Sistema prisional no País segue fragilizado com o fortalecimento do crime organizado
Com um déficit de 180 mil agentes penitenciários em todo o território nacional, privatizar a administração do sistema prisional brasileiro desvaloriza a profissão, fragiliza o Estado e fortalece o crime organizado de acordo com os presidentes do Sindicato dos Agentes de Atividades Penitenciárias (SINDPEN/DF), Leandro Allan Vieira, e Sindicato dos Agentes e Servidores do Sistema Penitenciário do estado do Ceará (SINDASP/CE), Valdemiro Barbosa. Para os dirigentes, uma segurança pública eficiente exige servidores comprometidos com o Estado e a sociedade.
Segundo o também vice-presidente da CSB, Leandro Allan, “o agente penitenciário é o representante do Estado dentro das unidades prisionais, e privatizar a administração é colocar profissionais frágeis sob a cooptação do crime organizado e da 4ª maior população carcerária do mundo” – causa central das infiltrações de armas, celulares e drogas no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, onde 56 detentos foram mortos durante rebelião no dia 1º de janeiro. O presídio é administrado pela empresa Umanizzare.
“Terceirizar, não abrir mais concursos para realmente suprir o déficit de agentes no País, contratar trabalhadores de forma temporária (pessoas que ficarão desempregadas em dois anos e vulneráveis ao aliciamento das facções), tudo isso fragiliza o sistema. E a privatização ainda eleva o valor do que se gasta com cada preso. Então, se o Estado tem dinheiro para gastar o dobro com a contratação de uma empresa, por que não dá para investir em segurança pública, eliminando as fontes do caos penitenciário: a superlotação e a falta de servidores no sistema?”, questiona o presidente do SINDPEN/DF.
Atualmente, o País conta com cerca de 60 mil agentes penitenciários públicos ativos para custodiar 622 mil detentos conforme o último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), enquanto a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recomendam a proporção de 1 profissional para cada 5 presos.
Valdemiro Barbosa, presidente do SINDASP/CE, afirma que “o que acontece hoje é uma desmoralização total”. De acordo com análise do sindicalista, a privatização de cadeias também tem como objetivo o enriquecimento ilícito por meio do superfaturamento.
“No Ceará, nós tivemos a mesma empresa que está no Amazonas (Umanizzare) entre os anos de 2004 e 2008, e, nesse período, os prejuízos foram enormes. Foram, inclusive, detectados casos em que o preso já tinha direito de progredir de regime e a condução do seu processo era atrasada para que eles continuassem presos. Afinal, a empresa ganha em cima de cada detento”, explica Barbosa.
Segundo o procurador de Contas Ruy Marcelo Alencar de Mendonça, a Umanizzare recebe do governo amazonense R$ 4.709,78 por mês e para cada preso no Compaj. Valor que reduziria para R$ 2 mil por detento caso a administração fosse totalmente de responsabilidade pública de acordo com o presidente do SINDASP/CE. “É este o esquema entre empresários e agentes públicos. Deixa de se investir na construção de novas unidades, na contratação de efetivo, na compra de armamento e de equipamentos de segurança e de capacitar os profissionais, em outras palavras, você sucateia o sistema para apontar como solução a terceirização. E agora quem paga é a sociedade”, completa o dirigente.
Valorização dos agentes e Fundo Penitenciário
Na luta pela aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 308, PEC que altera o artigo 144 da Constituição ao transformar a atividade do agente penitenciário em polícia penal, a categoria levanta a bandeira para ser reconhecida como parte essencial da segurança pública brasileira desde 2004. Para o vice-presidente da CSB e presidente do SINDPEN/DF, Leandro Allan, “o maior erro do governo é justamente não discutir o sistema prisional com quem entende”. Durante todo o ano de 2016, a matéria não foi apreciada pelo plenário da Câmara dos Deputados por cancelamento ou encerramento de sessão.
“O governo não vai conseguir resolver o problema do sistema penitenciário enquanto ele não colocar o agente penitenciário na mesa para debater as soluções. Hoje, a profissão não é constitucionalizada e as autoridades públicas barram isso para continuar com as privatizações, que são um meio de desviar dinheiro, como a Umanizzare doou R$ 212 mil para um ex-deputado federal. Então, é preciso constitucionalizar a carreira, senão não será possível encontrar soluções para os próximos anos”, destaca Allan.
Além da valorização profissional, o aumento do quadro de servidores efetivos, do número de vagas para acabar com a superlotação carcerária, a recapacitação dos trabalhadores, a reconstrução de unidades prisionais sucateadas, a intensificação da fiscalização, o fim do contrato temporário e da privatização e a destinação estratégica dos recursos do Fundo Penitenciário Nacional são algumas das primeiras medidas necessárias à melhoria do sistema prisional do Brasil de acordo com o Leandro Allan e Valdemiro Barbosa.
Após o massacre em Manaus, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, relembrou que no final de 2016 a União liberou R$ 1,2 bilhão por meio do Fundo para a construção de novas prisões e compra de equipamentos. Para Leandro Allan, uma medida paliativa “que não vai adiantar nada”.
“Isso servirá apenas para aliviar o Estado, supondo que novas rebeliões não aconteçam, mas já aconteceram em Roraima e em Manaus novamente. O que se precisa é pegar esse dinheiro e investir em contratação de profissionais; tem que abrir concurso público, contratar agentes para prestar serviço nas unidades penitenciárias do País. No Distrito Federal, temos plantões com 1 agente para vigiar 250 presos. É um absurdo”, revela o sindicalista, corroborado pelo presidente do SINDASP/CE.
De acordo com Barbosa, no Ceará há 500 agentes para custodiar 25.500 detentos. “Com certeza esse recurso do Fundo Nacional seria de grande valia para fazermos a diferença. Sistema penitenciário é segurança pública. Enquanto isso não for consenso entre os governadores, nós vamos viver essa situação de dificuldade”, ratifica.
Endurecimento das leis e aplicação de políticas públicas que incentivem o preso a trabalhar para a sociedade, investindo na sua recolocação no mercado de trabalho e inserção social também são outras providências que os sindicalistas acreditam que precisam ser tomadas.