O debate sobre o fim da escala 6×1 (seis dias de trabalho e uma folga) no Brasil tem ganhado cada vez mais apoio popular. Recentemente, foi protocolada uma proposta de emenda à Constituição pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP) para reduzir gradualmente a jornada de trabalho no país e implementar a escala 4×3.
A semana de quatro dias de trabalho já é uma realidade em alguns países, que adotaram o modelo após testes bem-sucedidos. No Brasil, 19 empresas foram testadas em 2024. O projeto-piloto apresentou excelentes resultados, aquecendo a discussão sobre o tema.
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Foi constatado que, mesmo com um dia a menos de trabalho, a produtividade aumentou em 71,5% dos casos. O nível de engajamento dos trabalhadores cresceu 60,3% e o comprometimento em 65,5% das empresas que participaram do teste.
Por outro lado, algumas empresas apontaram que terão desafios como contratar mais profissionais ou implementar ajustes, como a realização de uma reunião semanal de equipe que definirá os ‘substitutos’ para que outro funcionário assuma as principais tarefas no dia que o titular estiver de folga.
Para Renata Rivetti, da empresa de bem-estar e liderança humanizada Reconnect Happiness at Work, que participou da organização dos testes no Brasil, os resultados prévios surpreenderam.
“O que consigo garantir é que, para o trabalho de conhecimento, intelectual, é possível fazer [a redução] sem perder resultados. Acho que a gente como sociedade tem que estar aberto a evoluir na pauta, mas entender qual o impacto da mudança”, afirma.
Impactos no trabalho
Para as empresas:
- 60,3% tiveram aumento do nível de engajamento
- 71,5% tiveram aumento de produtividade
- 65,5% apresentaram elevação no comprometimento com a empresa
Para os trabalhadores:
- 48,2% dos participantes notaram aumento do ritmo de trabalho
- 46,6% notaram estabilidade no nível de trabalho
- 77,9% tiveram volume de trabalho constante
Impactos no bem-estar dos trabalhadores
- 70,1% sentiram-se mais alegres e de bom humor
- 55,5% se sentiram mais ativos e com vitalidade
- 41,8% sentiram-se mais calmos e relaxados
- 49,2% acordaram se sentindo descansados
O projeto-piloto começou em setembro de 2023 e contou com 21 empresas na fase preparatória. Porém, duas desistiram do teste, uma da área de saúde, e outra, do setor comercial no Rio Grande do Sul, que precisou deixar de participar por ter sido vítima das enchentes de 2024.
A diretora de comunidade na 4 Day Week Global e coordenadora do projeto no Brasil, Gabriela Brasil, ressaltou que o teste trouxe impactos extremamente positivos para empresas e trabalhadores.
“Este piloto ocorreu em um contexto desafiador, considerando que o Brasil apresenta altos índices de ansiedade, burnout e produtividade ainda baixa, apesar do imenso potencial criativo e produtivo disponível”, disse.
A principal estratégia de Fabrício Oliveira, CEO da Vockan, empresa de soluções tecnológicas que implantou a semana de quatro dias de forma definitiva em sua companhia, foi atacar falhas na produtividade. Segundo ele, a produtividade cresceu 32%. “Entregamos mais, com gestão de tempo, treinamento para foco e fim das reuniões desnecessárias”, conta.
Entre novembro de 2022 e março de 2023, Oliveira desenvolveu seu próprio piloto da semana de quatro dias. Aumentou o final de semana com folgas às sextas ou segundas, implantou o home office e criou o office day, um único dia em que os profissionais devem ir ao escritório.
“Quando fiz a proposta de trabalharmos um dia a menos, os setores financeiro, de logística e operação, e de atendimento ao cliente acharam que eu estava ficando louco, que ia impactar negativamente os resultados, mas eu já via o movimento na Europa e sabia que tinha tudo para dar certo”, diz.
Para se adaptar à realidade do mercado brasileiro, a Vockan reveza as equipes: parte folga na sexta-feira e parte na segunda.
A empresa mais do que dobrou de tamanho em dois anos e ampliou de 60 funcionários para 132. Uma pesquisa interna mostra que 78% dos funcionários se dizem muito felizes com o modelo de trabalho adotado ali.
O escritório de advocacia Clementino e Teixeira, que também participou do teste da 4 Day Week Global, teve desafios relacionados aos prazos judiciais que os advogados devem cumprir. Porém, o escritório não desistiu de diminuir a jornada e avançou para ter ao menos uma semana por mês com escala 4×3.
O principal problema, segundo a sócia Soraya Clementino, está ligado aos prazos judiciais que os advogados não podem deixar de cumprir.
Mas o escritório insistiu na ideia. Segundo ela, depois de participar do projeto-piloto no Brasil, a empresa conseguiu que ao menos uma semana no mês seja de jornada de quatro dias.
“Do ponto de vista jurídico, é perfeitamente possível, mas a questão da produtividade, conforme a natureza da atividade, não é uma conta simples”, explica.
De acordo com Soraya, a semana de quatro dias trouxe ganhos como acelerar um processo de implantação tecnológica no escritório e agilizar a produção de petições, contando com ajuda de ferramentas de inteligência artificial.
Roberta Faria, fundadora e CEO da MOL impacto, agência que desenvolve ideias e produtos de impacto social, a necessidade de uma nova forma de pensar o trabalho motivou a participação no teste da 4 Day Week Global.
“A gente quis participar desde o começo porque era uma vontade minha como liderança, de repensar a forma de trabalhar, pensando até na produtividade, já que vínhamos numa rotina de esgotamento”, explica a CEO.
Ela ressalta que a implantação não foi fácil porque trabalha com grandes companhias de varejo que funcionam de domingo a domingo. Na Mol, a folga também é por escala (uns descansam na sexta e outros, na segunda). Para Roberta, é possível se adaptar às novas formas de se trabalhar.
“Sempre que a sociedade civil e os trabalhadores se unem para buscar mais direitos e qualidade de vida vai ter essa reação contrária de que é prejudicial à economia, mas a gente vê pela história do mundo que é possível se adaptar.”
Com informações de Folha de S.Paulo