicos.
Apesar de ser comum no Brasil culpabilizar os(as) servidores(as) públicos(as) pela falta de recursos do Estado, os fatos mostram que não é bem assim. Segundo estudo “Panorama das Administrações Públicas: América Latina e Caribe 2020”, da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), publicado em outubro de 2020, 12,5% dos(as) trabalhadores(as) brasileiros(as) estão no setor público. Para efeito de comparação, entre os membros da OCDE, que estão entre os países mais desenvolvidos do mundo, 21,1% dos(as) trabalhadores(as) fazem parte do setor público.
Conforme elucida o Gráfico 2, o Brasil possui relativamente menos trabalhadores(as) em serviços públicos que países como Suécia (28,8%), França (21,9%), Canadá (19,4%), Espanha (15,3%), Itália (13,4%) e até menos que os Estados Unidos, país de tradição liberal, aonde 15,2% dos(as) trabalhadores(as) atuam no serviço público. Ou menos que os vizinhos latino-americanos, Argentina e Uruguai, que possuem 17,2% e 15% de seus(uas) trabalhadores(as) no serviço público, respectivamente.

Diminuição das possibilidades de contratação e valorização dos(as) servidores(as)

Outro aspecto específico de extrema importância e com grande impacto no serviço público e, novamente, nos(as) servidores(as) públicos(as) é a inclusão de aposentados(as) e pensionistas no cálculo de gasto com pessoal, via alterações nos Artigos 29-A e 169 da CF propostas pela PEC Emergencial, somado às alterações realizadas anteriormente, por intermédio da Lei Complementar LC 178, de 2021.
A Lei de Responsabilidade Fiscal foi aprovada em 2000 e, como o próprio nome diz, tem como finalidade estabelecer normas voltadas para a responsabilidade fiscal. Entre outras questões, tal lei define o percentual que cada ente e esfera do governo pode comprometer da sua Receita Corrente Líquida com gastos com pessoal. Sendo assim, nela

é possível observar os limites de gasto com pessoal nos Municípios, Estados, DF e União, assim como para os poderes Legislativo, Judiciário, Executivo e Ministério Público. Por exemplo, para o Poder Executivo estadual, é permitida uma despesa de até 49% da Receita Corrente Líquida (limite máximo), com limite prudencial de 46,55% (equivalente a 95% do limite máximo). Caso o ente ultrapasse esses limites, sofre sansões progressivas, definidas pela lei, como a impossibilidade de concessão de reajustes, provimento de cargos públicos e alteração na estrutura da carreira, entre outras.

A inclusão de aposentados(as) e pensionistas na contabilização do gasto com pessoal terá grande peso nesse item, fazendo com que a relação entre esse gasto e a Receita Corrente Líquida aumente em grande escala e, em muitos casos, ultrapasse os limites prudencial e máximo. Tal movimento, como visto antes, irá engessar, por lei, as
possibilidades de desenvolvimento dos(as) servidores(as)na carreira, comprometendo novamente a qualidade dos serviços.
Ao se analisar a possibilidade de inclusão das despesas com pensionistas e inativos(as) no gasto com pessoal dos estados, nota-se que, antes de tal inclusão, há quatro estados que ultrapassam o limite máximo de gasto com pessoal (cerca de 15% das UFs) e outros dois estados ultrapassam o limite prudencial (cerca de 7% das UFs). Com a inclusão dos(as) inativos(as) e pensionistas no cálculo, a relação mudará e 21 estados (78% das UFs) ultrapassarão o limite máximo, ficando impossibilitados de investir em pessoal. Outros dois estados ultrapassarão o limite prudencial e apenas quatro UFs ficarão em situação regular em relação aos limites.

Considerações finais

O Brasil completa o quarto ano de crescimento insignificante, apesar de todas as reformas dos últimos anos –previdência, trabalhista, teto dos gastos – terem sido feitas e apresentadas como a solução para a retomada do crescimento econômico e do emprego.
Todas fracassaram e a PEC 186 é mais uma tentativa de redução do Estado, que vai na contramão da necessidade da população, principalmente neste contexto de pandemia, impondo um fardo enorme à maioria do povo e ao futuro da nação.
Grande parte dos governos de outros países vem reorientando suas políticas econômicas, ampliando os gastos públicos para responder às necessidades trazidas pela pandemia. Assim, a política de austeridade foi substituída pela necessidade evidente de oferecer medidas contracíclicas para superar a crise sanitária e minorar os efeitos da recessão mundial. Justamente o oposto do que propõe o governo brasileiro e seu ministro da economia com a PEC 186.

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